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Das pulverizações químicas à previsão do controle biológico dos cultivos

No documento A política criminal de drogas contemporânea (páginas 146-149)

CAPÍTULO 3. A ERRADICAÇÃO DE CULTIVOS E AS ALTERNATIVAS PARA

3.1. A erradicação de cultivos e as fumigações

3.1.3. Das pulverizações químicas à previsão do controle biológico dos cultivos

Embora os órgãos governamentais não admitam os efeitos tóxicos do glifosato para o homem e o meio ambiente, pretendem substituí-lo por um produto não químico para controlar os cultivos ilícitos.

Surge, então, o fungo fusarium oxysporum como o “remédio” para acabar com os cultivos de coca, evitando-se, assim, o mal-estar provocado na população campesina com as queimas de suas lavouras com o glifosato, e que vem afetando outras culturas e de forma irremediável o meio ambiente colombiano.

Para o Governo da Colômbia esse seria um método alternativo e uma forma segura de eliminar os cultivos ilícitos, e faz parte da estratégia de erradicação do Plano Colômbia. Com isso busca o apoio dos pequenos cultivadores e das entidades

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defensoras da natureza e do homem, para sua ação antmarcoticos.

A exemplo do que ocorreu com o glifosato, o governo afirma que o fusariun oxysporum não causará impacto algum sobre o meio ambiente e a saúde das pessoas. No entanto, os estudos sobre o fungo que teriam sido realizados pelos órgãos governamentais, se o foram, isso se deu sem o acompanhamento das entidades interessadas em proteger o meio ambiente e os direitos humanos, Estas entidades, entre as quais se destaca a Defensoría dei Pueblo, colocaram em dúvida a inofensividade do fusarium, alegada pelo Governo.

A Defensoría dei Pueblo reuniu um grande acervo de informações acerca do mencionado fungo, as quais foram buscadas na literatura científica nacional e internacional, em foros e debates, na opinião de cientistas e outros documentos, que revelaram possíveis impactos que ele poderia causar à biodiversidade e ao homem, e, em razão disso, recomendou às autoridades nacionais a proibição de importação do fungo.31

Por controle biológico se entende o uso de organismos vivos, bactérias, fungos, vírus e micróbios para atacar doenças ou pragas que infectam o homem, animais ou

30 - Defensoría Del Pueblo, op. cit., p 151. 31 —Ibidem, p 152,

plantas. Assim sendo, esses microrganismos servem para destruir um mal que se instala em uma planta, e nunca para destruir a própria planta. Por conseguinte, é difícil compreender como empregar um fungo para atacar o arbusto da coca, que não é nenhuma praga, nem uma doença, mas uma árvore inofensiva ao meio ambiente.

Há cerca de quatro décadas, a comunidade científica internacional vem investigando o fungo Fusarium Oxysponm da variedade erythroxyhm, para usá-lo como controlador biológico de cultivos de coca. No período compreendido entre os anos sessenta e oitenta, depois de verificar que folhas de árvores de coça, situadas em uma estação experimental do Havaí, murchavam e a árvore acabava secando, pesquisadores norte-americanos passaram a estudar o que causava tal fenômeno, concluindo que se tratava do fungo fusarium oxysporum da variedade Erythroxylum, e, através do isolamento de seus componentes químicos, em 1987, comprovou-se que pode funcionar como um herbicida biológico. No mesmo ano, iniciaram-se, na Colômbia, investigações, financiadas secretamente pelo Governo norte-americano, visando encontrar um controlador biológico que pudesse substituir os herbicidas químicos na erradicação de cultivos ilícitos.

As pessoas e entidades preocupadas com a preservação dos ecossistemas da Amazônia e dos Andes não concordam com o uso do fungo para o controle de cultivos ilícitos por três razões principais: não existem estudos mais aprofundados que demonstrem que o fungo atacará tão somente o arbusto da coca; há informações de que esse fungo foi manipulado geneticamente; e porque o fusarium está proscrito para uso na guerra tóxica e já foi usado como arma química.33

Por esses e outros motivos, teme-se que o fusarium possa causar uma catástrofe ao meio ambiente da América do Sul, especialmente se utilizado em pulverizações aéreas, nas quais os ventos poderão levar o fungo para as florestas vizinhas aos plantios de coca e, dali, espalhar-se para toda a selva amazônica, que, devido a seu clima

32 - Pefensoría dei Pueblo, op. cit., pp 153/154.

33 - Ibidem, p 154: “Asi mismo el hongo fusarium es la fuente de varias armas químicas desarrolladas por los Estados Unidos, la antigua Union Soviética, Gran Bretana, Israel, França e Irak y está proscrito en convenciones contra Ja guerra tóxica

quente e úmido, é propício para o desenvolvimento de fungos, podendo tais condições climáticas favorecer a mutação genética do fungo fusarium, que segundo estudos do Departamento de Proteção ambiental da Flórida, apresenta grande probabilidade de evoluir para outras formas de fungo e vir a afetar outros cultivos.34

A confirmar a falta de estudos maiores quanto aos efeitos danosos que podem advir da aplicação do fungo fusarium oxysporum, o Estado da Flórida, no ano de 1999, negou-se a utilizá-lo para atacar seus cultivos de maconha. Se estivesse comprovada a inofensividade do mesmo, certamente, a negativa não teria ocorrido.

Em que pese a incerteza quanto aos efeitos residuais do uso do fusarium no combate aos cultivos ilícitos, o Governo da Colômbia, pressionado pelos Estados Unidos, colocou-o no Plano Colômbia como uma alternativa ao uso de herbicidas químicos na erradicação de cultivos ilícitos, e, devido ao interesse demonstrado pelo governo colombiano e à pressão exercida pelos Estados Unidos, a Organização das Nações Unidas apresentou àquele um projeto para testes do fungo na região amazônica como controlador de cultivos ilícitos.35 De acordo com o projeto, o governo colombiano arcaria com todos os custos de implantação e execução do mesmo, e com a responsabilidade exclusiva por todo e qualquer dano provocado pelo fiingo. De outro lado, todos os direitos de propriedade intelectual do fungo Fusariu Oxysporum erythroxilum foram reservados pelo Governo dos Estados Unidos.

Depois de ouvir a opinião de expertos sobre o tema, o Governo da Colômbia decidiu não implementar o projeto que lhe fora apresentado pela ONU e apresentou uma proposta sua de controle biológico para a erradicação de cultivos ilícitos, denominada Formas Alternativas Integrais e Produtivas de Proteção da Biodiversidade nas Zonas afetadas por Cultivos de Coca e sua Erradicação.Este projeto compreende duas etapas:

34 - Defensoría del Pueblo, op. cit., 158.

35 - Ibidem, p 161: “En conclusion, para muchos, la presión dei gobiemo norteamericano llevó a que el gobiemo colombiano, sen consultarlo con la sociedade civil, se comprometiera en el Plan Colombia a utilizar métodos como el control biológico para la erradicación de cultivos ilícitos. Y es debido a este interés de Colombia, y las presiones de los Estados Unidos, que las Naciones Unidas presentaram al gobiemo colombiano un proyecto para la experimentación y futuro desarrollo dei hongo fusarium

a primeira destinada a encontrar um microrganismo nativo que possa ser utilizado como controlador biológico, levando em consideração os impactos ambientais que o mesmo poderia provocar; e na segunda, seriam realizados os testes e investigações nas zonas de cultivos ilícitos, visando identificar, a partir do microrganismo, o componente de controle biológico, que atua como controlador, e estudá-lo quanto aos efeitos residuais que dele poderiam advir.

Este projeto, a exemplo daquele que previa o uso do fusarium, não conseguiu apoio científico, nem da sociedade civil colombiana, quer porque os efeitos da adoção do controlador biológico ainda são incertos, quer em razão de a sociedade e os expertos no assunto não terem sido consultados, em ambos os casos. Por outro lado, a erradicação dos cultivos ilícitos, seja através de herbicidas químicos, seja com o uso do fungo fusarium oxysporum erythroxylum ou seja por meio de microrganismos nativos da Amazônia, faz parte da mesma política de “guerra às drogas”, direcionada exclusivamente à oferta e que atribui a responsabilidade exclusiva pelo problema aos países produtores e de trânsito, isentando de qualquer participação os países onde se situam os maiores mercados consumidores, e, também, por isso não conta com o respaldo popular.

No documento A política criminal de drogas contemporânea (páginas 146-149)