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CAPÍTULO 1 – FINCANDO O MASTRO

1.7. Das grandes ações se ramificam desvios

Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas... [...] Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas.

Manoel de Barros

Ter como objeto da pesquisa o meu fazer docente me fez emocionar-me ao ver o malafincado se fazer poeta e entrar “em pura decomposição lírica” (BARROS, 2010, p. 293). Rir bastante nos momentos em que ele improvisa uma conversação sertaneja “em

Guató, em Português, e em Pássaro” para falar “de suas descobertas”.

Estabelecer sentimentos de empatia. Desconhecer a noção de temporalidade, já que para alcançar resultados nesta pesquisa-ação foi preciso atitudes de ensinar em estado de

criação, ou seja, estar em um lugar conhecido, porém com corpo de linha e olhar de anzol. Numa proposta de enfrentamentos diários ao longo de seis anos de trabalho. Inicialmente conhecendo o grupo e nele sofrendo “alguma decomposição lírica até o mato sair na voz” (p. 301).

Uma das propostas dessa experiência foi colocar-me no espaço acadêmico para dialogar com Renata Meira, fazendo da escuta uma prática e da prática uma escuta. E assim deixar-me ser orientada no processo de investigação. Confesso ter elencado algumas qualidades que vejo como imprescindíveis para apresentar Renata Meira: pessoa cuja ética e ethos me faz antevê-la dotada de imaginação política, proclamando a diferença e a diversidade, utilizando o diálogo enquanto instrumento metodológico que permite a leitura crítica da realidade, com um trabalho de ação, reflexão e autonomia, participação sensorial, exploração, experimentação onde se formam aprendizagens.

Não deixo também de qualificá-la como pessoa capaz de tensionamentos dialógicos:

O que você vai ensinar? Porque a gente fala em ensino aprendizagem? [...] Se a ideia é uma dança que não pode se transformar, então não existe o lidar com a situação. O modo como se aborda o conhecimento, aborda um jogo de cintura que lida com... As instituições reúnem pessoas. Na comunidade a pessoa está porque escolheu. A comunidade não pode ser romantizada assim como a escola não é apenas um espaço de transmissão. (MÁRCIA OLIVEIRA, Caderno de Criação, 2013, p. 121. Fala de Renata Meira recolhida em roda de conversa).

Provocativos que levam à reflexão e ação, reflexão da ação, reflexão para a ação. Diálogo “de caráter construtivo quando os interlocutores buscam conjuntamente as soluções” (THIOLLENT, 2011, p. 36).

As questões que o trabalho de Renata Meira envolve estão na dança, o pós- dramático, o apocalíptico. No espaço de formação do educador, ela discute o encontro da cultura popular com o universo acadêmico, de modo que exista um lugar comum onde cada um pode falar daquilo que é seu. A proposta é o conhecimento com o indivíduo e não para o indivíduo. Assim, entender e valorizar a cultura popular no espaço institucional propicia ao educador capacitação para enxergar na escola ou na comunidade outros conhecimentos de vida e do modo de vida (modo de dançar, jogar, a corporeidade).

Quando me proponho trazer os trabalhos e fundamentações de Renata Meira para discernir, divergir e dialogar esta pesquisa, estou olhando para uma pessoa que vem de um contexto diferente do meu e que tem uma obra que expõe as molas sociais e institucionais

da dominação de grupos da cultura popular. Renata Bittencourt Meira (2007) transpira vivências de contexto urbano e cultural na cidade de São Paulo com aulas de dança e música, e da experiência com a cultura popular tradicional ampliada para além da tradição familiar. Nascida em São Paulo, veio de uma família de intelectuais e profissionais liberais, “me inseri no campo das culturas populares por meio da experiência com o carnaval de rua” (MEIRA, 2007, p. 4). Nos anos 1990 torna-se Bacharel em Dança pela UNICAMP e posteriormente mestra e doutora pela mesma universidade. Pesquisadora nos espaços urbanos, comunitários e institucionais, com ela a educação e a arte trazem a característica de um pulsar orgânico.

As referências que apresento vêm dos seus trabalhos de pesquisadora que foram apresentados em Baila Bonito Baiadô: educação, danças e culturas populares em Uberlândia Minas Gerais (2007). A tese, dialogando com a educação tradicional, difusa e institucionalizada, apresenta o congado na cidade de Uberlândia e o hibridismo cultural das manifestações populares nessa cidade. O trabalho de doutoramento de Renata Meira está recheado de ações dos pesquisadores do grupo Baiadô, cujas reflexões foram propostas na Apostila Tatudançando (MEIRA, 2007, p. 275-94), uma compilação da pesquisa do grupo entre os anos 2002 a 2006.

Conceituar a experiência (MEIRA, 2010) é um texto que apresenta suas práticas na educação somática. Práticas que transparecem na consciência e expressão corporal e que vêm sendo ministradas há dez anos no espaço acadêmico. Expressões e impressões do corpo em cena (MEIRA, 2011) é outro olhar para a sua prática de artista educadora, para quem o corpo cênico revela a experiência de mundo, é corpo vivido, corpo de impressões e expressões em movimentos que constroem a ação cênica dialógica.

O referencial que não separa o processo de criação corporal, simbólico e textual, e que também é transgressão nesta pesquisa, está em Subjetos e Encantados (BRONDANI; MEIRA, 2014). Desse experimento é que nasce a máscara em performance que é o meio de diálogo que utilizo nesta pesquisa.

A máscara nascida de um processo artístico exploratório ao longo do qual detectei,

inicialmente, em mim, “apoios e resistências, convergências e divergências, posições

otimistas e céticas” (THIOLLENT, 2011, p. 56). Permite-me ensinar expressividades em

estado de criação. Ideia central neste trabalho e dialogada com o referencial teórico. Experenciar, aprender, criar e ensinar (MEIRA, 2005, p. 107) é um estudo que elege o processo de pesquisa, educação e criação com o olhar do pesquisador voltando-se

para as práticas populares tradicionais de criação; reconhecendo essas práticas em seus diferentes espaços e também na sua diversidade de manifestações e significações.

Nesse caminho do respeito e do entendimento das práticas populares e do

“imbricado social e cultural no homem”17 foi que Renata Meira coordenou um projeto de

pesquisa e extensão na Universidade Federal de Uberlândia com um grupo de estudantes universitários das Ciências Sociais, Artes Cênicas, História e Artes Plásticas (e alguns deles eram pesquisadores dentro do próprio grupo), profissionais com formação em sociologia, pedagogia, psicologia, filosofia, história, pessoas da comunidade uberlandense e portadores de tradição. O grupo criado em 2002, o Baiadô, ao longo de seu percurso enquanto grupo de extensão, recebeu e realizou oficinas, sistematizou conhecimentos e gravou músicas.

17 Expressão de Renata Meira colhida por mim em sala de aula no estágio-docência, na disciplina Teatro e Cultura Popular no Mestrado no PPGArtes/UFU, em 26 de maio de 2014, no período da tarde.

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