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DAS SESSÕES: SE A TEORIA NÃO DÁ CONTA DE DETERMINADA

Como já mencionado, a tese é dividida em quatro partes que buscam dar conta das quatro dimensões da experiência de quase-morte, que são respectivamente: (1) a descrição fenomenológica; (2) os aspectos etiológicos; (3) atitudes e conhecimentos em relação à experiência de quase-morte; e, (4) os aspectos pragmáticos.47 Mais esta introdução e as

considerações finais.

46 Compreendo teoria aqui, basicamente como foi colocado por Evans-Pritchard - mas não apenas ele -, nos seguintes termos: “o ponto fulcral que convém não esquecer é que o antropólogo trabalha dentro de um corpo de conhecimentos teóricos e faz as suas observações para solucionar os problemas que dele derivam. Esta instância nos problemas é uma característica de qualquer tipo de estudo. [...] nós aconselhamos os nossos estudantes de Antropologia a estudar problemas e não povos.” (EVANS-PRITCHARD, 1978, p.142).

47 Como Bateson (2008), que “não considerava o ritual, a estrutura, o funcionamento pragmático e o ethos entidades independentes, mas aspectos fundamentalmente inseparáveis da cultura” (p.70), penso, concomitantemente, que a descrição fenomenológica, os aspectos etiológicos, os conhecimentos em relação à quase-morte e os aspectos pragmáticos são igualmente inseparáveis.

A decisão de analisar a experiência de quase-morte a partir de quatro dimensões, deu- se por entender que essa organização aumenta as chances de abranger com mais propriedade o funcionamento do fenômeno, seu mecanismo e desdobramentos com base nas narrativas dos informantes, tendo por objetivo compreender como um fenômeno biológico (a morte) é significado, simbolizado e narrado como uma experiência cultural. E, mais ainda, como a experiência da quase-morte pode demonstrar a cultura agindo na natureza.

De modo geral, primeiro apresento a narrativa da experiência de quase-morte de cada informante; em seguida, descrevo e analiso alguns aspectos referentes ao contexto sociocultural deles, indicando como a experiência de quase-morte pode ser relacionada com diversos aspectos da cultura. Nesse ponto específico, a organização do pensamento metodológico de Bateson (2008) aparece nesta abordagem de modo despretensioso, mais como inspiração e menos como uso efetivo de minha parte, guiando-me, especialmente, no que se refere à seguinte assertiva:

Entretanto, como é impossível apresentar a totalidade de uma cultura ao mesmo tempo, de um só golpe, devo começar por algum ponto arbitrariamente escolhido da análise; e, como as palavras precisam necessariamente ser dispostas em linhas, devo apresentar a cultura, que, como todas as outras culturas, é na verdade uma rede complicada de causa e efeito entrelaçados, não com uma rede de palavras, mas com palavras dispostas em séries lineares. A ordem que uma descrição desse tipo segue é necessariamente arbitrária e artificial, e por isso escolherei uma organização que proporcione a meus métodos de abordagem o mais acentuado destaque. (BATESON, 2008, p. 71).

Assim, na seção II, A descrição fenomenológica, apresento os informantes, seus contextos socioculturais e os contextos em que se deram suas experiências de quase-morte, questionando quais foram as suas percepções e descrições da experiência48.

Na seção III, Os aspectos etiológicos, analiso como a medicina, a partir da fala dos informantes da área da saúde, observa e compreende a experiência de quase-morte, quais as principais hipóteses já descritas até o momento, e o que precisa ser feito para alargar o universo da discussão sobre o tema. E, ainda, comparo essas falas com a compreensão dos informantes que experienciaram a quase-morte, apresentando quais as rupturas e continuidades entre as perspectivas.

Na seção IV, Os conhecimentos em relação à experiência de quase-morte, destaco os elementos nos quais a antropologia pode se valer para compreender a experiência de quase-

48 Sobre as transcrições: a fim de manter a leitura das transcrições das falas dos informantes a mais agradável possível, com a fluidez que um texto exige, retirei as onomatopeias, cacofonias, truncamentos e expressões sonoras que remetiam de alguma forma a espaços de pensamento durante à fala.

morte, e enfatizo quais os aspectos culturais da experiência podem ser considerados importantes para à sua compreensão. Igualmente, realizo um diálogo da EQM com outro fenômeno estudado na antropologia, a proibição do incesto, com a sociobiologia e com alguns conceitos da literatura socioantropológica, a fim de construir uma crítica antropológica sobre o tema pesquisado. E, por último, suscito possibilidades interpretativas para a compreensão da produção de cultura e da lógica simbólica.

Na seção V, Os aspectos pragmáticos – Parte I, descrevo a estrutura narrativa que os informantes utilizam para verbalizarem suas experiências, destacando quais os processos são acionados para a constituição de seus os arcabouços culturais decorrente da quase-morte. Igualmente, comparo as estruturas narrativas de meus informantes com as de experiências de conversão, a fim de identificar possíveis aproximações e distanciamentos.

Na seção VI, Os aspectos pragmáticos – Parte II, apresento e analiso as dimensões que mudaram na vida cotidiana dos informantes, enfatizando suas impressões e atitudes após a experiência, e como a quase-morte influenciou nas relações estabelecidas com a família nuclear. Também descrevo como os informantes compreendem a ideia de morte, de vida e da morte sem medo.

E na seção VII, Os aspectos pragmáticos – Parte III, discuto a noção de pessoa constituída pelos informantes, destaco as categorias de entendimento, bem como a cosmologia por eles estabelecida.

Após as seções, apresento as considerações finais, onde rascunho uma breve síntese, apresento algumas respostas para determinadas perguntas feitas nesta introdução, e destaco determinados pontos que julgo relevantes e que foram desenvolvidos nas demais seções da tese.

2 A DESCRIÇÃO FENOMENOLÓGICA: COMO PERSPECTIVAS INDIVIDUAIS