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CAPÍTULO 1 PROFESSORES DE HISTÓRIA

1.4 DEBATES E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

Pensar a formação de professores de história exige um esforço em entender não apenas os desafios pertinentes ao âmbito da disciplina e de seu ensino, mas também do contexto político, econômico e social, que influi diretamente sobre a concepção do ser professor de história e do seu agir. A formação e o trabalho do professor coincidem também com o papel da escola, e com qual tem sido sua função no século XXI. Helenice Ciampi (2010, p. 1) salienta que “[...] o excesso de missões que a sociedade atribuiu à escola acabou por sufocá-la, impedindo-a de “respirar”. Daí o paradoxo: de um lado, excesso de funções e, de outro, a fragilidade do estatuto docente”. Por isso, neste momento, tentaremos levantar alguns debates em torno das concepções do que é formar um professor de história no Brasil; da ainda insistente dicotomia entre teoria x prática; e por fim, relacionando também com o papel do professor e da escola na atual conjuntura.

Como já trabalhado acima, a partir dos anos 90 há uma intensificação das pesquisas em formação de professores, que privilegiava o professor como objeto de pesquisa. No que sucede a aprovação da LDB, em 1996, surge a necessidade de regular também os cursos superiores, e definir quem seria o profissional que as licenciaturas em História formariam. O documento aprovado CNE/CES 492/2001 trata da necessidade de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na universidade; da dicotomia bacharelado/licenciatura; ensino/pesquisa; a expansão do campo de atuação do profissional de História; e levanta alguns itens, como: o perfil dos formandos, competências e habilidades, estruturação dos cursos, conteúdos curriculares, estágios e atividades complementares, conexão com a avaliação institucional.

12 A teoria da atuação foi proposta como uma das possibilidades da abordagem do ciclo de políticas

idealizada por Ball, Maguire, Braun (2016) e outros autores que vêm de um longo tempo de pesquisa. Essa teoria considera que as políticas não são meramente implementadas, pois não cabem às diferentes realidades das escolas e sujeitos que as trabalha. Ao contrário, segundo os autores, as políticas são “atuadas”, no sentido de que os sujeitos são os atores, em um sentido teatral, já que as reinventam, recontextualizam, e adaptam aos seus lugares de atuação. Nessa teoria, além de considerar os três contextos base das políticas, que são: de influência, de produção do texto e da prática, também colocam em análise os contextos situados; as culturas profissionais; os contextos materiais e contextos externos (MAINARDES, 2018).

Como analisa Ângela Ribeiro Ferreira (2015), neste documento, principalmente no item “competências e habilidades” são abordadas características necessárias aos egressos dos cursos, sendo que o bacharelado não necessitaria discutir disciplinas de ensino13. A autora ainda destacou que se no texto traz que “o

graduado deverá estar capacitado ao exercício pleno do trabalho de historiador, em todas as suas dimensões, o que supõe pleno domínio da natureza do conhecimento histórico e das práticas essenciais de sua produção e difusão”, na prática dos cursos essa preocupação não é demonstrada, pois coloca referências à Didática, e à difusão dos conteúdos somente no final do curso, principalmente, na disciplina de Estágio.

A partir da análise dos PPC dos cursos de História no Brasil, a autora supracitada coloca três modelos de atuação em relação ao ensino de História, quais sejam: Modelo de responsabilidade especializada, no qual as disciplinas de Prática de Ensino estão a cargo de professores do curso de História; Modelo da responsabilidade partilhada, em que a carga horária de PPC é organizada como disciplinas específicas – como no modelo anterior – e a outra parte diluída na grade; Modelo de não responsabilidade do historiador com o ensino, em que as disciplinas pedagógicas são transformadas em PPC, ou as disciplinas de pesquisa histórica são transformadas em PPC. Dentro desses modelos, a autora destaca que as concepções de história dos currículos é predominantemente quadripartite – História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea – acrescentando também o predomínio da História do Brasil, América e Local. Já nas concepções para formação de professores predomina a defesa de indissociabilidade entre ensino e pesquisa, mas não a dicotomia entre teoria e prática, e mesmo essa concepção sendo lugar comum a todos os cursos, o como fazer essa articulação é escasso nos Projetos (FERREIRA, 2015).

Portanto, percebemos que mesmo prevista na legislação essa indissociabilidade, muitos cursos relegam somente às disciplinas de ensino ou ao próprio Estágio, a responsabilidade de formar o professor de história, já que as outras disciplinas, nesse viés, formam somente o historiador. Isso reflete de forma acentuada na concepção que o próprio graduando tem do que é saber história e o que é ensinar História, que na formação do professor não podem estar dissociados.

13 Levantamos a seguinte questão: para construir e ensinar a história em um museu, por exemplo,

O que se espera então do professor de história hoje? E quais desafios têm sido colocados às suas práticas?

Acompanhamos Perrenoud (2002) quando o mesmo evoca que não é possível formar professores sem fazer escolhas ideológicas. Primeiro, no âmbito da universidade, no qual escolhemos os professores que queremos ser; depois, ainda na universidade, optamos por quais caminhos seguir e selecionamos o que ensinar; dessa forma, essas escolhas se refletem nos graduandos, que também estão se formando professores, e que são protagonistas desse processo, atores da sua própria formação, como salienta Antônio Nóvoa (1992).

De acordo com Tardif, o professor é constituído de diferentes saberes, sendo esses: os saberes profissionais, transmitidos pelas instituições de formação de professores; os saberes pedagógicos, que se apresentam como concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa; os saberes disciplinares, que correspondem aos saberes dos diversos campos de conhecimento, e que se encontram no interior dos cursos; os saberes curriculares, aqueles que dizem respeito aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos institucionalizados e categorizados pela escola; e os saberes experienciais, que são próprios dos professores e da prática de sua profissão (TARDIF, 2012, p. 36-39, grifo nosso).

E é a articulação desses saberes que tanto se discute na formação dos professores. Como fazer se professores de áreas específicas do conhecimento não tiverem um olhar para a formação docente, e somente para a formação do pesquisador? Como fazer se a formação inicial carece de uma maior aproximação com a escola pública e com algumas realidades quase impossíveis de serem vividas somente no âmbito da graduação? Como fazer essa articulação se a rotina desgastante dos professores, muitas vezes os desmotivam a ensinar aos graduandos que chegam às escolas? Essas e outras questões são essenciais para refletirmos nossas ações, e pensarmos em quem somos e aonde queremos chegar.

Nessa esteira, também desconsideramos que os graduandos são além de tudo alunos, e que necessitam construir uma identidade docente a partir de significações que dão a profissão. Pimenta (2002) ressalta a importância do confronto entre as teorias e práticas existentes e a construção de novas teorias. Pensando nisso, o PIBID assume um papel que vai além das disciplinas obrigatórias do Estágio, que possibilita ao aluno no primeiro ano da graduação estar em contato com a escola, e passar por um embate entre o que é ser aluno e o que é ser professor, a partir de suas próprias práticas. Esses alunos, em geral, têm idade

muito próxima aos alunos da rede básica, mesmo quando são estudantes do Fundamental II, por isso, algumas das discussões que se fazem acerca do perfil dos estudantes da escola, também cabem a esses jovens, principalmente em termos culturais e de acesso e familiaridade às tecnologias.

Dessa forma, sem adentrar ainda na concepção do PIBID, antes, pensamos ser necessário abordar também a Educação nesta segunda década do século XXI, já muito diferente da primeira. Antonio Nóvoa (2014) aponta três revoluções na Educação ao longo da história: a Revolução da Escrita, a Revolução da Impressão e a mais recente, a Revolução Tecnológica14. A última é um dilema que enfrentamos

na contemporaneidade, considerando que os alunos têm outra forma de pensar o mundo, outra relação com o conhecimento e diferentes modos de se relacionarem com o outro. Nomeamos aqui o dado momento como “Era smartphone”, em que essas relações supracitadas se tornam ainda mais complexas e difíceis de mediar. Esse é um dos dilemas a se pensar acerca da formação inicial.

Como já salientamos acima, não é possível formar professores sem realizar escolhas ideológicas, já que “[...] as finalidades do sistema educacional e as competências dos professores não podem ser dissociadas tão facilmente” (PERRENOUD, 2002, p. 12). Por isso, também não é possível dissociar a formação de professores de todo o contexto social, político e econômico vivido, pois essa acaba sendo fruto de tais problemáticas. Em eras de “notório saber”15, digital

influencers16 e youtubers – que têm uma relação problemática com o conhecimento, pois, muitas vezes, são fontes de acesso que não tratam do conteúdo a partir de um conhecimento acadêmica ou socialmente construído, mas sim, por diferentes vias, que não abordam de forma fundamentada e argumentativa os conteúdos históricos. Portanto, é necessário reafirmar cada vez mais a profissão docente, e reforçar a primordialidade em lutar por essa profissão e pelos frutos que ela proporciona – cidadãos mais conscientes do mundo em que vivem, e que veem na história uma disciplina que possibilita sua emancipação.

14 Trecho de palestra ministrada por Antonio Nóvoa na conferência realizada no III Encontro do PIBID

UNESPAR em Matinhos e Paranaguá – PR, em 26 de setembro de 2014. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=r4Vz_-nm5QQ>.

15Proposta colocada pela Medida Provisória nº 746, intitulada “Reforma do Ensino Médio”, em seu

art. 61, que autoriza profissionais com “notório saber” reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput art.36. (BRASIL, 2016).

16 Os influenciadores digitais são pessoas ligadas às mídias sociais, principalmente Youtube,

Instagram, Twitter, e Facebook, que exerce poder de influência sobre seus seguidores e leva-os a

formar opiniões e se engajar nos mais diversos assuntos a partir de suas publicações/vídeos. (VISCONDE, 2016).