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A urgência de novo rumo

No documento A política criminal de drogas contemporânea (páginas 162-168)

CAPÍTULO 3. A ERRADICAÇÃO DE CULTIVOS E AS ALTERNATIVAS PARA

3.3. A necessidade de mudança de direção e alternativas à criminalização

3.3.1. A urgência de novo rumo

O fracasso da política de drogas, no que se refere aos objetivos nela declarados, quer em nível local, quer em nível internacional, é facilmente percebido, e se deve às inúmeras contradições da mesma. Assim, na Colômbia, para cujo país estão direcionados os mísseis da política de drogas internacional do momento, não se consegue diminuir a produção e o tráfico de drogas ou a implementação de políticas de desenvolvimento alternativo, entre outras razões, pelo fato de atrelar o desenvolvimento à “guerra às drogas”. Nesse sentido é a lição de Ricardo Vargas Meza:

A existência, hoje, de um ente como o Conselho Nacional de Estupefacientes e sua secretaria técnica, através da Direção de Estupefacientes, mostram um perfil essencialmente de interdição e de força, ficando de lado entes como o Plante, que carecem de um cenário de pactuação de alto nível, que comprometa os esforços em outra direção.70

Na Colômbia, não se acabará com os conflitos armados, enquanto não se modificar radicalmente a política internacional de drogas, descriminalizando as

70 - VARGAS MEZA, Ricardo, op. cit., p 190: “La existencia hoy de un ente como el Consejo Nacional de Estupefacientes y su secretaria técnica a través de la Direción de Estupefacientes muestran un perfil principalmente interdictivo y de fuerza, quedando marginados entes como el Plante que carecen de un escenario de concertación de alto nivel que comprometa los esfuerzos en otra dirección”.

condutas a elas relacionadas, porque isso faria com que os preços das mesmas

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baixassem, ficando pouco atrativo produzir. Só assim se tornaria viável uma política de substituição de cultivos, pois o lucro obtido pelo produtor, por exemplo, com o cultivo de plantas destinadas a produzir óleos comestíveis, fibras industriais, frutas, celulose etc, seria o mesmo ou superior ao deixado pelos cultivos ilegais.

Para que se logre êxito na diminuição da produção e do tráfico de substâncias entorpecentes, necessário se faz abandonar a idéia de erradicação via repressão, porque esta é utópica, embora não seja proibido sonhar, e investir forte na conscientização, especialmente de criança e adolescentes, sobre os males que as drogas provocam no organismo de quem as consome, deixando o jovem livre para decidir sobre o que quer para si, pois só assim ele se sentirá valorizado e co-responsável pela sua história; é preciso por um basta neste abuso de responsabilizar criminalmente e, muitas vezes, colocar na cadeia o cidadão que é encontrado consumindo determinada droga. Primeiro, porque o reconhecimento das liberdades individuais deve contemplar a liberdade de a pessoa escolher o que quer consumir, o que deseja para a sua saúde, para a sua vida. Segundo, que muitos consumidores de drogas consomem-nas desconhecendo os verdadeiros efeitos das mesmas, e por essa falta de consciência a sociedade e o Estado que os incrimina são responsáveis, pois não lhe propiciou uma educação que lhe proporcionasse conhecer melhor o mundo que o cerca e a si mesmo. Terceiro, porque outros tantos consumidores buscam na droga uma fuga da cruel e humilhante realidade em que a sociedade e o Estados os jogou, sem emprego, sem o mínimo indispensável a uma vida digna e, o que é pior, sem perspectivas.

Por outro lado, é preciso que acabe com a hipocrisia das grandes nações, que culpam o terceiro mundo pelas suas mazelas, entre essas o problema das drogas, assim como se ponha um fim ao servilismo das nações periféricas em relação aos países centrais, aceitando tudo o que estes lhes impõem, não se dando sequer o direito de análise e discussão dos temas.

71 - Defensoría dei Pueblo, op. cit, p 140: “Al parecer de los expertos, la verdadera solución al conflito es la legalización de la droga. A su vez, es la solución menos probable. La media haría bajar los precios em los mercados interaacionales, desestimulando su produción”

Em suma, é hora de, em nível local, quem está no poder parar de pensar e determinar o que todos os demais devem fazer com a sua própria vida, e, em nível internacional, os países ditos desenvolvidos cessarem com suas imposições e discriminações às nações tidas como subdesenvolvidas, ditando o que estas devem fazer constar de suas legislações e como devem conduzir suas políticas econômicas, sociais e de segurança. Do contrário, continuaremos caminhando na direção de uma catástrofe mundial, para a qual concorrem, a rápida destruição dos ecossistemas do planeta, a exploração dos pobres pelos ricos, a guerra feita em nome da paz e até resignação dos explorados.

Hoje, apenas uma parcela pequena da população do planeta tem consciência da necessidade de uma mudança de direção das políticas internacionais e locais. A participação de milhares de pessoas, de todos os continentes, no I e II Fórum Social Mundial, realizados em Porto Alegre, no início de 2001 e de 2002, demonstram que parcela da população, cansada de mentiras e hipocrisias, está tomando para si a responsabilidade por um amanhã melhor para todos.

A América Latina tem uma população jovem que, em percentuais, suplanta em muito a população de mesma faixa etária norte-americana e européia, mas a maioria de nossos jovens têm pouca instrução, não têm esperança, e está fadada a servir como mulas de carga aos países ricos, como as gerações adultas sempre o foram, porque a conjuntura global está montada para isso. O pior de tudo é que, de maneira geral, não temos consciência dessa exploração, e os governos fazem questão que continuemos ignorando o que ocorre de fato à nossa volta.

É necessário investir mais em educação e na conscientização, porque só assim conseguiremos reagir e sair do marasmo em que nos encontramos, há séculos, e passaremos a lutar contra o escravismo e os escravistas externos e internos. As elites internas são, em realidade, testas-de-ferro dos países ricos; são instrumentos desses para alcançarem seus objetivos, e, então, sugam do povo tudo o que podem porque precisam atender à sua luxúria e à sede insaciável de poder e suprir as necessidades e exigências de seus parasitas externos.

A quem interessa uma população predominantemente analfabeta, não somente quanto às letras, mas principalmente de analfabetos sociais, que são alimentadas com

futebol e carnaval; que são mantidos alheios aos próprios problemas, quanto mais às necessidades dos seus semelhantes. Por isso o destaque e a importância que a mídia, em especial os canais de televisão, dá à transmissão do futebol, das corridas de automóveis, dos eventos carnavalescos. Essa ênfase tem um objetivo: manter a alienação social, fazendo da nossa juventude homens e mulheres expectadores passivos, através do entretenimento, pois deixá-los com tempo livre para pensar é perigoso, podem dar-se por conta da situação humilhante em que vivem e tornarem-se agentes de mudanças. E por isso, também, que o aparelho de televisão se tomou artigo de primeira necessidade, mesmo em lares onde seus integrantes não têm emprego ou qualquer forma digna de ganhar a vida e, conseqüentemente, alimento diário. É o circo substituindo o pão.

Não podemos assistir e aceitar a tudo isso passivamente. Não cruzemos os braços, sob pena de perpetuarmos a escravidão. Reajamos, não apenas por nós, mas, principalmente, pelas gerações que nos sucederão, para que elas sejam menos espoliadas e expropriadas do que as gerações passadas e a atual.

Acreditamos que uma mudança de rumo das políticas internacionais passa, necessariamente, por um política criminal mais coerente, e por isso entendemos que somente a descriminalização de todas as condutas ligadas às drogas produzirá a diminuição do consumo, porque, além de não acreditarmos na diminuição do consumo, descriminalizando apenas o consumo, não vemos como separar a conduta de adquirir para consumo próprio da conduta de vender ou distribuir; como legalizar a primeira e continuar considerando ilícita a segunda.

A cada vez que o consumidor procurasse o distribuidor estaria provocando um encontro entre o “bem” e o “mal”, e, ainda que o ato negociai tivesse a iniciativa do “bem” (consumidor), o punido deveria ser o “mal” (distribuidor), porque deste a lei exigiria recusa à venda. É um paradoxo ao qual os juristas (penalistas) não podem aderir, porque, pensamos que não contribuiria para a diminuição da demanda e levaria a um descrédito ainda maior do Direito Penal. Um Direito Penal mínimo, ao qual nos filiamos, precisa ser racional, mas este não conseguiria sobreviver com tamanha contradição.

Será que alguém poderia imaginar que os consumidores, diante de uma política criminal que proíbe a venda e autoriza a aquisição, iriam auto-abastecer-se, cada qual

produzindo a substância que irá consumir, para evitar a transação ilícita, que ele iria provocar a cada vez que procurasse o produtor ou o distribuidor? Mesmo se admitindo a possibilidade dessa hipótese, para produzir a droga para si próprio teria que plantar o cânhamo, a papoula, a coca etc, e, ainda que isso fosse possível fazer em todo o lugar e em qualquer região do planeta, demandaria a ação inicial ilícita de aquisição da semente dos arbustos que iriam servir, depois, de matéria-prima à preparação das substâncias. Por essas e outras razões já expostas, entendemos de nenhum efeito para a diminuição do consumo a descriminalização do uso, se continuarmos a criminalizar as demais condutas relacionadas às drogas.

Pelas aberrações que se tem cometido em nome do “combate” às drogas, que é utilizado como pretexto para atingir os mais diversos e repugnantes objetivos, e pela ineficiência da criminalização das drogas, quanto aos objetivos declarados de coibir a produção e o tráfico, inibir o consumo e reeducar, através da pena, àquele que de alguma forma se envolveu com entorpecentes, é que entendemos não existir outro remédio para a diminuição do consumo, se é isso que realmente queremos, a não ser descriminalizar todas as condutas relacionadas ás drogas, desde a produção até o consumo. Porque somente a descriminalização levará à diminuição do lucro, motor propulsor, que faz com que a substância entorpecente atravesse fronteiras, cruze mares e chegue aos consumidores situados nos pontos mais distantes do locais de produção.

Como já dissemos, a descriminalização de todas as condutas ligadas às drogas, hoje, consideradas ilícitas, que defendemos, não é a defesa da desregulamentação por completo das drogas, mas que a regulamentação de controle seja feita de maneira equânime com o tratamento dado, hoje, às drogas consideradas lícitas, como o álcool e o tabaco, por outras esferas do direito e não pelo Direito Penal, que permita que se troque a intimidação pela conscientização, a pena pela orientação e tratamento e a discriminação do consumidor por sua inclusão na sociedade, respeitando seu direito de ser diferente, pois, como se tem visto, a atual política não logrou alcançar seus objetivos, pelo menos não aqueles declarados para legitimar a criminalização.

Afirmamos que a maneira como se está fazendo o combate às drogas tanto na esfera local como em âmbito internacional é equivocada, porque feito exclusivamente pelo viés repressivo, sem se buscar entender o consumidor, embora sabendo-se que o

consumo é a determinante da produção e do tráfico, e sem viabilizar alternativas à produção e ao desenvolvimento, que possibilitem troçar culturas ilícitas por cultivos legais, através dos quais os pequenos agricultores possam ganhar a vida.

Entendemos que o aumento de efetivos policiais, o engajamento das forças armadas, a intervenção militar americana na Colômbia e em outros centros produtores de drogas, com a implantação de bases aéreas e a utilização de equipamentos sofisticados, tais como radares, aviões, helicópteros, armamentos pesados, o uso de produtos químicos desfolhantes etc, não erradicará ou mesmo diminuirá a produção, o tráfico e o consumo de drogas, e, se o fará diminuir, será por período curto, apenas o tempo necessário para a remontagem do sistema de produção/industrialização em outro lugar, pois o combate efetivo às drogas não passa por esse caminho.

É preciso que se invista na diminuição da demanda e que se redirecione os investimentos^. aplicandoros,.. como. já _ se. .disse, ..na _ conscientização, e _. saúde ..das populações e no incentivo à substituição de culturas de plantas que servem de matéria- prima às drogas por culturas que possam servir de alimentos para os povos.

Necessário se faz compreender que o problema tem outras dimensões e perceber que, quanto mais se reprime, mais aumenta o consumo e o tráfico, e diante dessas constatações, admitir que a repressão nunca foi, não é e jamais será o remédio indicado para esse “mal”, e que foi e continua sendo um equívoco receitá-la como antídoto infalível ao “veneno” das drogas.

O entendimento de que a criminalização aumenta a criminalidade é antigo, embora se tenha criado um consenso e, em regra geral, as pessoas pensem que o crime diminui com leis penais mais severas e a criminalização de um número maior de condutas.

Amold Toynbee, citando Tao Tê Ching, já dizia:

Quantas mais “armas aguçadas” houver, mais incivilizada crescerá a terra inteira.

Quanto mais artífices engenhosos houver, mais instrumentos perniciosos serão inventados.

Quanto mais leis forem promulgadas, mais ladrões e bandidos haverá.72

Alessandro Baratta, falando do custo social da criminalização das drogas diz: Se deve refletir nesta perspectiva, sobre a criminalização do uso do álcool em tempos passados e sobre o que hoje constitui a proibição de estupefacientes. Sabemos, pois, que este é o fator principal do qual depende a estrutura artificial do mercado de droga e que esta, por sua vez, determina, a produção e circulação delas, formas ilegais de acumulação e uma criminalidade organizada de extrema relevância; por outra parte, como se sabe, o proibicionismo toma mais grave e perigoso o uso das drogas para os consumidores”.73

De acordo com Argemiro Procópio, é preciso que o combate às drogas seja feito através de ações preventivas, em educação e saúde e não apenas através de armas:

O receituário sociológico aconselha entender segurança dentro de uma visão sistêmica, isto é, lutar contra as drogas significa educação, conscientização pelo valor da vida, saúde e dignidade humana, entre outros. Sem isso, qualquer política contra a violência se esfarela.74

3.3.2 - A experimentação de políticas de drogas mais flexíveis e a alternativa

No documento A política criminal de drogas contemporânea (páginas 162-168)