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Novas vertentes para o luto em relação a sua vivência

Com base nessas revisões sobre o processo de luto, entende-se hoje que, segundo o modelo de processo dual (STROEBE; SCHUT, 1999), o luto deve ser vivido e orientado pela perda e ao mesmo tempo orientado pela reparação, ou seja, concomitante à vivência da perda, em que o enlutado lembre da pessoa, olhe fotos e roupas, retome suas atividades, retorne aos

ambientes em que circulava, em um processo de construção de significados (GILLIES; NEIMEYER, 2006), em que há revisão da própria identidade, das relações pessoais e com o falecido e até de crenças e valores (FRANCO, 2010). Logo, não é preciso romper o vínculo definitivo com o ente que se foi, retirando objetos e lembranças; é possível ter um vínculo contínuo saudável, por meio do qual pode revisitar retratos, recordações, músicas e situações (KLASS; WALTER, 2001). Tal situação configura-se diferente de um processo de luto em que o indivíduo cultua e vive como se o ente ainda estivesse vivo. Compreende-se que essas vertentes propiciam a vivência do luto de forma individual e singular, contribuindo para a sua não patologização.

A discussão a respeito da vivência do luto no contexto dos cuidados paliativos, mais especificamente, traz consigo particularidades importantes: o luto antecipatório da equipe e unidade de cuidado. O luto antecipatório permite que a pessoa viva e experimente a perda sem ela ter ocorrido efetivamente. Nesse sentindo, propicia ao enlutado a possibilidade de refletir e elaborar questões e escolhas da vida que têm um significado. Logo, permite as despedidas, a resolução de pendências, o início da construção de novos significados, identidades e relações (GILLIES; NEIMEYER, 2006). Conforme salienta Hudson et al. (2012), consonante com o contexto e vivência dos cuidados paliativos, há uma exigência atual de diretrizes relacionadas ao luto e suporte psicossocial nessa área em relação a orientação e educação sobre o luto para a unidade de cuidado: alega-se que familiares que estejam física e emocionalmente bem têm menos chances de ficarem hospitalizados, o que influencia no aspecto econômico do sistema de saúde, e têm mais condições de cuidar dos entes doentes, sendo, pois, mais eficientes no controle de sintomas quando o paciente está em acompanhamento domiciliar. Além disso, familiares cuidadores tendem a ter prejuízos financeiros e a ficarem isolados, por isso a importância do suporte psicossocial. O acompanhamento pós-óbito previsto nas diretrizes, mais especificamente, prevê o planejamento de um plano de cuidados para os familiares e atenção ao processo de luto. Isso possibilita que as pessoas, mesmo distantes da equipe de saúde, possam autogerenciar as suas vivências e reconstruções. De acordo com Hudson et al. (2012), garantir que as necessidades dos familiares sejam devidamente avaliadas está entre os dez marcadores de qualidade de fim de vida.

4 FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM RELAÇÃO AO PROCESSO DE MORRER E DE MORTE

Discutir a respeito de cuidados paliativos e luto é também abordar a questão do final de vida de forma mais específica – atualmente se fala de cuidados paliativos e cuidados em final de vida. Mas de que maneira dissertar sobre um dos maiores tabus da humanidade, quando se valoriza o humano ativo, em vida, em transformação? Como sabiamente diz Rubem Alves, falar de morte é falar de vida. Logo, de forma clara e não obscura, a autora discutirá sobre a morte e o processo de morrer e o profissional de saúde diante disso – bem como a influência dessa relação na assistência à unidade de cuidado, que é o foco deste estudo. A autora não negligencia e compreende que o preparo do profissional em situações de final de vida é importante para ele enquanto pessoa e na sua atuação associada aos seus valores e crenças, levando em consideração, por exemplo, as doenças que podem decorrer da atividade laboral, como burnout, quadros de depressão, ansiedade e dependência química.

Sabe-se que nos dias atuais, a morte, que no século XIX era considerada bela e um sublime repouso, tal qual uma possibilidade de significar um reencontro com o ser amado, é percebida como um fracasso, que deve ser escondida, ocorrendo, na maioria das vezes, em instituições de saúde. Kovács (2010a, p. 39) afirma que

pacientes terminais incomodam os vivos e principalmente os profissionais de saúde pelas suas atitudes, seja de revolta, de dor, ou de exigências, seja porque se viram para a parede, dão as costas à vida, desistem de viver, ou melhor, de morrer aos poucos.

Observa-se que o significado da morte e como ela é percebida, é um construto sociocultural, político e por que não, econômico? Isso quer dizer que envolve leis, valores, recursos humanos e dinheiro. A morte é igual para todos, mas a forma como ela ocorre não. Mais do que isso, a morte, que é um processo, pode ser vivenciada de diferentes formas a depender da classe social, poder aquisitivo, personalidade e tantas outras variáveis. Por conseguinte, está-se falando de fatores extrínsecos e intrínsecos. Em relação às questões internas, estudo realizado por Forte (2011), com médicos intensivistas das onze UTIs do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-FMUSP) investigou as associações entre características dos médicos e a variabilidade de condutas em fim de vida em UTI. Para tanto, foram apresentados dois casos clínicos, nos quais os médicos eram solicitados a dizer o que fariam e por que, sendo investigados também seus valores. Os resultados demonstraram que idade, interesse e educação em cuidados paliativos estão relacionados à variabilidade de

condutas no final de vida. Constatou-se que 44% dos médicos agem de forma diferente daquilo em que realmente acreditam, utilizando mais de suporte avançado de vida do que julgam necessário, com receio de problemas de ordem legal. Nesse sentido, pode-se questionar o quanto os profissionais de saúde estão preparados e orientados para lidar com a morte, com o processo de morrer e as decorrências do mesmo no seu dia a dia, e o quanto, em suas formações, foram munidos de conhecimento e experiência para lidar com tais situações. Esses questionamentos convergem com indagações relacionadas aos processos de educação e à necessidade de tal conhecimento. Afinal, educação para a morte beneficiará quem? Quais instituições da vida? Qual é a sua importância e influência na vivência de doenças, tratamentos e hospitalizações?

O espectro alcançado (e que vem alcançando) pelos cuidados paliativos e cuidados em final de vida compeliu a necessidade de diretrizes que guiem os cuidados. No Brasil, mais especificamente, um fato alarmou a sociedade, confirmando mais uma vez a necessidade desses tipos de sistematizações. Pesquisa realizada pela consultoria Economist Intelligence Unit e publicada pela revista The Economist, em 2010, coloca o Brasil em 38º lugar em um ranking de 40 países quando o assunto é qualidade de morte. O país fica à frente apenas da Uganda e da Índia, ou seja, somos comparados a países que têm poucos recursos (The Economist, 2010). O Reino Unido, por sua vez, que tem uma cultura bastante forte em relação aos cuidados paliativos, está em primeiro lugar no ranking. O que está faltando então? Políticas públicas e, consequentemente, educação em cuidados paliativos e final de vida, acredita a autora; isto é, compreender o que é uma morte humanizada, digna, sem sofrimento a partir do outro, por isso a importância de ouvir a unidade de cuidado (PINHEIRO et al., 2010). No que tange ainda às diretrizes, principalmente àquelas relacionadas a suporte psicossocial e de luto (citadas anteriormente), não existe nada formalizado como o melhor modelo a seguir, porém há uma crescente atenção relacionada a esses aspectos. A exemplo disso, pode-se verificar as diretrizes de suporte psicossocial e de luto para cuidadores familiares de paciente em cuidados paliativos desenvolvidas por um grupo de pesquisadores australianos, que contaram com um criterioso método de investigação, incluindo o processo Delphi, análise de especialistas do mundo inteiro, entre outros. Ao todo são vinte diretrizes, sendo dez diretamente relacionadas à preparação para a morte e ao suporte no processo de luto (antecipatório e pós-óbito) (HUDSON et al., 2012). A elaboração de tal documento é mais uma confirmação da necessidade ascendente de preparo dos profissionais de saúde em relação ao processo de morrer do paciente.

No que tange à formação dos profissionais de saúde em relação ao processo de morrer, Kovács (2003) pontua, principalmente na área médica e da enfermagem, uma maior valorização do saber técnico em relação à formação humanista, o que afasta o tema da morte como foco de aprendizado. Outros estudos confirmam isso. Pesquisa realizada no Rio de Janeiro (LIMA; BUYS, 2008) analisou a opinião de alunos dos últimos períodos dos cursos de Enfermagem, Medicina e Psicologia com relação ao preparo deles para lidar com a morte e a participação da formação nesse manejo. Além disso, avaliaram-se as grades curriculares e a presença do assunto nas disciplinas. Constatou-se que o tema da morte é pouco abordado na formação desses profissionais e que a graduação contribui de forma escassa para o preparo na morte e morrer do indivíduo. O levantamento da literatura científica dos últimos cinco anos sobre o tema da morte na formação da Enfermagem também foi objeto de pesquisa (SANTOS; BUENO, 2011). Os resultados demonstraram que os discentes não são preparados para lidar com a morte do seu dia a dia. Outro estudo que converge para o que tem sido apresentado realizou um monitoramento da formação acadêmica do aluno do curso de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão (GURGEL; MOCHEL; MIRANDA, 2010). Constatou-se que existe uma formação voltada para o tema da morte, porém é considerada insuficiente, sendo necessário um aperfeiçoamento na prática profissional. Tal pesquisa apresentou um argumento interessante: o afastamento acadêmico da tanatologia pode ser reforçador de práticas supersticiosas e obstinadas. Essa análise pode ser associada ao que Forte (2011) traz quando verifica que a variabilidade de condutas em final de vida em relação a suporte avançado de vida está relacionada à educação em cuidados paliativos. Essa visão elucida a importância de se ter conhecimento sobre futilidade terapêutica e práticas obstinadas.

No encontro dos resultados citados previamente, estudo realizado com profissionais que atuam em UTI, para avaliar o preparo e formação quanto aos cuidados paliativos (MACHADO; PESSINI; HOSSNE, 2007), revelou que se faz urgente a inserção desse tema nas grades curriculares, o que permitirá e auxiliará reflexões sobre questões de final de vida e bioéticas para a melhor tomada de decisão sobre objetivos de tratamento e limitações terapêuticas frente a pacientes com doenças/condição crônica progressiva e limitantes da vida.

Em relação à Psicologia, esta se aproximou da temática da morte ao ser inserida no trabalho em hospitais, postos médicos, escolas, organizações, emergências e situações de catástrofes que têm atingido os seres humanos (KOVÁCS, 2003).

Atualmente, ainda segundo Kovács (2003), existem alguns cursos no Brasil e no exterior direcionados a psicólogos, assim como alguns laboratórios de estudos e pesquisas

sobre morte e luto, como por exemplo o Laboratório de Estudos sobre o Luto (LELu), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e o Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), na Universidade de São Paulo. Ainda de acordo com essa autora (KOVÁCS, 2005; KOVÁCS, 2008), a educação para morte direcionada a profissionais de saúde deve contemplar os seguintes aspectos:

Sensibilização para que o aluno atente para sentimentos e pensamentos relacionados a temas abordados no curso.

Variedade de abordagens teóricas que tratem do tema da morte.

Reflexão sobre a prática profissional, associando aspectos cognitivos e afetivos, na busca de significados individual e coletivo.

Em relação aos cuidados paliativos, mais especificamente, são escassos os estudos sobre educação para morte direcionados aos profissionais que compõem a equipe. Kovács (2003) afirma que em relação aos trabalhos na área de Psicologia ocorre o mesmo. Em razão disso, em 2000, já escrevera sobre o trabalho do psicólogo em cuidados paliativos, baseando- se no trabalho profissional em hospitais, com pacientes gravemente enfermos e próximos da morte, pontuando como um dos principais objetivos de trabalho a facilitação no processo de comunicação. Faz-se importante pontuar que uma equipe preparada para o processo de morrer do paciente constitui-se como um fator de proteção para um luto complicado da unidade de cuidado.

Outros estudos demonstram a preocupação atual com a melhoria da educação em relação aos cuidados paliativos e em final de vida. Uma revisão realizada por Block (2002) identifica as abordagens que podem ser utilizadas para melhorar as deficiências reconhecidas na educação formal e informal: desenvolvimento de líderes em cuidados paliativos, melhora dos currículos, criação de padrões e processos de certificação de competências, criação e melhora dos recursos educacionais para educação em final de vida, desenvolvimento do corpo docente, novos espaços para educação, melhora dos livros-texto e bolsas de estudo para cuidados paliativos.

Para finalizar, um artigo traz um levantamento de projetos que têm se desenvolvido com o intuito de melhorar a aplicação dos princípios dos cuidados paliativos e cuidados em final de vida (GRANT et al., 2009):

End-of-life Nursing Education Consortium (ENNEC): iniciativa nacional de educação que visa melhorar o cuidado de final de vida nos Estados Unidos.

The Education for Physicians on End-of-life Care (EPEC): designado para a prática dos médicos, no sentido do desenvolvimento de competências necessárias para um manejo efetivo no cuidado de final de vida.

Disseminating End-of-Life Education to Cancer Centers (DELEtCC): projeto educativo para melhorar os cuidados paliativos e os cuidados de final de vida, treinando equipes interdisciplinares de centros de câncer.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para compreender a complexidade da construção dos significados e as percepções dos profissionais de saúde, as relações com o contexto no qual se produzem, valores e crenças, foi utilizado o método qualitativo nesta pesquisa. Embora o instrumento básico tenha sido a entrevista semiestruturada, ressalta-se que a pesquisadora não se limitou a ela, já que em diversos momentos houve uma co-construção de novos questionamentos, que surgiram a partir da resposta do participante, a qual acabava por perpassar pela experiência da autora na área. Como aponta Minayo (1994, p. 21), a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

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