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Disse o Senhor procurador-geral Adjunto:

No documento O Direito dos Animais 2019 (páginas 173-175)

“A) A Sentença recorrida suscitou-nos, inicialmente, reservas e, logo após, discordância, relativamente a uma única questão. A decisão, desde já, relativamente à não suspensão da execução da pena de prisão e ao seu cumprimento efectivo.

B) É certo que o Arguido deu boas razões para que o Tribunal não perspectivasse a prognose favorável que há-de sempre constituir-se como pressuposto da suspensão da execução da pena.

C) A fundamentação da Sentença relativamente à decisão de não suspender a execução da pena, para o que ao caso concreto mais importa, foi a seguinte (preambularmente, o Tribunal teceu considerações doutrinárias de ordem genérica):

“Resulta da factualidade provada que o arguido já não é primário, tendo sido condenado por duas vezes. O comportamento adoptado pelo arguido nos termos supra apurados revela, assim, um censurável sentimento de indiferença pela vida de seres vivos e até de impunidade; bem como uma personalidade desviante, irresponsável e inconsequente, que leva este tribunal a concluir que a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, já não satisfaz manifestamente as finalidades da punição, o que, por sua vez, obsta a que este tribunal possa emitir um juízo de prognose favorável.

Nesta conformidade, entende o tribunal que, face às especiais necessidades de prevenção geral e especial, ponderando ainda as circunstâncias nefastas acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto não tutelarão de forma suficiente e adequada os bens jurídicos atingidos e, além disso, não permitirão a reintegração do arguido na sociedade, dado que os factos apurados revelam que o mesmo não está minimamente integrado na nossa comunidade - [art.º 40.º, n.º 1 do Cód. Penal].

É que a efectiva execução da pena de prisão, num caso como o do autos se mostra indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expetactivas comunitárias. Permitir que um condenado por estes tipos de crimes não cumpra prisão efectiva seria transmitir uma perigosa mensagem de

benevolência, com claros prejuízos para as necessidades de prevenção geral e especial. A vida dos animais de companhia é um bem jurídico demasiadamente importante para que haja contemplações em situações de ofensa com os contornos nefastos que rodearam os factos aqui apreciados.

Razões de prevenção especial relativas à dissuasão da prática de novos crimes e razões de prevenção geral atinente à defesa do ordenamento jurídico impedem também a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, pois que esta se revela incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.

Donde se conclui que neste caso concreto, a mera ameaça de prisão e a simples censura do facto manifestamente não realizariam as finalidades de punição aqui reclamadas. Termos em que se decide não suspender a pena única de prisão aplicada a este arguido, dado que, como se colhe do percurso criminal do arguido e da perturbante leviandade com que este arguido cometeu as condutas delitivas demonstrativas de uma crueldade atroz e de indiferença ao bem-estar animal e à vida destes, como já se deixou através demonstrado à saciedade, resulta, por conseguinte, evidente que esta reacção penal se mostra deveras insuficiente e inadequada para afastar o arguido do cometimento de ilícitos. Parece linear.”.

D) Salvo o devido respeito, esta fundamentação não só não nos convence como dela frontalmente discordamos.

Trata-se de uma fundamentação que melhor assentaria nos critérios atendíveis relativamente à escolha e à medida das penas, que não no que à suspensão da execução da pena diz, ou deveria dizer, respeito.

Não que as razões, num e noutro caso, ainda que parcialmente, não possam sobrepor-se. Antes, porque a perspectiva há-de ser necessariamente diferente. E) O Tribunal deu como provado que o Arguido já fora condenado por duas vezes, em ambos os casos por crime de condução sem habilitação legal (factos e Sentenças, num caso, de 2013 e, noutro, de 2014, sempre em penas de multa - cfr. facto provado “25.”).

F) Acresce - e este facto o Tribunal não o terá tido em conta, posto que, como assinala o Recorrente, não lhe faz qualquer referência - que, à data dos factos, o Arguido contava já 67 anos de idade.

G) Ainda que a responsabilidade pela não elaboração do Relatório Social se tenha ficado a dever, por inteiro, ao Arguido, o que é facto é que,

objectivamente, o Tribunal ficou privado de informação potencial

previsivelmente relevante relativamente às condições de vida do Arguido, ao seu enquadramento familiar e social, enfim, a um quadro mais vasto da sua personalidade.

H) Daí que, concluir, como conclui a Sentença, que “Permitir que um

condenado por estes tipos de crimes não cumpra prisão efectiva seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para as necessidades de prevenção geral e especial”, sempre salvo o devido respeito, traduz uma ideia de quase aplicação automática da pena de prisão sempre que estejam em causa crimes desta natureza, sem que, por outro lado, o Tribunal tenha dado conta de quais os factos de onde decorram especiais necessidades de prevenção especial.

I) O que vem de dizer-se transparece, igualmente, do modo como o Tribunal, ao reportar-se às duas condenações anteriores sofridas pelo Arguido, se lhes refira como o “percurso criminal do arguido”.

Não deixando de o ser, não deixa, tão pouco, de transparecer uma severidade que mais relevará da compreensível repulsa que os actos pelos quais o Arguido ora foi condenado causaram no Tribunal, do que, propriamente, do seu historial

decorrente dos seus antecedentes criminais.

J) Tenha-se, de resto, em conta que, na Sentença, em sede de fundamentação, se consignou expressamente que “este tribunal de acordo com a sua livre convicção permitida pelo art.º 127.º do Cód. Proc. Penal, considerou que o arguido HP disse a verdade no aludido interrogatório prestado, em sede de inquérito, perante magistrado do Ministério Público, com assistência de defensor e depois de advertido nos termos e para os efeitos do art.º 141.º, n.º 4 do c.P.P., aqui aplicável «ex vi» do art.º 144.º do mesmo diploma legal, dado que lhe foram asseguradas todas as garantias; e, mesmo assim, o arguido quis de forma livre assumir a prática dos factos que lhe haviam sido imputados, contextualizando até tais factos através da alegação da motivação que esteve subjacente, conferindo, destarte, credibilidade a tal versão”.

K) Deste perfil, ou, ao menos, do que daqui parece resultar, não se nos afigura a existência de uma personalidade que tão só por meio de uma pena de prisão efectiva possa ser susceptível de ressocialização.

L) Em conformidade, decretaríamos a suspensão da pena de prisão em que o Arguido foi condenado (…)”.

No documento O Direito dos Animais 2019 (páginas 173-175)