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DAS LIMITAÇÕES DA “MÃO VISÍVEL” À AGRICULTURA CAMPONESA

2 DESENVOLVIMENTO RURAL

3.2 DAS LIMITAÇÕES DA “MÃO VISÍVEL” À AGRICULTURA CAMPONESA

Ploeg (2008b) convencionou por “mão invisível” a atuação dos impérios agroalimentares, ou seja, as firmas transnacionais (como Nestlé, Unilever e Monsanto) formadas com a reestruturação da indústria de processamento, grandes empresas de comercialização e redes de supermercados que monopolizam o poder das relações que envolvem a produção, o processamento, a distribuição e o consumo de alimentos em um circuito estritamente controlado. E, de maneira mais grave, põem em risco os recursos agrários (o trabalho camponês, notadamente) e os ecossistemas, destruindo valor ao invés de adicioná-los.

Sob esta égide regulada, para Ploeg (2008b), foi patente o aparecimento de liames entre pobreza e riqueza na produção de alimentos, sobretudo no que tange ao preço pago pela produção primária e aqueles pagos pelos consumidores finais, quer dizer, ao mesmo passo em que os baixos preços agrícolas permitem

acumulação de riquezas para uns, a redução dos seus níveis exerce pressão em cadeia nos outros setores da agricultura, tornando certos seguimentos, como a agricultura familiar, pouco competitiva.

Por requerer previsibilidade, preços compensatórios e crescente demanda do mercado, a iminência do agravamento do ciclo da pobreza mundial, a persistente degradação dos ecossistemas e as fortes tensões, contestações entre os agricultores e a sociedade, esta forma de organização produtiva colocou em especial contradição e questionamento a existência de longo prazo dos impérios alimentares e das agriculturas capitalista e empresarial, por consequência. Não por engano, os escândalos financeiros que os têm circundado nas últimas décadas, como nos moldes da Parmalat, que, antes de falir no início dos anos 2000, deixou de herança bilhões de euros em dívidas e a destruição do valor do trabalho camponês, são claras as evidências do enfraquecimento destes (PLOEG, 2008b).

Visto isso, Ploeg (2008b) pontua que a fragilidade e a precariedade da liderança dos impérios à frente dos sistemas agroalimentares se devem ao entrelaçamento entre:

(i) A industrialização da agricultura;

(ii) A anuência do mercado global como norteador da produção e da comercialização dos produtos agrícolas, além da reestruturação econômica supracitada, pois submetem os sistemas aos condicionamentos do capital industrial e financeiro para aplicação em insumos externos e novos equipamentos tecnológicos, fazendo com que os custos variáveis atinjam altas e rígidas parcelas no custo de produção total; e

(iii) O alinhamento dos preços dos produtos às tendências e às relações que dominam o mercado global e sua repercussão abrupta nos preços agrícolas e no deslocamento de grandes sistemas agrícolas, isto é, o que outrora era tradicionalmente cultivado em uma região passou a sê-lo em qualquer lugar, procriando um ambiente inseguro e turbulento para a continuidade de muitos sistemas agrícolas.

Na interface deste panorama, Altieri (2009) apoia as ideias de Jan Douwe van der Ploeg ao lançar o seu olhar, ainda que indiretamente, sobre o processo de recampesinização presente na agricultura de hoje. No seu parecer, a crise agrícola- ecológica em que o mundo está imerso será superada com a agroecologia6, a qual, ao florescer a produção sustentável, materializa no agricultor camponês o arquiteto e o ator principal do seu próprio desenvolvimento.

A agroecologia, portanto, resgata o papel do camponês ao validar os seus conhecimentos, primordialmente em relação à exploração e ao convívio com o meio ambiente, como agente sumariamente importante para o contexto de uma produção estável, em que a proteção ao meio ambiente e a integração entre o homem, o agrossistema e o ambiente sejam alcançadas.

Para Altieri (2009), são objetivos da agroecologia:

(i) A restauração da saúde ecológica com a preservação da diversidade cultural que nutre as agriculturas locais; e

(ii) O conhecimento camponês acerca dos ecossistemas que ratifica a elaboração de estratégias produtivas multidimensionais de utilização da terra que, dentro de um limite ecológico e técnico, cria a autossuficiência alimentar de determinadas comunidades, e de ajuste às necessidades, às preferências e à base de recursos de grupos específicos de agricultores e agroecossitemas regionais.

De igual modo, um programa de desenvolvimento rural deverá:

a) melhorar a produção de alimentos básicos ao nível das unidades produtivas, fortalecendo e enriquecendo a dieta alimentar das famílias. Isto tem envolvido a valorização de produtos tradicionais (caruru, quinoa, tremoços, etc.) e a conservação de germoplasma de variedades cultivadas locais;

b) resgatar e reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas; c) promover o uso eficiente dos recursos locais (isto é, terra, mão-de-obra, subprodutos agrícolas, etc.);

d) aumentar a diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos;

6Altieri (2009, p. 23) entende como agroecologia a utilização dos agroecossistemas como unidade de

estudo que se sobrepõe à visão unidimensional (genética, agronomia e edafologia), passando a abranger as dimensões ecológicas, sociais e culturais necessárias para a implementação de agroecossistemas sustentáveis. Logo, trata-se de uma “nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo”.

e) melhorar a base de recursos naturais através da conservação e regeneração da água e do solo, enfatizando o controle da erosão, a captação de água, o reflorestamento, etc.;

f) reduzir o uso de insumos externos, diminuindo a dependência e sustentando, ao mesmo tempo, os níveis de produtividade, através de tecnologias apropriadas, da experimentação e implementação da agricultura orgânica e outras técnicas de baixo uso de insumos;

g) garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento não só das famílias, mas de toda a comunidade. Assim, as intervenções e processos tecnológicos são complementados por programas de educação que preservam e reforçam a racionalidade camponesa, auxiliando, simultaneamente, na transição para novas tecnologias, relações com o mercado e organização social (ALTIERI, 2009, p. 44-45).

Em função da sinergia entre os objetivos da agroecologia e os fins do desenvolvimento considerados acima, a estratégia de proteção e integridade dos recursos naturais e da reprodução das unidades produtoras camponesas passou a ser o modelo de produção basal do desenvolvimento rural. Logo, a atuação do agricultor camponês é reconhecida como mais propensa a tal, suplantando a do agricultor capitalista e empresário.