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O DEBATE EM TORNO DA REFORMA AGRÁRIA

No que se refere à reforma agrária tem-se que esta tem assumido, historicamente, diferentes significados, conforme o contexto em que se insere, e as forças sociais que a protagonizam como uma bandeira de luta. Estas concepções vão desde medidas necessárias para promover o desenvolvimento econômico-industrial, mecanismos necessários para uma melhor distribuição de renda, uma primeira etapa para construção de um novo modelo político e, por fim, políticas sociais compensatórias, no sentido de amenizar os efeitos provocados pelas mudanças estruturais e conjunturais nos planos internacional e nacional ocorridas nos últimos 30 anos.

Nos anos 50/60, o debate sobre a Reforma Agrária situava-se em torno da questão do subdesenvolvimento. Nesse período, defrontavam-se, basicamente, três concepções de Reforma Agrária: a dos comunistas, que a viam como uma das etapas da revolução democrática burguesa destinada a eliminar os traços de feudalismo; a dos nacional- desenvolvimentistas, que a viam como impulsionadora do desenvolvimento autônomo do país, por criar um mercado interno capaz de sustentar o processo de industrialização, além de aumentar a produção agrícola a fim de garantir o abastecimento urbano e de gerar divisas via agroexportação; e a das Ligas Camponesas, que viam a Reforma Agrária como a garantia da cidadania para o trabalhador rural e uma etapa para a construção do socialismo (ALETEJANO, 1996, p.19).

Nos períodos subseqüentes, o avanço da industrialização e a diversificação crescente do parque industrial não permitiram que o tema do debate permanecesse em torno da superação do atraso em que o país e a agricultura se encontravam. Os discursos foram reformulados e a questão central passou a ser a necessidade de se apontar reformas estruturais de combate à pobreza nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Apesar dos grandes avanços

verificados no contexto econômico-produtivo, o crescimento da concentração fundiária e da renda, o aumento expressivo da miséria, do desemprego e do subemprego provocou um agravamento dos problemas sociais.

Atualmente, discute-se sobre até que ponto a reforma agrária pode contribuir para ocupar a mão-de-obra rural, possibilitando amenizar o problema do desemprego que aflige os centros urbanos. Esse questionamento faz parte do debate atual que se estabelece entre alguns autores e estudiosos, entre eles, José Graziano da Silva, Wilson Cano e João Pedro Stédile, em torno da reforma agrária, como forma de amortizar os efeitos sociais provocados pelas mudanças tecnológicas. O primeiro trata a reforma agrária como uma política social compensatória; o segundo a defende como uma política distributiva, que além de sustentar a retomada do crescimento econômico do país, garante a segurança alimentar da população; e, o último, considera a reforma agrária como uma política voltada para a transformação do modelo de desenvolvimento vigente, no sentido de direcioná-lo para um projeto socialista. 11

Dentre essas abordagens, a concepção de reforma agrária aqui considerada é a de uma política social compensatória, voltada para garantir condições de vida àqueles que foram excluídos do processo de modernização conservadora da agricultura. A opção por esta abordagem está no fato de se acreditar que o processo de modernização da agricultura seja irreversível, fato este, que cria a necessidade de políticas sociais compensatórias as quais possibilitem amenizar os seus efeitos.

Nos últimos 30 anos, o país cresceu economicamente com o processo de modernização da agricultura, entretanto, este processo implicou no aumento do desemprego e do êxodo rural. O desemprego crescente provoca uma onda de violência e de ocupações em todo o país. Essa situação denota uma grande insatisfação por parte da sociedade e, em última análise, um reflexo da má distribuição de renda.

Nas palavras de Silva (apud ALENTEJANO, 1996, p.23) defende-se:

11 A primeira posição é defendida por Graziano da Silva, Binswanger e De Janvry; a segunda, tem em Abramovay e Carvalho Fº (1994), Veiga (1991) além de Cano (1994) seus principais defensores; e a terceira pode ser encontrada tanto em Stédile (1993 e 1994) como em D’ Incao (1990 e 1994), Gemer (1989, 1990 e 1994) e Leite (1992).

(...) uma reforma agrária que garanta pelo menos casa e comida à população que não tem mais possibilidade de ser absorvida produtivamente no novo padrão tecnológico que se avizinha. “Terra para quem nela não mais trabalha” talvez venha a ser uma nova e progressista bandeira nesse final de século.

Para esse autor, a criação de novas formas de ocupações é de suma importância para se absorver uma parcela significativa da população despojada dos meios de produção. No início do século XXI, a reforma agrária desejada é a que permite vislumbrar uma menor pressão dos migrantes da zona rural sobre os centros urbanos.

O discurso presente entre os atores sociais, após o período marcado por grandes transformações na agricultura brasileira, reflete a necessidade de se eliminarem os bolsões de pobreza existentes no país. O final do processo da modernização conservadora verificada no campo fez surgir um grande contingente de trabalhadores desprovidos, que ao migrarem para as grandes cidades, vão fazer parte do exército industrial de reserva.

Com o agravamento do desemprego, as conseqüências do rápido processo de urbanização se difundiu por todas as regiões do país. “As cidades já não comportam mais fluxos rurais. Saturados pelo crescimento desordenado e pelo desemprego, os centros urbanos acabam rebatendo esse contingente rural” (BRANCO, 1996). Tal situação preocupa os grandes centros, levando-os a buscarem mecanismos que venham a diminuir o inchaço na zona urbana.

4.1.1 O papel da reforma agrária na absorção da mão-de-obra rural

No início do século XXI, a realidade agrária continua marcada por controvérsias entre o poder público e os atores sociais. Em que pese as avaliações dos autores clássicos dos anos 60, como Alberto Passos Guimarães, Caio Prado Jr. e Celso Furtado, bem como Ignácio Rangel que compreendia a questão agrária como o problema do excedente populacional decorrente da modernização da agricultura, o discurso que se faz presente, atualmente, entre as diversas correntes diz respeito a abrangência do processo de reforma agrária (SILVA, 2002).

Apesar das disparidades existentes, há um consenso quanto à necessidade de se criar novas formas de ocupações para uma parcela da população brasileira que se vê a margem do mundo

de trabalho, estruturado após o impacto das novas tecnologias baseadas na microeletrônica e informática implantada nos campos. Por conseguinte, a Reforma Agrária pretendida é aquela em que os ex-parceiros, ex-meiros, ex-bóias-frias, ex-pequenos produtores rurais sejam reincorporado a zona rural.

Para Silva (2002, p.131) a reforma agrária não precisa ter mais um caráter estritamente agrícola, uma vez que os problemas da produção e preços já foram resolvidos. O papel assumido por este processo é o de promover a inclusão social daqueles que foram expulsos do campo, através da combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas.

Nos últimos anos, a luta pela realização da reforma agrária tem sido consubstanciada pela execução de programas da Reforma Agrária. Estes programas garantiam o seu principal eixo através da desapropriação de terras improdutivas, da utilização de terras públicas e da aquisição de novos lotes. Entretanto, muitas vezes essas práticas foram inviabilizadas dadas às dificuldades em caracterizar o imóvel rural improdutivo, bem como o fato de algumas áreas serem consideradas não recomendáveis tecnicamente para implementação de assentamentos de trabalhadores rurais.

Como alternativa tem-se a experiência do Programa “Banco da Terra” ou “Cédula da Terra” implementado pelo governo federal em parceria com o Banco Mundial que consiste numa sistemática centrada na compra direta de terras, através de operações realizadas entre proprietários de imóveis rurais e agricultores sem-terra. Com a implantação deste, o governo passa a disciplinar as regras de funcionamento do programa, além de disponibilizar os recursos financeiros.

Para os defensores desse programa, uma Reforma Agrária assentada no mercado, além de promover uma maior transparência por parte do poder público, representa uma forma mais dinâmica e flexível de conduzir o processo de aquisição da terra. De acordo com os dados da Secretaria Nacional, o Banco da Terra beneficiou, transcorridos dois anos da sua criação, cerca de 40 mil famílias rurais em aproximadamente 1300 municípios do país, numa área de 760 mil hectare (ANJOS; CALDAS, 2003, p.8).

Entretanto, o Programa “Banco da Terra” é alvo de questionamento quanto a sua aplicabilidade no campo social. Ao praticar a lei de mercado, há um estímulo a especulação,

acarretando uma distorção ao processo de Reforma Agrária, que tem como carro chefe a luta pela incorporação de trabalhadores rurais ao mercado de trabalho, seja através de atividades agrícolas ou não-agrícolas. Nesse aspecto, a defesa pelas políticas públicas de geração de empregos, assim como o apoio às famílias rurais, dando condições de sobrevivência aos homens do campo, fortalece a inclusão social, resgatando a dívida com esses trabalhadores.

Com base no relatório de projetos de assentamentos do INCRA/98, calcula-se que 70 mil pessoas já foram assentadas no Estado baiano. Considerou-se que existem, em média, cinco pessoas por família e que o número de famílias assentadas é de 14 mil. Nos assentamentos assistidos pela Coordenação de Reforma Agrária e Associativismo – CORA/SEAGRI estima- se um total de 20 mil pessoas assentadas para um número de 4 mil famílias beneficiadas, o que perfaz juntamente com os assentamentos da União um total de 90 mil pessoas assentadas na Bahia. É interessante ressaltar que esse montante não representa o número total de pessoas ocupadas nos assentamentos, uma vez que no cálculo do pessoal ocupado não se leva em consideração o número de crianças e de idosos.