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DECISÕES QUE APLICARAM A LEI MARIA DA PENHA AOS

Estado de Mato Grosso Poder Judiciário Comarca de Primavera do Leste

Vara Criminal

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Processo nº 6670-72.2014.811 Espécie: Medida Protetiva

Vistos etc.

Trata-se de requerimento para aplicação de medidas protetivas formulado por V.G.S. em desfavor de C.T., encaminhado a este Juízo pela douta autoridade policial.

Narrou a vítima perante a autoridade policial que conviveu com o suspeito pelo período de 04 (quatro) anos e que estão separados há 01 (um) mês, sendo aquele pessoa agressiva e possessiva, que após o fim do relacionamento começou a lhe proferir ameaças.

Afirmou o ofendido que o suspeito o persegue e faz rondas em seu trabalho, casa e na instituição de ensino que frequenta. Asseverou que o suspeito liga em seu telefone constantemente e que teme por sua vida, haja vista que seu outrora companheiro tem comportamento instável e disse que vai acabar com sua vida.

Embora a autoridade policial não tenha fundamentado o pedido expressamente na Lei Maria da Penha, qual seja, a Lei n. 11.340/06, a vítima pugnou pela aplicação de medida ali permitida de forma expressa, qual seja: proibição de determinadas condutas, entre as quais de manter contato com a vítima.

Era o que tinha a relatar. Fundamento e Decido.

Em análise do caderno processual em exame, observo que a vítima declarou que o suspeito é uma pessoa possessiva e agressiva, que o vem ameaçando e perseguindo, inconformado com o fim do relacionamento amoroso que mantinham. Constata-se que as condutas ilícitas relatadas enquadram-se nas hipóteses a que se aplicam as medidas previstas na Lei nº 11.340/2006, conforme prescreve seu artigo 5º,

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inciso III, in verbis:

“Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, violência doméstica e familiar contra a mulher

qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por

indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha

convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”

Não obstante o diploma legal em comento atina expressamente a violência doméstica e familiar contra a mulher, entendo, no lastro da mais atualizada doutrina a respeito da matéria, que é possível sim conceder medida protetiva de urgência prevista de forma expressa na Lei n. 11.340/06 a qualquer pessoa que esteja vulnerável em razão de espécie de violência doméstica e familiar. Aludido permissivo se pauta, de igual modo, no poder geral de cautela do magistrado, de forma a salvaguardar o ofendido de possíveis investidas delituosas por parte do outrora companheiro.

Nesse sentido, colha-se a elogiosa lição de Maria Berenice Dias, segundo a qual “a Lei Maria da Penha, de modo expresso, enlaça ao conceito de família as uniões homoafetivas”, sendo certo que “o parágrafo único do art. 5º reitera que independem de orientação sexual todas as situações que configuram violência doméstica e familiar”. E acrescenta: “Como já foram mencionados anteriormente, os incisos do art. 5º da Lei nº 11.340/06 enumeram o campo de abrangência da Lei, quais sejam: âmbito doméstico, âmbito familiar ou relação íntima de afeto. É vital que se leve em consideração que, quando a lei fala de "qualquer relação íntima de afeto", ela está se referindo tanto a casais heterossexuais, quanto a casais homossexuais.” (A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

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De igual modo, ensina o Professor Luiz Flávio Gomes:

“(...) parece-nos acertado afirmar que, na verdade, as medidas protetivas da lei Maria da Penha podem (e devem) ser aplicados em favor de qualquer pessoa (desde que comprovado que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo). Não importa se a vítima é transexual, homem, avô ou avó etc. Tais medidas foram primeiramente pensadas para favorecer a mulher (dentro de uma situação de subordinação, de submetimento). Ora, todas as vezes que essas circunstâncias acontecerem (âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, submissão, violência para impor um ato de vontade etc.) nada impede que o Judiciário, fazendo bom uso da lei Maria da Penha e do seu poder cautelar geral, venha em socorro de quem está ameaçado ou foi lesado em seus direitos. Onde existem as mesmas circunstâncias fáticas deve incidir o mesmo direito (...)” (Violência machista da mulher e Lei Maria da Penha: mulher bate

em homem e em outra mulher. Disponível

em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1366047/violencia-machista-da-mulher-e-lei-maria- da-penha-mulher-bate-em-homem-e-em-outra-mulher).

Assim, no lastro dessas lições, entendo que as providências protetivas previstas de forma expressa na Lei Maria da Penha podem ser aplicadas a participantes de relações homoafetivas que, em face de espécie de violência doméstica, estejam vulneráveis, conforme restou evidente ocorrer no caso ora submetido à apreciação.

É certo que a Justiça não pode se omitir e negar proteção urgente, mediante, por exemplo, a aplicação de medidas de urgência previstas de forma expressa na Lei n. 11.340/06, a um homem que esteja sendo vítima de ameaças decorrentes do inconformismo com o fim de relacionamento amoroso, estando evidente o caráter doméstico e íntimo de aludida ocorrência, tudo a ensejar a pretendida proteção legal.

De fato, as medidas protetivas previstas na lei em questão podem ser aplicadas em favor de qualquer pessoa vítima de violência em âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, sendo certo que aludidas providências, a priori, tem natureza jurídica cível. Assim, não se pode falar em vedação de analogia prevista no Direito Penal.

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À luz desses fundamentos, afigura-se possível a concessão das medidas protetivas pleiteadas, em harmonia com o estabelecido na legislação mencionada.

É certo que o artigo 22 da Lei nº 11.340/2006 estabelece o que segue:

“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,

nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao

órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o

limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de

comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física

e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a

equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras

previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.”

Por tudo quanto foi exposto, DEFIRO a concessão das medidas protetivas pleiteadas pelo ofendido nos seguintes termos:

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a) aproximar-se do ofendido ou de qualquer lugar onde ele esteja, devendo manter distância mínima de 200 (duzentos) metros deste, ficando proibida igualmente qualquer espécie de contato com a vítima, por qualquer meio de comunicação.

O ofendido deverá ser notificado acerca dos atos processuais relativos ao agressor.

Fica autorizada a requisição de força policial visando garantir a efetividade das medidas protetivas, caso necessário.

Intimem-se ambas as partes, ao Ministério Público, bem como oficie- se à autoridade policial acerca da presente decisão.

Cumpridas as finalidades deste feito, arquive-se com as baixas de estilo. Fica autorizado o Gestor Judiciário a assinar os documentos necessários para o cumprimento desta decisão.

Cumpra-se com URGÊNCIA, SERVINDO A PRESENTE COMO MANDADO.

Primavera do Leste/MT, 29 de julho de 2014.

Aline Luciane Ribeiro Viana Quinto Juíza de Direito em substituição legal

Vistos.

E. S. N. postula que lhe seja concedida medida protetiva por conta de agressão sofrida e ameaças proferidas por A. A. F., pessoa com quem sustenta ter tido um relacionamento amorosos por mais de um ano.

A Lei 11.340/2006 originalmente visou proteger as mulheres contra a violência doméstica conforme o claro comando de seu art. 1º.

Alguma celeuma rendeu o texto legislativo por conta da leitura apressada em cotejo com o art. 5º, I, da Constituição Federal que iguala homens e mulheres em direitos e obrigações. Hermenêutica açodada poderia levar ao dilema que a lei não poderia criar um privilégio, no caso o amplo sistema protetivo, apenas à mulher.

Todavia, a denominada Lei Maria da Penha não é caso isolado na legislação brasileira. Tratar de forma diferenciada é justamente instrumento para igualar. O direito ao bem estar, visto isso em um conceito por demais ampliado, é o mesmo para todos. Como os indivíduos não são iguais, a lei pode ser instrumento a garantir meios diferenciados aos desiguais justamente para atingir a igualdade.

O raciocínio ainda merece evolução, contudo, até por conta de que a Lei 11.340/2006 concebeu uma série de instrumentos protetivos extremamente pertinentes à pacificação social, abandonando o falido sistema do Juizado Especial Criminal, então exclusivo, de ênfase demasiada no acordo, meio mais fácil, mesmo em situações de violência, com a mínima força coativa do Estado.

A mulher é inegavelmente vítima histórica da violência. O comando masculino até os dias atuais, ou ao menos até recentemente, acabou relegando o indivíduo feminino a um papel de submissão na sociedade.

Tal consideração merece ser feita para se lançar em seguida a afirmação também verdadeira de que a mulher foi vítima por ser mais fraca na posição social, na estrutura jurídica ulterior aos limites do direito de família, pelos compromissos atinentes à maternidade e, não se olvide, pela própria desigualdade física.

Destarte, não é só a mulher que sofre violência. Todo aquele em situação vulnerável, ou seja, enfraquecido, pode ser vitimado. Ao lado do Estado Democrático de Direito, há, e sempre existirá, parcela de indivíduos que busca impor, porque lhe interessa, a lei da barbárie, a lei do mais forte. E isso o direito não pode permitir!

Dessa visão do direito como mecanismo legítimo para alcance da paz social, há de se buscar o mandamento da Magna Carta de que “todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, “caput”) na sua correta exegese, a de que, em situações iguais, as garantias legais valem para todos. Vale dizer, portanto, de que todo aquele vítima de violência, quando mais de ordem doméstica, merece a proteção da lei, ainda que evidentemente do sexo masculino.

A seu turno, a vedação constitucional de qualquer discriminação e mesmo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, insculpido no art. 1º, III, da Carta Política, obrigam que se reconheça a união homoafetiva como fenômeno social, merecedor não só de respeito como de proteção efetiva com os instrumentos contidos na legislação.

Nesse quadro, verifica-se com clareza que E. S. N., enquanto sedizente vítima de atos motivados por relacionamento recém findo, ainda que de natureza homossexual, tem direito à proteção pelo Estado prevista no direito positivo.

Isso posto, reconheço a competência do Juizado de Violência Doméstica, inserido nesta Segunda Vara Judicial, decreto a medida protetiva de proibição a A. A. F. de aproximar-se a menos de 100 metros de E. S. N. e determino a reunião com o processo 2.10.0002235-6, investigativo que tomará o procedimento da Lei 11.340/2006.

Intimem-se. Expeça-se alvará de salvo-conduto. Apensem-se. Em 23/02/2011

Osmar de Aguiar Pacheco, Juiz de Direito.