• Nenhum resultado encontrado

DE APREENSÃO DOS MESMOS

No documento RevistaSaúdeemDebatev27n65setdez2003 (páginas 177-179)

vivem e têm poder e autonomia na condução de suas políticas locais (sejam elas econômicas ou não).

Os municípios são os espaços naturais onde se produzem trocas entre homens e mulheres. Onde são mais dinâmicas as relações cultu- rais, econômicas ou sociais, o que significa que a maior presença local na vida cotidiana não pode ser uni- forme, mas sim assimétrica e imagi- nativa. Este raciocínio é semelhante à noção conferida à comunidade, que pressupõe também um caráter de identidade, cultural e histórica.

É com base na sua implantação neste espaço municipal que o Siste- ma Único de Saúde (SUS) tem sido discursado desde sua inclusão na Constituição Federal brasileira de 1988, criando uma rede de referência que têm início e fim no local de mora- dia das pessoas. Assim, o planejamen- to das políticas de saúde deveria se voltar para a aproximação da vida cotidiana de cada cidadão.

Nesse sentido, nada mais óbvio que em nível local se deva lutar para que todos participem ativamente das decisões locais sobre as ações de saúde, sendo o Conselho Municipal de Saúde um promotor da partici- pação cidadã cotidiana (e não ape- nas nas Conferências) e o coordena- dor do processo municipal de pla- nejamento e execução das ações e políticas de saúde local.

Voltando ao espaço de implemen- tação do SUS: o planejamento cen- tralizado, no qual as ações são de- terminadas de forma vertical, do nível central ao local, deve ser in- vertido, e o planejamento e a exe- cução das ações devem ser realiza- das com base em relações igualitá- rias (e horizontais), tanto no nível local, quanto na relação entre esse nível e o mais central.

Há, pois, uma reversão para a horizontalização, sustentada pela

forma das relações estabelecidas, ou seja, construir planos de horizontali- dade, nos quais o saber, o poder e o controle seriam ressignificados, em uma ‘dialógica’ pela emergência da ‘equidiversidade’, como o proposto por Leopardi (1998).

O local – seja ele o município, parte dele, ou a comunidade – é a base do trabalho, e sem esta refe- rência seria impossível obter os re- sultados relatados. Dalari, 1985. p. 14 menciona que:

as Prefeituras e as formas de articula- ção política municipal são a face local do Estado, a face local do poder, que tem um papel fundamental para ma- nutenção do conjunto das relações de dominação na sociedade.

Isso confere uma nova dimensão à questão da localização, no sentido de ser o município o local de origem e chegada do planejamento e execu- ção das políticas públicas e das ações de saúde, início e fim também do pro- cesso de planejamento em saúde, con- ferindo maior decisão e controle local sobre elas, ainda que possam ter pon- tos de convergência com políticas de caráter estadual ou nacional.

Longe estamos, portanto, de di- minuir a importância de outras ins- tâncias que não aquelas municipais, as de cunho regional, estadual ou federal, até mesmo porque muitas ações de saúde somente têm senti- do nestes níveis.9Apenas chamamos

9Como, por exemplo, as ações direcionadas ao enfrentamento de epidemias ou as referências de serviços de maior complexidade, nos quais a articulação tem de ser em níveis mais elevados do que no espaço municipal.

participação cidadã e democrática, constituída de três dimensões das relações sociais: o saber local, o po- der local e o controle social, aqui analisadas sob prisma particular, como veremos a seguir.

A nossa experiência de tentar co- locar no seu lugar o processo de par- ticipação cidadã, tem como premis- sa a inclusão desse novo conteúdo à

OPLANEJAMENTO DAS

POLÍTICAS DE SAÚDE

DEVERIA SE VOLTAR

PARA A APROXIMAÇÃO

DA VIDA COTIDIANA

DE CADA CIDADÃO

a atenção para a necessidade do de- senvolvimento de novas formas de articulação entre os diversos níveis, de modo que caiba ao município ser a porta de entrada do Sistema de Saú- de, em todos os sentidos dessa expres- são, ou seja, ser a porta de entrada no planejamento e execução das polí- ticas de saúde e finalidade deste mes- mo planejamento e políticas.

O local é encarado, aqui, sob a ótica das pessoas que o ocupam, pois os municípios e as comunidades so- mente existem porque as pessoas os criam. O saber local só existe quan- do pessoas o possuem, e está ligado ao conhecimento que elas têm de sua história coletiva, seus cotidianos e os problemas dele decorrentes. Uma visão parcial, de um único ator (ou grupo), seja ela técnica ou governa- mental, ou mesmo das camadas mais populares, não comporta a complexidade da vida cotidiana lo- cal. Do mesmo modo, o conhecimen- to exclusivo de fatos que ocorrem em outros locais,10 apesar de de- monstrar uma apreensão da vida em geral e até um domínio dos aconte- cimentos gerais, não expressa a ri- queza da vida cotidiana da coletivi- dade à qual as pessoas pertencem.

O poder concentrado é que deter- mina os sistemas não democráticos, ao passo que o poder distribuído (ou conquistado) entre as parcelas de uma população, representadas por associações, sindicatos e grupos

comunitários ou mesmo indivíduos, implica no reconhecimento da par- ticipação como forma de convivên- cia. A esfera pública constitui o ele- mento aglutinador das vontades co- letivas e individuais.

O saber local é desenvolvido com base na vida cotidiana (coletiva e individual) das pessoas e se refere a ela. É esta vida e nela que estão as condições concretas para que as comunidades possam detectar, prio- rizar e resolver os problemas.

soas transformadas em indicadores estatísticos. Por mais sofisticadas que sejam as técnicas estatísticas, muitas questões detectadas não são passíveis de mensuração. O saber local transcende-as e pode tê-las como um instrumento auxiliar no conhecimento da realidade.

Não pode ser confundido, porém, com a opinião pública, pois sua base é o conhecimento da realidade local, de pessoas que nela vivem e que a transformam. Aqui, diferentemente da opinião pública, a riqueza e com- plexidade da própria vida é ressalta- da e se parte da multiplicidade de visões de mundo como forma de co- nhecer melhor o próprio cotidiano, deixando distantes as distorções pró- prias da ideologia de massas. Dife- rencia-se da opinião pública por con- ter como elemento chave a partici- pação, portanto, também a enuncia- ção coletiva dos fatos da saúde. Lan- çamos mão de Sànchez (1997, p. 2), que considera participação cidadã

no sentido de tomar parte (do indiví- duo para o todo) na gestão do coletivo, da coisa pública. E a coisa pública (res publica) é aquilo que afeta e interessa à sociedade em seu conjunto, não é monopólio exclusivo do Estado (...) Participar não é somente colaborar, nem opinar sobre determinado assunto ou atuação. Não é informar, ou sentir-se informado do que fazem os seus repre- sentantes. Participar supõe um mais de vontade, de intervenção, um senti- mento de pertencimento a uma coleti- vidade, a um grupo, a uma cidade. 10

O conhecimento de fatos mundiais, considerados de ‘grande importância’, como a alta do dólar, a queda da bolsa, as guerras etc. Quanto mais próximos estiver-

mos da vida concreta das pessoas, mais conhecimento teremos dos pro- blemas a elas afetos e maiores as possibilidades de produção de ações conseqüentes, em sintonia com ou- tros níveis de conhecimento, do cien- tífico ao religioso.

O saber local não se restringe à simples coerência dada aos proble- mas percebidos como tais pelas pes-

UMA VISÃO PARCIAL,DE UM

No documento RevistaSaúdeemDebatev27n65setdez2003 (páginas 177-179)