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PRÁTICAS DE GESTÃO QUE ROMPAM COM A CENTRALIDADE DA NOÇÃO

No documento RevistaSaúdeemDebatev27n65setdez2003 (páginas 168-170)

Além disso, como diversos au- tores têm defendido ao longo das últimas décadas, o foco predomi- nante no aumento da eficiência dos processos administrativos pode le- sar políticas que estas melhorias su- postamente deveriam apoiar. As- sim, processos em vez de procedi- mentos, direitos substantivos, equi- dade, proteção dos direitos das mi- norias, assim como igualdade en- tre os cidadãos, são valores que podem ter precedência com relação à eficiência (KELLY, 1998).

Finalmente, com relação à es- trutura e às práticas de trabalho, apresentam-se, a seguir algumas características que podem apoiar a identificação de aspectos mais propícios à permeabilidade das or- ganizações à participação de tra- balhadores e cidadãos. Em oposi- ção à formação burocrática tradi- cional, com base nos princípios clássicos propostos por Fayol (1954) e nas características identi- ficadas por Weber (1997) nas or- ganizações modernas, contrapõe- se a possibilidade de uma forma- ção político organizacional1(a par- tir da livre adaptação de contribui- ções de Boje e Dennehy, 1993; Cle- gg, 1990; Cooper, 1984; Farah, 1998; Fisher, 1997; Guerreiro Ra- mos, 1893; Junqueira, Inojosa; Ko- matsu, 1998; Loiola; Moura, 1997; Matus, 1996; Santos, 1995; Soares; Gondim, 1998; Thielemann, 1996).

1Uma outra versão dessa tipologia pode ser encontrada em Misoczky (2002a).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse texto se inscreve na condi- ção de uma provocação para o de-

bate político em torno da participa- ção na formação da política de saú- de. Não se recusa, nem se considera como pejorativa, qualquer crítica que

Formação burocrática tradicional Formação político-organizacional Centro claro de poder – planejamento centralizado,

sem a participação de executores e cidadãos.

Centros difusos de poder – planejamento

descentralizado, incluindo a participação de executores e cidadãos.

Estruturas hierárquicas rígidas – liderança centralizada nos diversos níveis hierárquicos (unidade de comando) e orientada para o cumprimento de metas definidas de modo normativo.

Estruturas fluidas flexíveis – liderança descentralizada com uma ética voltada para servir os cidadãos em uma rede de relacionamentos, orientada por uma imagem objetivo que inclui a alteração do contexto histórico social.

Ações padronizadas, baseadas em papéis e normas.

Ações auto-reguladas, criadas a partir das necessidades da imagem objetivo e das mudanças em processo.

Setorialidade – operação fragmentada com base na especialização do saber e em programas normativos verticalizados.

Intersetorialidade – articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e monitoramento de ações interligadas. Refere-se aos problemas da população e ao seu equacionamento. As metas são a racionalização e a eficiência. A meta é a mudança, como um processo consciente dealterar relações sociais. Controle cultural, por meio de padrões de conduta. Aceitação da diversidade e celebração das

particularidades. Controle formal via supervisão e controle, tendo como

referência a conformidade com normas e padrões.

Monitoramento das atividades em conjunto com trabalhadores e cidadãos, tendo como referência o encaminhamento de soluções para os problemas que estão sendo enfrentados. Favorece a inovação e a criatividade.

Avaliação auto-referida a metas e normas definidas internamente ao sistema.

Avaliação referida a expectativas dos cidadãos e dos parceiros na rede intersetorial.

Neutralidade tecnocrática – impessoalidade nos julgamentos, autonomia da burocracia.

Opção por valores claramente expressos, burocracia militante ou representativa.

Líder como condutor. Líder como mobilizador, articulador. Motivação pela remuneração e pela ascenção na

hierarquia.

Motivação pela liberdade de implementar idéias e de gratificar-se com o sucesso (o que não dispensa a justa remuneração).

O espírito de corpo como condição para a harmonia e

a unidade, sendo mais produtivo que a discordância. A discordância em torno de idéias é fator de sucessoem processos de mudança. Todos os fatores de produção precisam estar,

ordenadamente, em uma estrutura adequada. Os fatores de produção são continuamenterearranjados. Localização espacial clara. Localização espacial difusa.

Formalismo como estrutura de sobrevivência da organização e da preservação de interesses.

Formalismo como estratégia de mudança, de avançar no tempo com relação a normas que paralisam processos de mudança.

o defina como tendo um caráter vo- luntarista. Mais do que isto, esse é um texto que se assume como orien- tado por desejos os quais no sentido deleuziano, são sempre positivos, não se referindo a ausências. O dese- jo como positividade corre sempre o risco de acontecer, de ganhar força, de criar territórios e de mudar a vida. Como indica Caiafa (2000. p. 72) “a potência transformadora do desejo nos leva a admitir essas linhas de fratura, nos permite agir/pensar não só no que já está, mas também no possível. (…) Daí o otimismo crítico, que se produz acompanhado de um pessimismo rigoroso”.

Para adotar-se o otimismo crítico é preciso romper com a proibição de pensar o futuro e, como indica No- gueira (2001. p. 126), deixar de lado formas adaptativas de administração da mudança e retomar a capacidade de projetar o futuro, sempre presente na noção de democracia.

Em boa medida, a democracia é um jogo de poderes e contra-poderes: sua natureza é dada pela intervenção deli- berada de sujeitos organizados. Trata- se de uma construção que depende de correlação de forças, de capacidades or- ganizacionais, técnicas, políticas e in- telectuais, e que não vive fora do con- flito, do confronto constante entre as partes e os poderes. Toda democracia é forma (instituição, regras) e movimen- to, silêncio e ruído. Em seu coração pulsa uma aposta: a de que é possível mudar o modo de vida e de decisão, deslocar hegemonias e fundar novos pactos. Na metáfora do teatro, ela afir- ma ser possível que a platéia domine a cena e vincule o palco a si.

Espera-se que esse artigo contri- bua, ainda que de modo pontual e restrito, para a discussão necessá- ria e indispensável sobre gestão par- ticipativa e aprofundamento da de- mocracia no campo da saúde. As indicações aqui sistematizadas apontam para a superação do pólo do pragmatismo na abordagem da participação na administração pú- blica. Apontam, também, para al- guns obstáculos que, ao serem su- perados, potencializariam esse es-

nalmente, que a Conferência recuse a definição de gestão participativa que se encontra nas Diretrizes pro- duzidas pelo Ministério de Saúde para a mesma, e que afirma como sendo seu objetivo a agregação de “legitimidade às ações de governo, criando sustentabilidade aos progra- mas e políticas propostas” (BRASIL, 2003. p. 14). São visões como esta que concebem a participação a par- tir de uma visão pragmática e, nesse caso, ainda com foco na governabi- lidade, que obstaculizam o aprofun- damento da democracia na adminis- tração pública brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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traponto, 1999.

AROUCA, Sergio. O eterno guro da Reforma Sanitária. Entrevista con- cedida à RADIS, Rio de Janeiro, n. 3,

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BOJE, David; DENNEHY, Robert, F.

Ma naging in the postmodern

world:America’s revolution against

exploitation. Iowa: Kendall/Hunt Publ. Co., 1993.

paço magnífico que se constitui em praticamente todos os municípios brasileiros – os conselhos de saú- de. Esses obstáculos se localizam tanto nos próprios conselhos quan- to no interior das organizações.

De qualquer forma, espera-se que as discussões, as quais ocorre- rão durante a Conferência Nacional de Saúde Sergio Arouca, tragam apor- tes da vivência da participação para que essa discussão seja aprofunda- da e consiga avançar. Espera-se, fi-

ODESEJO COMO POSITIVIDADE

CORRE SEMPRE O RISCO DE

No documento RevistaSaúdeemDebatev27n65setdez2003 (páginas 168-170)