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De base sistemática

No documento O Direito dos Animais 2019 (páginas 63-66)

O DIREITO DOS ANIMAIS – 2019 4 Os animais de companhia na jurisdição da família e das crianças

1. Justificação metodológica

2.2. Soluções legais

2.2.3. Os argumentos interpretativos 1 De base teleológica

2.2.3.3. De base sistemática

Consensual é que o animal de companhia não é apenas objeto, mas também como sujeito de direitos23.

E que sujeito é este?

Quaisquer animais?

Só os animais domésticos?

E, no afã de deixar a sua marca nominativa, a doutrina vem batizando estes seres vivos como animais “semoventes”, enquanto seres que não se encontram na absoluta fruição do seu dono, devido à sua qualidade de seres sensíveis.24

administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional”.

20 JO n.º L 221 de 08.08.1998, pp. 0023-0027.

21 Que “estabelece as normas legais tendentes a por em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos”.

22 Cfr. o art. 2º n.º 1 d) do Decreto-Lei n.º 276/2001 de 17.10.

23 Entre outros, BRANCO, Carlos Castelo, “Algumas notas ao Estatuto Jurídico dos Animais, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2017, I, pp. 68 e seguintes.

24 Menezes Cordeiro Tratado de Direito Civil, volume I, tomo II. 2.ª edição, Coimbra, 2002, pp. 142, 212,

214, 215, apud PEDROSO, Anabela, «Animais e(m) Família», O Direito dos Animais, outubro de 2019, Centro de Estudos Judiciários, Formação Contínua.

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Na mesma senda, a consideração dos animais como sujeitos jurídicos titulares de direitos e fonte de deveres para os seus donos.25

Também a própria jurisprudência dos nossos tribunais superiores se lhes vinha referindo como seres dotados desse estatuto, isto é, serem os animais não humanos e, em particular, os animais de companhia, constitutivos da personalidade do seu dono e tratar-se de um vínculo de propriedade pessoal aquele que os liga.26

Ou até serem os animais de companhia considerados titulares de personalidade jurídica, ainda que “o conjunto de direitos de personalidade a atribuir [sejam] sempre mais limitados do que

os direitos de personalidade atribuídos às pessoas singulares.”27

E isto porque, “analisando as relações jurídicas que se excetuam da capacidade jurídica das

pessoas coletivas, tendo estas uma ‘ capacidade jurídica específica“ é perfeitamente praticável a qualificação dos animais não humanos como sujeitos de direitos com uma capacidade jurídica limitada ou mínima, cabendo às associações zoófilas a representação legal destes mesmos sujeitos.”2829

Decorrentemente, as correntes30 que vêem neles res sui generis, no âmbito dos direitos reais –

artigos 1318.º31 e 1323.º32 –, não poderão ser teleologicamente aproveitadas na jurisdição

familiar; porque o selo de «coisa» se encontra ultrapassado neste domínio.

Consequentemente, o não mais poder ser considerado como coisa, para efeitos jurídico-civis, diversamente do sucedido até à alteração legal de 2017.

Tanto se aplica, naturalmente e por maioria de razão – por força da coexistência com os animais humanos – aos animais de companhia, na aceção da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, que, no seu artigo 1.º (n.º 1), os define como “qualquer

25 RAMOS, José Luís Bonifácio, “O animal: coisa ou tertium genus?”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, Vol. 2, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 221-

256, e GOMES, Carla Amado, op. cit., pp. 366 e 367, apud PEDROSO, Anabela, cit., p. 17.

26 Cfr. os acórdãos da Relação do Porto de 19.02.2015 e de 21.11.2016, in www.dgsi.pt, apud PEDROSO,

Anabela, cit., p. 18.

27 PEREIRA, Diana Maria Meireles, cit., pp. 53-54. 28 PEREIRA, Diana Maria Meireles, cit., p. 54.

29 Também, entre outros, GOMES, Carla Amado, «Direito dos Animais: Um ramo emergente?», in Animais: deveres e direitos, textos organizados por Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes, ICJP,

2015, Lisboa, p. 52, onde se refere à “natureza jurídica sui generis” dos animais, por se tratar de “ser[es] híbrido[s]”

30 PEREIRA, André Dias, “Tiro aos Pombos – A jurisprudência criadora de Direito”, in Boletim da Faculdade de Direito, Sep. de: Ars Ivdicandi – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António

Castanheira Neves, 2, 2008, pp. 539-569, apud PEDROSO, Anabela, cit., p. 17.

31 “Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis”. 32 “Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida”.

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animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem, designadamente, em sua casa, para seu entretenimento e enquanto companhia”.33

E de que variedade estamos a falar?

De acordo com o decreto-Lei n.º 315/2009 de 29 de outubro, na redação da lei n.º 42/2013 de 4 de julho e pela lei n.º 110/2015, de 26 de agosto, que aprovou o regime jurídico da detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos enquanto animais de companhia, também os animais qualificados como potencialmente perigosos ou perigosos podiam ser detidos como animais de companhia.

A destrinça entre animais e animais de companhia, para os efeitos que ora nos interessam (direito da família) é, portanto, funcional, que não atinente à natureza (biologia) do ser vivo em causa.

A conclusão que antecede não é facilitadora do nosso serviço, mas tanto constitui o cerne da nossa função.

Portanto, todos os animais poderão ser considerados animais de companhia, desde que o homem assim os considere. Arriscamos a concluir, pois, que a imaginação, também a este respeito, é o limite, sendo certo que a dignificação dos animais não humanos, pelo próprio homem, é já um adquirido nos tempos hodiernos34.

Quanto aos limites, serão o tempo e a abertura legislativa e societária a ditá-los, porque qualquer direito constitui uma manifestação cultural a que os tribunais devem obediência.

33 Conceito este decalcado pelo art. 389º n.º 1 do Código Penal português: “1 - Para efeitos do disposto

neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.”

Ora, o «Título» em referência é o “Título VI Dos crimes contra animais de companhia”.

Concordamos com esta sintonia e aplaudimos – tal como no Parecer do CSM n.º 2016/GAVPM/2160 Rec: 13-05-2016, relativo ao Projeto de Lei n.º 209/XIII/1ª (PS) – «Procede à 37ª Alteração do Código Penal, revendo o regime sancionatório aplicável aos animais de companhia» – a supressão do advérbio «efetivamente» antes de detido, bem assim o acrescento «ainda que se encontrem em estado de

errância». Com efeito, o que interessa é que seja suscetível de ser detido para aqueles fins e isso, como

já escrevemos, é uma decorrência cultural, em função da prática humana.

34 Como vem sendo reconhecido pela nossa jurisprudência superior. Lugar de pioneirismo para o

acórdão da Relação do Porto de 19 de fevereiro de 2015, Processo n.º 1813/12.6TBPNF.P1, in www.dgsi.pt., onde foram reconhecidos direitos não patrimoniais ao dono de animal de companhia em resultado da afeção corporal deste por ação de terceiro.

Na mesma senda e do mesmo tribunal superior, o acórdão de 21.11.2016 (Processo: 3091/15.6T8GDM.P1, in www.dgsi.pt), que valorou os animais como não coisas para os seus donos, porque ligados à construção da sua personalidade.

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3. Concretizações

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