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6 TELETRABALHO E PANDEMIA DA COVID-19

6.1 Das vantagens e desvantagens do teletrabalho

Com maior intensidade de utilização do teletrabalho no período pandêmico, como visto anteriormente, em formato de Cartilha, o Tribunal Superior do Trabalho traçou o que considerava representarem Vantagens e Desvantagens na modalidade de Teletrabalho:

Sendo, portanto, as vantagens:

Adaptação: usualmente realizado de casa, o teletrabalho também se adapta a outros lugares, como cafés e ambientes de coworking. Bastam um equipamento tecnológico – geralmente um computador – e acesso à internet;

Tempo: como na maioria das vezes não é necessário se deslocar para o local de trabalho, é possível economizar tempo com deslocamento e diminuir gastos de locomoção;

Flexibilidade: quando o teletrabalho é monitorado por metas ou por produção, há uma maior flexibilidade nos horários, cabendo ao trabalhador definir sua rotina;

Conforto: poder escolher o ambiente em que vai trabalhar também significa optar por uma acomodação personalizada, mais confortável e até por usar roupas mais leves;

Mais oportunidades: por eliminar barreiras físicas, o teletrabalho permite às empresas contratar profissionais qualificados que residam fora da localidade da empresa, ou seja, para prestar o serviço morando em outro estado ou até em outro país;

Produtividade: o aumento na produtividade dos teletrabalhadores é muitas vezes associado à maior concentração propiciada pela eliminação de distrações e do estresse do trânsito, e pela simples flexibilização do horário de trabalho. (TST, 2020, p. 11)

E, em contrapartida, as desvantagens:

Ergonomia: ambientes profissionais devem propiciar postos de trabalho com móveis e equipamentos que preservem a saúde. A mesa e a cadeira devem estar em alturas adequadas, e o computador a uma distância confortável da vista, por exemplo. Em casa, o uso improvisado de móveis e dispositivos tecnológicos pode causar danos ao teletrabalhador;

Gastos: ficar mais tempo em casa também significa gastar mais energia elétrica, mais água, e utilizar (e desgastar) equipamentos pessoais quando for o caso;

Interrupções: com o trabalho sendo prestado em ambiente familiar, pode haver interrupções feitas pelos outros moradores da casa, o que muitas vezes dificulta a concentração;

Socialização: no teletrabalho, o convívio diário com colegas de trabalho deixa de existir. Se o contato presencial for muito esporádico, o trabalho a distância pode trazer a sensação de isolamento e de nãopertencimento;

Sobrecarga: se as regras do teletrabalho não forem bem definidas e o trabalhador for acionado a todo momento, os intervalos para descanso são afetados e pode haver sobrecarga de atividades. (TST, 2020, p. 12)

Ricardo Antunes, acerca das transições, afirma que o teletrabalho:

[...] pode trazer vantagens, como economia de tempo em deslocamentos, permitindo uma melhor divisão entre trabalho produtivo e reprodutivo, dentre outros pontos positivos. Mas com frequência é, também, uma porta de entrada para a eliminação dos direitos do trabalho e da seguridade social paga pelas empresas, além de permitir a intensificação da dupla jornada de trabalho, tanto o produtivo quanto o reprodutivo (sobretudo no caso das mulheres). Outra consequência negativa é a de incentivar o trabalho isolado, sem sociabilidade, desprovido do convívio social e coletivo e sem representação sindical. (ANTUNES, 2018, p. 37)

Deste modo, As mudanças trazidas pelo teletrabalho, que é “[...] resultado da evolução natural que supõe aplicar novas tecnologias a certas atividades, e que incide, em geral, na maneira de organizar o trabalho” (GALLARDO MOYA, 1998, p. 51), traz consequências

para o trabalhador, para o empregador e, assim, para a sociedade como um todo (FARIA, 2021).

Trazendo a teoria para o caso concreto, não são poucos os desdobramentos das desvantagens supramencionadas e suas repercussões não só laborais, quanto políticas, sanitárias, econômicas e sociais. No que tange, primeiramente, à ergonomia, este conjunto de regras e procedimentos que visam os cuidados com a saúde do profissional, dentro e fora do seu ambiente de trabalho, esta ciência é regulamentada pela Norma Regulamentadora 17 e pode ser dividida em três áreas: ergonomia física, cognitiva e organizacional (BEECORP, 2021).

Do ponto de vista da Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO):

A Ergonomia objetiva modificar os sistemas de trabalho para adequar as atividades nele existentes às características, habilidades e limitações das pessoas com vistas ao seu desempenho eficiente, confortável e seguro.

(ABERGO, 2000)

A ergonomia, considerada um risco ocupacional, deve assegurar, por meio de uma abordagem sistêmica e interdisciplinar, as melhores condições de produtividade, qualidade, segurança e da preservação da saúde e do bem-estar do indivíduo. Para isso, a ergonomia precisa levar em consideração não apenas as evoluções constantes que ocorrem no mundo do trabalho, mas também as alterações no perfil sociodemográfico e epidemiológico dos trabalhadores e suas consequências (HYEDA; COSTA, 2017).

No que tange ao aumento de gastos e despesas com o teletrabalho, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região entende que as despesas para o desempenho da modalidade laboral devem ser suportadas pelo empregador, visto ser de responsabilidade exclusiva da empresa os prejuízos do empreendimento:

DESPESAS COM TELETRABALHO. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa ré, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Em regra, nos termos do art. 2º da CLT, os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, uma vez que é de responsabilidade exclusiva da empresa os prejuízos do empreendimento, consoante preceitua o princípio da alteridade. Todavia, há permissivo no art. 75-D da CLT para que as partes pactuem livremente, em contrato individual escrito, a responsabilidade pelas despesas com aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto. (TRT Região.

10005555620215020204 SP. Relatora: Maria de Fatima da Silva. 17ª Turma;

Publicação: 10/12/2021).

De acordo com o narrado, esta tese é fixada quando do julgamento de lides, como por exemplo:

EMENTA: TRABALHO REMOTO. REEMBOLSO PELA UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PRÓPRIOS. A previsão contida no art. 75-D da CLT e no art. 4º, § 3º da Medida Provisória nº 927/2020 não altera a responsabilidade do empregador por todas as despesas decorrentes da prestação de serviços em regime de teletrabalho/trabalho remoto e, muito menos, transfere os custos da produção ao empregado, à luz do que dispõe o art. 2º da CLT. Portanto, é procedente o pedido de reembolso do empregado que utilizou recursos próprios para exercer as atividades laborais por meio de trabalho remoto. (TRT 18ª Região. RORSUM: 00102746220215180001 GO 0010274-62.2021.5.18.0001. Relator: Platon Teixeira de Azevedo Filho. 2ª Turma. Julgamento: 24/06/2022).

No tocante às referidas interrupções, contidas no Documento do TST (2020), no mês de agosto do presente ano, por exemplo, publicou-se a notícia de uma atitude completamente contrária às noções de empatia básicas, tomada pelo desembargador Elci Simões, da 2ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas, que repreendeu uma advogada inscrita nos quadros da OAB da Seccional de Santa Catarina, devido ao choro de seu filho durante julgamento realizada por videoconferência (JURISTAS, 2022). Não só amostra das referidas e pontuais interrupções e ausência de tato por parte do Desembargador, o caso provocou comoção nacional ao ser comparado com a notícia, há poucos dias antes de diferença, de um advogado, também pai, que levou seu filho de um ano para o plenário da Corte, contraindo a atenção do Ministro Mauro Campbell que, por sua vez, comovido, deu prioridade à sua demanda e antecipou o julgamento do feito (CORREIO BRAZILIENSE, 2022).

Segundo a notícia, que se apresenta com provas robustas do ocorrido, ou seja, a própria gravação, o magistrado, sem escrúpulos, chegou a equiparar o choro da criança ao latido de um cachorro, e interferências e barulhos que atrapalham e tiram a concentração. “É uma sessão do Tribunal, não pode ter cachorro latindo e criança chorando. Então, se tiver alguma criança, coloque em um lugar adequado para não atrapalhar a realização das nossas sessões”, disse o desembargador, que chegou a questionar a ética da advogada. (CORREIO BRAZILIENSE, 2022)

A OAB da Seccional de Santa Catarina emitiu nota em repúdio à atitude do desembargador e em solidariedade à advogada; reforçou a imprescindibilidade de se respeitar os direitos e necessidades das mulheres advogadas, também relembrando a Lei Julia Matos (Lei nº 13.363/2016), que assegura uma série de garantias às mulheres advogadas, sobretudo

as gestantes, lactantes, adotantes ou que estão prestes a dar à luz, que são imprescindíveis para a dignidade da advocacia feminina, “[...] que representa cerca de 50% da classe e, portanto, deve ter seus direitos e suas necessidades respeitadas.” (CORREIO BRAZILIENSE, 2022)

A situação constrangedora no exercício da advocacia, tanto como mãe, quanto mulher e advogada, lança luzes à Recomendação nº 94/2021, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça a pedido da OAB da Seccional de Santa Catarina, e de sua transformação em Resolução, de modo a manter e aprimorar as gravações das audiências judiciais e sessões de julgamento no país, contribuindo, assim, para o combate ao desrespeito às prerrogativas da profissão (CORREIO BRAZILIENSE, 2022).

Se episódios assim são comuns mesmo frente às câmeras, é natural que apareçam indagações e polêmicas sobre a própria forma de fiscalização do teletrabalho. O caso refere-se ao “mundo jurídico”, no qual se pressupõe que os integrantes ajam, no mínimo, com moral, ética e bons costumes, preservando a seriedade da profissão e da pauta que está sendo discutida, tanto é que fora gravada a audiência, para registro e posterior verificação nos autos do processo. Se frente às câmeras há condutas tais, não só é possível que se repitam de forma não pública no dia a dia das demais profissões e suas relações entre empregado e empregador, como realmente acontece, fato este comprovado por inúmeras jurisprudências.

Quanto às duas últimas desvantagens, socialização e sobrecarga, existem estudos de 2021 que relacionam os problemas de saúde físicos (muitos deles derivados de problemas com a ergonomia do ambiente laboral) e mentais com o home office, mas que também podem aplicar-se no contexto do teletrabalho. Uma pesquisa realizada pela plataforma de empregos LinkedIn mostrou que 62% dos profissionais estão mais ansiosos e estressados; em estudo da mesma plataforma, mais especificamente da plataforma de saúde emocional, verifica-se o aumento de 151% em atendimentos psicológicos (CNN, 2021). O choque entre o que era esperado tornar-se realmente algo vantajoso com a adoção do trabalho à distância, como, por exemplo, o tempo, o conforto e a flexibilidade, dispostos na Cartilha, com a prática, é assustador.

Em um compilado organizado pela rede de notícias CNN (2021), estudos mostram que a adoção do trabalho remoto, durante a pandemia de COVID-19, trouxe um aumento de problemas físicos e emocionais entre os brasileiros (CNN, 2021). Na teoria, o home office geraria mais horas de sono, pouco deslocamento e uma oportunidade de passar mais tempo com a família. Na prática, o empregado sofreu com a menor sociabilização, mudança de rotina e a sobrecarga de trabalho (CNN, 2021). O estudo ainda traz que 72% dos jovens

profissionais sentem que a pandemia prejudicou o aprendizado de habilidades comportamentais, como a comunicação e a inteligência emocional (CNN, 2021).

Em números absolutos, foram mais de 50 mil consultas nos primeiros seis meses de 2021. Nessas sessões, as menções aos problemas de saúde mental tiveram alta de 1.745% nas sessões de terapia online (CNN, 2021):

“Seis em cada dez brasileiros sentem uma sobrecarga de trabalho. Isso mostra que a gente está lidando com mais pressão e tem uma sensação de cansaço ou exaustão maior. A mudança de rotina, ambiente, dinâmica de trabalho, diminuição de socialização e dificuldade em impor limites são fatores agravantes”, disse à CNN o CEO e cofundador da Zenklub Rui Brandão. (CNN, 2021)

A maior demanda por tratamento de transtornos psíquicos também foi registrada por uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que contou com profissionais de 23 estados brasileiros e o Distrito Federal (CNN, 2021).

Segundo o levantamento, 82,9% dos psiquiatras perceberam o agravamento dos problemas de saúde mental em pacientes que já se tratavam de algum distúrbio, como depressão e ansiedade. Em 69,3% dos estados, os profissionais atenderam pacientes que já haviam recebido alta (CNN, 2021).

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciam que os transtornos mais comuns no Brasil são a ansiedade e a depressão, que afligem 20 milhões e 12 milhões de pessoas, respectivamente. Além disso, o país é considerado a nação mais ansiosa do mundo e a quinta mais depressiva (CNN, 2021).

Além dos problemas de saúde mental, os brasileiros sofreram mais complicações físicas durante o trabalho remoto. É o que diz, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Coluna (SBC). Para o membro da SBC, Dr. Haroldo Chagas, o número de cirurgias de coluna ‘nunca foi tão alto’. (CNN, 2021)

Os dados supramencionados podem gerar a reflexão de que as desvantagens superam as vantagens. Existe, ainda, aqueles que preferem e pretendem continuar no regime de trabalho à distância ou de forma híbrida; para evitar deslocamentos, ter flexibilidade em casa e interagir presencialmente com os colegas estão entre os motivos que fazem 42% dos trabalhadores preferirem o modelo híbrido de trabalho (CNN,2021).

Contudo, mesmo com o futuro incerto, os dados falam por si quando da saúde do teletrabalhador durante e após o período pandêmico. Observa-se, assim, que a pandemia amplificou a precarização do trabalho e abriu espaço para novos estressores.

Ao discutir “saúde mental e qualidade de vida no trabalho”, destacam grupos profissionais que vivenciam torções deflagradas pela pandemia, como os professores, forçados a se moverem da atividade presencial clássica à educação a distância. (FIOCRUZ, 2021). Enfrentar as crises que transcendem a dimensão sanitária e repercutem na dimensão do trabalho envolve considerar as experiências individuais, mas também a dinâmica do coletivo em relação a estas vivências (FIOCRUZ, 2021). Assim, são lembrados os “médicos”,

“professores”, “coveiros” e “policiais”, mas, indubitavelmente, os trabalhadores de estabelecimentos farmacêuticos e alimentícios (supermercados e padarias) que, considerados serviços essenciais, vivenciam crises das mais diversas ordens. O registro de casos de COVID-19 tem sido maior entre os trabalhadores do comércio, empregadas domésticas e trabalhadores da indústria, como motoristas de caminhões de transporte de carga e pedreiros (BROOKS; WEBSTER; SMITH; WOODLAND; GREENBERG; RUBIN, 2020).

Aliado à larga adesão ao isolamento por parte dos inquiridos, o medo de se infectar e de sofrer prejuízos a saúde e financeiros ainda maiores são os principais motivos dos participantes de estudos anteriores, inseridos em situações de surtos epidêmicos que exigiram quarentena, relatarem temores sobre sua própria saúde e medo de infectar outras pessoas, em especial os membros da família (BROOKS; WEBSTER; SMITH; WOODLAND;

GREENBERG; RUBIN, 2020). Esse medo era maior entre os que praticavam a quarentena do que aqueles que não estavam em quarentena (BEZERRA; SILVA; SOARES; SILVA, 2020).

Mesmo com tanta informação sobre a importância do isolamento no controle da pandemia, um percentual de 7,88% ainda duvidava dessa estratégia (BEZERRA; SILVA;

SOARES; SILVA, 2020). Estas incertezas foram fomentadas por fartas informações falsas, que contradiziam e questionavam a estratégia de isolamento social, vindas, principalmente, do cargo mais poderoso do Executivo: o de Presidente da República.

“Governo lança campanha ‘Brasil Não Pode Parar’ contra medidas de isolamento”, era a manchete da matéria publicada em 27 de março de 2020, pela CNN Brasil. (CNN, 2020)

Indo contra todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde, a referida campanha, divulgada no perfil oficial do Governo Federal no Instagram, defendia que a quarentena deveria se restringir apenas aos idosos. Detalhe: contratada sem licitação ao custo de R$ 4,8 milhões (EXAME, 2020), as peças reproduziam a ideia repetida pelo presidente Jair Bolsonaro de que as medidas de isolamento social para combate ao coronavírus não poderiam se sobrepor às necessidades econômicas de circulação. (EXAME, 2020)

Na contramão de quase todos os principais líderes mundiais, das recomendações da Organização Mundial de Saúde e de epidemiologistas, a mortífera campanha, como previsto

por especialistas e também por pessoas portadoras de bom senso, atingiu números de exponenciais de óbitos por todo o território brasileiro. Enquanto lidava-se com as profundas alterações a níveis pessoais, profissionais/laborais, econômicos, o Chefe do Executivo discursava: “Infelizmente algumas mortes terão. Paciência” (ESTADÃO, 2020). São, até o presente momento (20 de setembro de 2022), 685 mil óbitos decorrentes da COVID-19 no Brasil (GITHUB, 2022). Mesmo com o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro pedindo que a Justiça suspendesse a campanha, requerendo que o governo também divulgasse uma nota dizendo que esta não possuía sequer embaso científico (MIGALHAS, 2020), pesquisas apontam que 400 mil mortes poderiam ser evitadas (SENADO FEDERAL, 2021).

Salienta-se que esta estatística é condizente com dados de um ano e três meses de pandemia e, caso fosse refeita nos tempos atuais, seguindo parâmetros semelhantes, os números seriam superiores:

Quantas das mais de 500 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil? De acordo com Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, quatro em cada cinco mortes pela doença no país eram evitáveis caso o governo federal tivesse adotado outra postura - apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas. Ou seja, de acordo com suas estimativas, pelo menos 400 mil pessoas não teriam morrido pela pandemia. Ele fez a afirmação nesta quinta-feira (24) durante audiência na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, da qual também participou Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta.

- Quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Se nós estivéssemos na média, como um aluno que tira nota média na prova, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil - disse Pedro Hallal.

(SENADO, 2020)

De acordo com as estimativas da OIT (2021), antes da crise da COVID-19 havia cerca de 260 milhões de pessoas que trabalhavam em domicílio todo o mundo, ou 7,9% do emprego global; 56% dessas pessoas (147 milhões) eram mulheres. Entre esses trabalhadores estão pessoas que trabalham a distância de forma contínua, bem como um considerável número de pessoas que realizam trabalhos não automatizados no setor da produção, por exemplo, bordados, artesanato ou montagem eletrônica. Cabe destacar uma terceira categoria de trabalhadores, a das pessoas que realizam seu trabalho por meio de plataformas digitais no setor de prestação de serviços, por exemplo, processando sinistros de seguros, editando textos ou cadastrando dados para fins de treinamento de sistemas de inteligência artificial. (OIT, 2021)

Doutrinariamente, há, evidentemente, divergências. Robortella (1994) e Tribault Aranda (2001) convergem na reflexão de que há um abismo entre a teoria e a prática do dia a dia do teletrabalho. Segundo o primeiro autor, o teletrabalhador, hodiernamente, quando analisado de maneira rápida (FARIA, 2021), pode transparecer a falsa imagem do “dono de seu tempo”, com autonomia absoluta, sem ao menos a subordinação jurídica inerente ao vínculo de emprego. Essa aparência possui respaldo na visão neoliberal de rigidez dos escritórios, em que a rigidez militar se torna obsoleta e é preciso dar liberdade ao empregado (ROBORTELLA, 1994). Seguidamente, Tribault Aranda (2001) dispõe que a imagem do teletrabalhador livre de fiscalização, controlando seu tempo e sua tecnologia não reflete a realidade, uma vez que o computador não retira o poder diretivo sobre a atividade do trabalhador, mas sim o intensifica, já que está conectado a uma rede.

No entanto, Álvaro de Mello (1999), Joselma Goulart (2009) e Gallardo Moya (1998) parecem compactuar mais com as vantagens advindas da adesão do teletrabalho, do que com as desvantagens. À medida que Mello (1999) entende a redução de custos com logística e transporte, bem como maior tempo livre para realizar outras atividades, como uma maneira de dar ao trabalhador melhoria em sua qualidade de vida, Goulart e Moya enxergam liberdade para o teletrabalhador. Moya (1998) faz referência à eliminação da rigidez de horários, o aumento do tempo para o ócio, para o descanso e para o lazer e, Goulart (2009) complementa tal visão quando elenca as premiações que o empregado possui quando realiza a atividade do teletrabalho, como a maior convivência com a família, a redução de custos e riscos com seu deslocamento até o local de trabalho, a otimização do tempo e a melhoria da qualidade de vida, com a consequente redução de estresse.

Portanto, é nítido que as opiniões doutrinárias acerca das respectivas vantagens advindas do regime laboral tratado estão desatualizadas e, com isso, não fazem jus aos exaustivos dados obtidos em diversos estudos e pesquisas supramencionados, que mostraram uma realidade completamente díspar, comprovando que o ônus suportado pelo teletrabalhador não é superado pelas vantagens.

No entanto, para Martinez (2019), o teletrabalho traz consigo alguns problemas relevantes:

Por conta da natureza das vias que conectam o teletrabalhador ao cliente do empregador, este pode deslocar sua unidade de prestação dos serviços para um local onde as leis trabalhistas sejam menos exigentes ou para um ponto do território global onde o custo da hora de trabalho seja infinitamente mais barato. Algumas empresas europeias, por exemplo, visando à diminuição de custos, preferem instalar seus call-centers na Índia, na Argélia ou em Marrocos, para que ali, em inglês, francês ou em espanhol, seus clientes

sejam atendidos sem que se deem conta de que estão falando com empregados lotados em outro país. Ocorre aquilo que o professor espanhol Sanguineti Raymond chama de “importación virtual” del trabajo al precio del Estado menos protector (SANGUINETI, 2003), estimulando o fenômeno do dumping social. Afora isso, o teletrabalho, como qualquer modalidade de serviço em domicílio, é um fenômeno de isolamento do obreiro. Por não encontrar outros trabalhadores submetidos às mesmas condições laborais, ele tende a evitar o associativismo. Por consequência, há um natural enfraquecimento da luta de classes e da atuação sindical (MARTINEZ, 2019, p. 409)

A importação virtual do trabalho ao preço do Estado menos protetor, estimulando o fenômeno do dumping social, como explica Martinez (2019), representa uma grave distorção dos direitos trabalhistas e da própria exploração da mão de obra. O fenômeno de isolamento obreiro ressaltado consistente em isolar o trabalhador de seus direitos e até mesmo de sua cidade/país natal para residir em uma localidade com direitos trabalhistas menos rígidos quanto ao bem-estar social do empregado, além de beneficiar o empregador de modo a aumentar seus lucros, enfraquece a luta de classes e a atuação sindical, instrumentos intrinsicamente necessários sob a égide de uma democracia pautada no bem estar social.

6.1.2 Teletrabalho na prática, segundo o Tribunal Superior do Trabalho

Conforme demonstrado no presente estudo o quão diferente a prática do teletrabalho se distingue da teoria, salientam-se, agora, as disposições feitas pelo Tribunal Superior do Trabalho, em sua Cartilha Informativa (TST, 2020), sobre como a lei entende os principais assuntos desta modalidade laboral:

Quadro 1 – Entendimento constante da Cartilha Informativa do TST acerca do teletrabalho.

MATÉRIA ENTENDIMENTO CONSTANTE DA CARTILHA INFORMATIVA DO TST

Contrato de trabalho

Para a iniciativa privada, a modalidade de teletrabalho deve constar expressamente no contrato individual de trabalho, que deve trazer também as atividades que serão realizadas pelo empregado. Assim, o empregado em trabalho presencial pode alterar seu regime para o teletrabalho desde que haja acordo mútuo com o empregador e que seja registrado aditivo contratual. O contrário também é possível, de modo que o empregador poderá requerer o trabalho presencial, garantido o prazo mínimo de transição de 15 dias. (TST, 2020, p. 19)

Equipamentos

Pela lei, o contrato de trabalho deve prever de quem será a responsabilidade de prover os equipamentos necessários ao teletrabalho. A única disposição específica é que, se provido pelo empregador, esses equipamentos cedidos não podem ser considerados como remuneração do empregado. (TST, 2020, p. 19)

Jornada de trabalho

O teletrabalho foi incluído na exceção do regime de jornada de trabalho do art. 62 da CLT, o qual lista os casos em que o empregado não fica sujeito ao limite de jornada e ao controle de horários estabelecido. (TST, 2020, p. 20)

Horas extras

Devido à dificuldade de controle, não há direito ao pagamento de horas extras e de adicional noturno no regime de teletrabalho. Entretanto, se houver meio de controle patronal da jornada, é possível que seja reconhecido o direito aos respectivos adicionais. (TST, 2020, p. 20)

Atividades presenciais

Ainda que haja necessidade de comparecer presencialmente às dependências da empresa em algumas circunstâncias, o regime de teletrabalho continua válido.

Segundo a CLT, “o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”. (TST, 2020, p. 21)

Saúde do trabalhador

É de responsabilidade de o empregador instruir os empregados quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho no regime de teletrabalho. Por sua vez, o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador. (TST, 2020, p. 21)

Verbas trabalhistas

Embora o trabalho seja realizado remotamente, não há grandes diferenças quanto à proteção ao trabalhador. Os direitos são, em geral, os mesmos de um trabalhador normal. Ou seja, é assegurado o direito a carteira assinada, férias, 13º salário, depósitos de FGTS, entre outros. (TST, 2020, p. 22)

Auxílio-alimentação

A CLT não estabelece distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e aquele realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Como não há disposição específica sobre o auxílio-alimentação e auxílio-refeição no trabalho remoto, os critérios para o pagamento do benefício podem ser definidos em acordo ou convenção coletiva ou no contrato profissional. (TST, 2020, p. 22)

Vale-transporte

O vale-transporte pode ser suspenso caso o empregado passe a realizar o trabalho de casa, uma vez que o benefício tem natureza indenizatória e visa custear o deslocamento entre o trabalho e a residência do empregado (Lei 7.418/1985)

Fonte: elaborado pela autora.

O Quadro 1, formalizado a partir do entendimento constante da Cartilha Informativa do TST, contempla as principais informações acerca das diversas e indispensáveis matérias que orbitam a modalidade do teletrabalho: contrato de trabalho, equipamentos, jornada de trabalho, horas extras, atividades presenciais, saúde do trabalhador, verbas trabalhistas, auxílio-alimentação e, por fim, o vale-transporte. Tais informações possuem o objetivo não só de simplificar como também de lançar luzes aos questionamentos do trabalhador em regime de teletrabalho, alertando quais temas já estão fundamentados em lei própria e os que, apesar de não possuírem menção alguma na legislação específica, como no caso do auxílio- alimentação, são tratados segundo acordo, convenção coletiva ou contrato profissional.

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