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Decisão compartilhada e a teoria do apego

Ainda nesse panorama da decisão compartilhada, pode-se discutir o apego adulto, conceituado na teoria do apego de John Bowlby. De acordo com esse autor, na primeira infância o comportamento de apego caracteriza-se pelas ações da pessoa em alcançar ou manter a proximidade com um indivíduo específico e considerado como mais apto para lidar com o mundo (BOWLBY, 1989). Logo, tenta-se buscar e usar esse indivíduo como uma referência de base segura para explorar o desconhecido e como refúgio de segurança nos

momentos de medo (MAIN, 2001). Vale enfatizar que a criança está apegada ao seu cuidador, mas esse não está de forma recíproca apegado a ela, isso porque o fim primário dessa relação é atender às necessidade da criança. O apego adulto, por sua vez, é definido como a tendência do indivíduo em fazer esforços importantes a fim de procurar, manter proximidade e contato com uma pessoa ou pessoas específicas, que ofereçam potencial subjetivo para segurança física e/ou psicológica (SPERLING; BERMAN, 1994) – diferentemente do apego de infância, esse tipo de apego envolve maior reciprocidade. Essa tendência do adulto, de acordo com Bowlby (1990), é regulada pelo que ele denomina de modelos operativos internos, que se configuram como representações das experiências da infância relacionadas à percepção do ambiente, de si mesmo e do outro. Esses modelos não são estáticos e imutáveis e podem ser modificados e transformados a partir das experiências vividas; são construídos e se traduzem em algumas crenças e práticas consequentes delas. Neles, o indivíduo conta para si mesmo quais ferramentas e habilidades possui para lidar com as coisas da vida. Por conseguinte, acabam por guiar o comportamento da pessoa em relação às pessoas e situações.

No contexto de compartilhamento de decisão sobre cuidados paliativos e objetivos de tratamento e limitações terapêuticas para o paciente, os membros da rede familiar sentem-se com sua segurança ameaçada, já que percebem esse momento como uma possibilidade de morte iminente. Em razão das peculiaridades de estresse desse período, o apego adulto dessas pessoas será ativado e a forma como ele se apresentará e se configurará vai variar de acordo com o modelo operativo interno de cada um, correlacionado ao contexto das relações e pela interação entre os indivíduos (SPERLING; BERMAN, 1994). Logo, pode-se pensar que indivíduos com apego seguro, os quais tiveram suas necessidades atendidas na infância, se sentido seguros e sabendo que tinham uma figura que fornecia proteção e segurança (AINSWORTH, 1991), tornaram-se pessoas com um nível de organização maior, primordial para a situação de tomada de decisão. Além disso, pode-se pensar que tais pessoas terão uma tendência a serem mais empáticas e abertas às discussões com a equipe sobre a melhor conduta a ser seguida em relação ao paciente. No caso de pessoas com o apego inseguro ambivalente, ou seja, aquelas com um padrão de apego inseguro, caracterizado por situações em que suas necessidades foram atendidas em alguns momentos, mas em outros não, o que pode ter provocado falta de confiança em relação aos cuidadores, cuidados, disponibilidade e responsividade (AINSWORTH, 1991), pode-se pensar em uma tendência à ambivalência em relação às discussões com a equipe quanto aos cuidados paliativos. Em outras palavras, essas pessoas apresentam-se mais desorganizadas, oscilando em relação à confiança na equipe, procurando-a e escutando-a em alguns momentos, mas em outros afastando-se. Já para

aqueles com um padrão de apego inseguro evitativo, os quais não tiveram suas necessidades atendidas na infância, tornando-se, muitas vezes, adultos autossuficientes (AINSWORTH, 1991), pode-se pensar em uma tendência a uma relação mais distante com a equipe. Esses não estão claramente abertos às discussões sobre condutas, preferindo resolver por si mesmos as questões em pauta. Por fim, para os indivíduos que têm apego desorganizado, os quais tiveram experiências negativas durante o seu desenvolvimento na infância (fatores de risco, como abuso ou maus-tratos, entre outros) (AINSWORTH, 1991) e que, na vida adulta, em situações de estresse vivenciam um conflito sem conseguir manter a estratégia adequada para lidar com a situação que os assusta (MAIN, 2001), pode-se pensar que eles têm um alto grau de desorganização, incompatível com a situação de tomada de decisão, havendo uma tendência a se mostrarem perdidos e sem referências da melhor conduta a ser tomada em relação ao paciente.

3 O PROCESSO DE LUTO E SUAS IMPLICAÇÕES

Houve um tempo em que o nosso poder perante a morte era muito pequeno. E por isso os homens e mulheres dedicavam-se a ouvir a sua

voz e podiam tornar-se sábios na arte de viver.

(ALVES, 1991)

A autora do presente estudo considera que definir, conceituar e discutir o luto é uma tarefa difícil que exige explorar diversos âmbitos: a própria definição de luto e as discussões acerca disso; o fenômeno do processo de luto e suas dimensões; os fatores de risco e proteção para o desenvolvimento do luto complicado; a construção social que vem patologizando a experiência do luto e a sua inserção no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição – DSM-V (2013); e as novas vertentes para o luto em relação a sua vivência. Faz-se relevante sempre considerar tais questões em relação a um contexto sociocultural e espiritual, uma vez que vão contribuir para a construção do significado da experiência do rompimento de vínculo significativo.

Para discutir as definições de luto, a autora utilizou as discussões da literatura, incluindo autores como Stroebe et al. (2008), cuja obra apresenta os termos bereavement, grief e mourning. Compreende-se que o primeiro termo refere-se a uma situação objetiva de perda de alguém significativo por morte e à própria vivência do processo de luto, sendo algo mais amplo. Nesse sentido, discute-se como definir quando alguém é significante. O termo bereavement está associado a um intenso sofrimento (distresss) para a maioria das pessoas. Grief, por sua vez, é definido como uma reação emocional negativa e primária, no nível afetivo, decorrente da morte de alguém que é significativo; tal reação envolve as esferas cognitiva, social, cultural, bem como manifestações físicas. Os sintomas e comportamentos devem ser considerados de acordo com a personalidade e cultura da pessoa, e podem ser diferentes de uma cultura para a outra – o que é aceitável e considerado moralmente correto em um grupo pode não ser considerado da mesma forma em outro grupo cultural. O termo grief refere-se a uma reação normal e natural. Trazendo essa expressão para o português, a autora o compreende como o pesar. Mourning é definido como uma expressão pública do grief (pesar), que no entendimento da pesquisadora seria o luto em si. Envolve expressões sociais, rituais de uma sociedade ou cultura (muitas vezes de cunho religioso). Contudo, nas discussões acadêmicas, a autora teve o entendimento que grief e mourning representam a

mesma coisa (percebe-se como uma tradução equivocada do que Freud escreveu em “Luto e Melancolía” [1917]): o processo de luto do indivíduo consigo mesmo, menos amplo que o bereavement, ou seja, o que se vive e o que se expressa, respectivamente. De acordo com Parkes (1998), a ansiedade da separação constitui-se como a dor do grief (luto), pois está relacionada com o pesar e com a experiência que está sendo vivida.

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