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2 DESENVOLVIMENTO RURAL

3.3 O CAMPONÊS E A LUTA POR AUTONOMIA

Muito embora os preceitos de que com o advento do empresário agrícola sobreviverão unicamente os maiores e mais bem equipados produtores tenha se portado de maneira contrastante ao longo do período compreendido entre 1950 e 1990, o paradigma da modernização, mesmo desacreditado, ainda tem se mostrado como verdadeiro. Sendo assim, Ploeg (2008b) propõe uma análise que abrange a distinção entre o camponês e o empresário agrícola, a fim de excluir toda e qualquer segmentação feita a rigor, contribuindo, assim, para o surgimento de conceitos que abarquem o centro (os agricultores dotados de vasta tecnologia) e a periferia (aqueles que não são providos de recursos modernos) para aplicá-los aos grupos e a inúmeros cenários históricos contemporâneos.

Antes de definir o campesinato, o autor joga luz sobre a influência dúbia que parte da ciência vem exercendo ao longo do tempo, pois esta tanto pode produzir conhecimento, quanto ignorância. Alvo das suas críticas por ser a criadora do modelo empresário agrícola, a ciência é tida como o “buraco negro” que oculta a ação dos camponeses por postulá-los como escondidos, remotos e periféricos.

Sabourin (2009) cita que muito desse isolamento ou invisibilidade também tem origem no próprio individualismo da autonomia camponesa, pois há uma relação causal entre o peso institucional e cultural do modelo produtivista no tecido social em que o agricultor está inserido. De outra forma, quanto mais o ambiente institucional propiciado pelo Estado for favorável à lógica sistêmica da produção capitalista, mais o camponês tenderá a fechar-se em seus formatos reduzidos de proximidade e reciprocidade familiar para resguardar a sua autonomia.

De acordo com Ploeg (2006, 2008b), o camponês está condenado a um mundo grosseiro e cruel que marginaliza as pessoas, sujeitando-as às piores condições econômicas e sociais. Não raro, o sistema de produção se confunde nesse quadro, no qual a luta por autonomia, sobrevivência e progresso é compartilhada com outras categorias sociais para definir a forma de construção e reprodução deste meio de vida rural em uma sociedade em que a autoridade econômica e política da produção capitalista dita as regras.

A condição camponesa consiste, então, na luta por autonomia em um ambiente hostil, de relações de dependência, privação e exclusão. Resultante dessa condição, a luta por autonomia é caracterizada por uma base de recursos autogerida que engloba recursos sociais e naturais (conhecimento, cultivo, esterco, gado, trabalho, terra, etc.) e, entre esses, que são absolutamente precisos para afrontar o mundo hostil em que o produtor camponês está introduzido e permitir a ele alguma independência, acentua-se que a terra é o fator mais considerado, por motivos materiais e simbólicos.

Dito isso, a luta por autonomia aproxima a agricultura camponesa do uso e do desenvolvimento contínuo de princípios ecológicos porque esta requer a adaptação de um jeito de produzir particularmente adverso ao dos modelos das empresas agrícolas, vale dizer, a substituição de tecnologias intensivas em agroquímicos caros e degradadores do meio ambiente por outras mais brandas, de baixo (ou nulo) uso de insumos externos.

Por esse motivo, a luta por autonomia se define em limitação na base dos recursos, pois, se incrementada, esta acarreta dependência para com os fatores de mercado. Além disso, a agricultura camponesa se distingue por estabelecer relações de trocas não mercatilizadas com a natureza, secundarizando o circuito da mercadoria e voltando-se para o mercado apenas para vender os seus produtos.

Diante do exposto, Ploeg (2008b) recomenda uma nova acepção, em substituição ao que parte da ciência vem disseminando, da condição camponesa, em que sobressai o que de fato os camponeses são, e não aquilo que por ventura não são ou deixam de ter. Destarte, são características da condição camponesa:

(i) Uma relação de coprodução com a natureza;

(ii) A construção e a auto-gestão de uma base autônoma de recursos próprios (capital, fertilidade, trabalho e terra);

(iii) Uma relação específica e diferenciada com mercados diversificados e o mundo exterior em que é possível certa autonomia;

(iv) Um projeto de sobrevivência e de resistência ligado à reprodução da unidade familiar;

(v) A pluriatividade; e

(vi) A cooperação e as relações de reciprocidade.

Siman et al. (2006) ressalvam que a coprodução reitera a questão da re- fundação do desenvolvimento rural, já que, ao não se limitar apenas à produção, a agricultura também é reprodução, melhoria, transformação e adaptação dos seus meios de produção. Logo, a coprodução é:

[...] sempre o encontro e interação e a mútua transformação entre sociedade e natureza. Nesse encontro é a tecnologia que combina os dois. A co- produção se insere no contexto da redução da dependência externa (negativa) de fatores de produção, ou seja, da redução dos insumos comprados, e, conseqüentemente, da redução dos custos de produção, pela geração dos insumos dentro do próprio meio (SIMAN et al., 2006, p. 51).

Sabourin (2009, p. 32) entende essa concepção como sendo uma “expressão diversificada da natureza heterogênea dessa condição camponesa que conduz a diferentes tipos de ‘modo camponês de fazer agricultura’, construídos em torno de características comuns”, vale dizer, “uma relação direta com recursos naturais vivos, mas limitados à intensificação do trabalho e à valorização da ajuda mútua”, além de um afastamento consensual “das regras do mercado capitalista associado à capacidade de autonomia com relação ao mundo capitalista”.

À luz dessas asserções, a eficiência técnica e a mudança técnica não material constituem mecanismos centrais da produção camponesa, promovendo as subsequentes particularidades:

[...] os produtores precisam obter o maior resultado possível com uma dada quantidade de recursos – e sem que haja uma deteriorização da qualidade destes recursos. [Assim], a produção camponesa tende a ser intensiva (ou seja, a produção por objeto de trabalho será relativamente alta) e a trajetória de desenvolvimento será moldada como um contínuo processo de intensificação. [...] a base de recursos não é separada em elementos opostos e contraditórios, [...] [posto que] os recursos sociais e materiais disponíveis representam uma unidade orgânica e são possuídos e controlados por aqueles diretamente envolvidos no processo de trabalho. [Não obstante], [...] o processo de produção [...] é tipicamente estruturado sobre [...] uma reprodução relativamente autônoma e historicamente garantida, [...] orientado para a busca de criação de valor agregado e de empregos produtivos (PLOEG, 2006, p. 25-28).

O que diferencia a produção camponesa da empresa agrícola capitalista é, assim sendo, a criação de valor agregado e de empregos produtivos. Dessa maneira, o aumento contínuo do valor agregado por unidade produtiva é referente ao avanço simultâneo de dois níveis interconectados: o da comunidade camponesa e dos atores individuais envolvidos no processo de produção.

A distinção entre os padrões de produção compõe, segundo Ploeg (2006), instrumento para a compreensão das dinâmicas de desenvolvimento rural, uma vez que, enquanto o modo capitalista gera indeléveis acúmulos de riquezas no plano da sua produção, mesmo com estagnação ou redução considerável do valor agregado da sua localidade ou região, o estilo camponês resguarda-se em prosperidade territorial. E essa prosperidade é possibilitada porque, em sua comunidade e no âmbito de repertórios culturais específicos, o progresso, para os camponeses, se traduz-se em satisfação originária das relações de reciprocidade, e não em troca mercantil, bem como nas necessidades elementares do grupo, e não na apropriação pessoal de bens.

Compreender a agricultura camponesa conclama os motivos pelos quais os agricultores não desativam ou fecham completamente os seus estabelecimentos. Em momentos de intempéries, a produção é incrementada tanto quanto admissível, pois, do contrário, há contradição com os interesses intrafamiliares de reprodução socioeconômica. Assim, os processos produtivos são ainda mais direcionados para os mecanismos ecológicos, redes e arranjos institucionais que certificam segurança,

menores custos e preços. Na prevalência das tormentas, o camponês se vale da pluriatividade e da multifuncionalidade, mas, em geral, não abdica a produção, tampouco a base de recursos própria que lhe é inerente para a luta por autonomia.

A agricultura camponesa é apta para tolerar riscos, é eficiente na produção de cultivos, possui considerável capacidade produtiva para misturar cultivos, reciclar e manusear recursos e germoplasmas locais, além de explorar vastos microambientes (ALTIERI, 2009).

Sendo o processo de recampesinização uma resposta dos agricultores aos apertos contemplados pela agricultura produtivista em face dos investimentos em escala que não efetivaram os resultados esperados “[...] devido aos altos custos associados à expansão (cota, terra, espaço ambiental) e às sombrias perspectivas relacionadas ao aprofundamento da liberalização e da globalização” (PLOEG, 2006, p. 46), o fortalecimento e o reconhecimento do setor são um modo de defesa dos valores éticos e morais que respaldam projetos harmônicos de vida e de sociedade, suprimindo a problemática econômica, social, alimentar e ecológica à qual o sistema econômico mundial está submetido.

Essa dinâmica, associada à satisfação das necessidades do grupo humano e da coletividade, corresponde a outro formato de desenvolvimento econômico, anunciado por Ploeg (2006), que é a generalização do valor agregado.