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Na década de 1930, o modelo cultural francês começa a perder força e entra em cena o modelo norte-americano. Principalmente depois da Segunda Guerra, o interesse da França pela América Latina diminui e vice-versa. Os laços culturais e comerciais vão ficando, a cada dia, mais frágeis; é o fim de uma parceria. Como afirma Rolland: “O modelo francês parou progressivamente de ser considerado como um modelo universalista, contraindo-se em sua dimensão simples de modelo nacional”.136

Rolland pensa que não existe nenhum modelo cultural que resista à ação do tempo, independente de sua tendência, ou seja, que os modelos culturais estão fadados ao esgotamento, mesmo que tenham coexistido por longo prazo:

Todo modelo cultural, mesmo aquele com tendência universalista, é perecível: sua durabilidade e validade são limitadas, no entanto, é aí que se encontra seu principal interesse: “o naufrágio é sempre o momento mais significativo”, escrevia Fernand Braudel.137

A França, em especial Paris, a Cidade Luz, é empregada como referência cultural e educacional; aponta para artigos de luxo; é modelo de princípios políticos como o Iluminismo, entre outros. Assim, o modelo cultural francês é adotado na América Latina durante o século XIX e o início do século XX. Mas, seu predomínio cede lugar à expansão americana, e às relações franco-latinas se resfriam. Para Rolland, a questão que interessa, nesse contexto, é:

A questão nos dias de hoje é, talvez, saber o que se deve fazer com esses restos do passado. Em que medida é oportuno tentar vivificar, ou, sobretudo, instrumentalizar essas lembranças de um passado faustoso, na hora, mais ainda que da globalização, de uma construção européia que tarda em instalar estruturas comuns de cooperação cultural e política exterior.138

Essa influência cultural francesa é sentida e vivida por uma parcela muito estreita da sociedade latino-americana e, dentre ela, a brasileira. A elite local, aquela que possui

135BAUDOUIN, op. cit. nota 42, p. 20. 136ROLLAND, op. cit. nota 35, p. 294.

137ROLLAND, op. cit. nota 35, p. 294-295. (grifos do autor). 138id., ib., p. 297.

condições sócio-econômicas para adotar uma educação européia, na verdade, representa o recorte francófilo latino-americano. Como bem alerta Rolland:

Ademais, cada vez que o historiador toma ao pé da letra o discurso ligado à “influência francesa”, essa percepção pensada pelos franceses é uma atitude seriamente errônea: um francês é, quase que implicitamente, levado a encontrar somente (e a só ter trocas significativas) com a parte francófila – ou pelo menos a parte aberta para a Europa – das elites. E, quanto mais esse francês é conhecido, mais importantes são as possibilidades de que ele só perceba o que tenham querido mostrar-lhe.139

O importante dessa conclusão, apontada por Rolland, é que os efeitos da relação Brasil-França são sentidos por uma fatia muito pequena do que significa então a América Latina. A elite, grupo restrito, não representa integralmente o mosaico étnico-cultural da população latina. As trocas e intercâmbios culturais se passam entre as elites intelectuais francesa e brasileira, havendo essa última, aos poucos, se apercebido do declínio do modelo francês.

Na década de 30, as críticas contra a superioridade da França são cada vez mais latentes, e os jornais passam a expor os interesses comerciais subjacentes às missões universitárias e militares, destinadas ao Brasil. Embora a França tenha saído vitoriosa da Primeira Guerra Mundial, as conseqüências do conflito são sentidas nos âmbitos político, econômico, social e científico. De acordo com análise de Denis Rolland: “nas disciplinas científicas, o destino francês depois da guerra já está claramente ultrapassado por outros países, a Alemanha ou os países anglo-saxões, mesmo no caso de uma disciplina em que o prestígio continua existindo: a medicina”.140

Quanto mais se aproxima o final da década de 30, mais diminui o número de professores franceses na América Latina. E, mesmo nos tempos de maiores intercâmbios culturais, a América Latina nunca se transforma em um prolongamento da Europa, ou em sua herdeira natural. É, isto sim, “o local de uma aculturação, de um desvio”.141 Sem dúvida, a França é a grande beneficiária de todo esse processo, não apenas pela influência que exerce, mas também pelas vantagens econômicas conquistadas com esse mercado cultural.

139ROLLAND, Denis. A crise do modelo francês: a França e América Latina, política e identidade. Brasília: UnB, 2005. p. 129.

140Id., ib., p. 172. 141id., ib., p. 214.

A noção de centro cosmopolita, de superioridade cultural e de mundo civilizado, defendida pela França, na visão de Rolland, está centrada em três vértices: “Muitos intelectuais e diplomatas franceses permanecem imbuídos de uma axiomática superioridade cultural, acampada atrás de três muralhas: o voluntarismo, o etnocentrismo e a ignorância”.142

Na análise de Rolland, o voluntarismo, o etnocentrismo e a ignorância são as estruturas que mantêm viva a idéia de superioridade cultural. Primeiro, porque os professores franceses, que são enviados a qualquer parte do globo, com a missão de lecionar o idioma francês, vão por livre e espontânea vontade, não sendo obrigados a fazê- lo. Há o etnocêntrico, porque esses agentes se vêem como o centro da civilização, tendo como missão salvar os países menos favorecidos das trevas culturais. E, por último, porque há a ignorância, facilmente percebida pela própria conotação que o termo superioridade cultural traduz.

Para favorecer ainda mais o declínio do modelo francês, os agentes não deixam de poder contar com o apoio das instituições católicas, que passam a representar uma faca de

dois gumespara a expansão cultural francesa, pois são contrários à idéia de república laica, não admitem a separação entre poder espiritual e temporal, e fazem franca oposição às disposições governamentais francesas.

Nos anos 30, o pan-americanismo ganha força, e os países latinos voltam-se, cada vez mais, para a influência norte-americana. Mais tarde, com o início da Segunda Guerra e o fracasso da França, devido a fácil invasão alemã a Paris, em junho de 1940, acabam-se as últimas tentativas de aproximação ou reaproximação entre latinos americanos e franceses. Como afirma Rolland: “Na América Latina, a derrota da França em junho de 1940 e a invasão de seu território provocam em primeiro lugar entre os franceses expatriados, assim como entre as elites francófilas locais, uma impressão de vazio cultural”.143

Até o início da Segunda Guerra, o governo francês não tem um caráter autoritário; é um exemplo político para muitos países da América; mas, depois da derrota sofrida pela França em 1940, o governo Vichy passa a assumir uma postura antidemocrática, recebendo críticas de muitos países latinos, com exceção do Brasil, visto que a imprensa no Estado

142ROLLAND, op. cit. nota 139, p. 201. 143id., ib., p. 327.

Novo é controlada pela censura. A derrocada francesa altera a postura política do país, e leva os povos latinos a conhecerem uma nova França. Como elucida Rolland:

(...) essa presença da França Livre na América Latina limita o estreito domínio de formação possível de uma nova imagem da França ligada ao referencial “Vichy”. Ao ponto em que, em certos países, quem não é a favor do General De Gaulle é logo suspeito.144

Aos latinos-americanos, a imagem de uma França livre é importantíssima, pois firma os ideais iluministas, defendidos pela Revolução Francesa. No imaginário, fica retida a lembrança da França ideologicamente posicionada a favor da liberdade, da fraternidade e da igualdade.

Assim, essa decepção auxilia as intenções norte-americanas de se posicionar entre as relações América Latina/Europa e impor o pan-americanismo sobre a latinidade. No Brasil, por exemplo, os Estados Unidos podem contar, na ocasião, com o apoio de Osvaldo Aranha, representante brasileiro em Washington: “Aranha é, segundo os arquivos norte- americanos, a peça central dessa cooperação entre Rio de Janeiro e Washington (...)”.145A

França perde posições e não interessa mais a muitos dos países latinos, tais como o Brasil. Segundo análise de Rolland:

No entanto, para compreender o alinhamento político brasileiro aos Estados Unidos no que diz respeito aos assuntos europeus, trata-se também de considerar o fato de que a França não tem mais peso suficiente, mesmo depois da Liberação, para desempenhar um papel verdadeiro no cenário dos grandes da política internacional. Embora De Gaulle consiga restaurar, com a idéia de uma potência francesa, a idéia de uma política exterior independente, Paris não participa, no entanto, das decisões dos Três Grandes sobre a condução das operações militares e sobre o futuro dos países vencidos.146

A França livre não existe mais e a sua ocupação pelos alemães deixa marcas profundas, inclusive nas estruturas culturais do período. Após a Primeira Guerra, a vitória da França a aproxima dos países latinos e favorece a construção, no imaginário, de um modelo francês baseado na liberdade, na democracia e nos direitos humanos. Em contrapartida, durante e após a Segunda Guerra, a França, derrotada e humilhada, desconstrói esse modelo político e cultural e mostra a consolidação de um país, baseado num modelo político conservador, autoritário e ditatorial.

144ROLLAND, op. cit. nota 139, p. 382. 145id., ib., p. 399.

Mas o que é um modelo? O que é o imaginário? Como funcionam as representações? Utilizando o trabalho de Rolland, pode-se considerar que “modelo é a realização concreta que serve de referência”.147Pode-se, então, concluir que a França serve como referência à sociedade latina naquilo que possui de melhor em termos culturais, ou seja, as grandes produções teatrais, as óperas mais requisitadas, os grandes escritores, pensadores e artistas, entre outros. Conforme Rolland:

(...) o modelo está ligado a um conjunto – principalmente retórico mais concretamente discernível e apreciável – de representações, a imagem da França, e dele é praticamente originário. Nesse sentido, a imagem pode ser considerada como geradora do modelo.148

Esse modelo, essa referência povoa o imaginário latino durante muitos anos; é a imagem do ideal e do apropriado, como o Iluminismo, por exemplo. Os franceses utilizam essa percepção da simbologia do modelo ideal como modelo de identificação, no caso, da latinidade, fundamentando-se nos axiomas da anterioridade e superioridade cultural.

Mas o modelo francês entra em declínio, quando a modernidade política da França deixa de ser referência para a América Latina, quando não possui mais elementos novos que atraiam e instiguem o interesse desses países. Como enfatiza Rolland: “Na América Latina a França definida como país de cultura por excelência, na seguinte metade do século XIX desde 1918 é pouco a pouco percebida também como um conservatório cultural, um país de cultura não ativa”.149

O modelo universalista entra em colapso, restando à França impor-se como um modelo nacional. Além de perder espaço na propaganda e no mercado financeiro, seus traços culturais e produtos vão aos poucos desaparecendo do comércio latino. Como explica Calleja:

O livro francês, que ocupava um lugar privilegiado na livrarias latino americanas, antes da guerra, começou um lento declive devido a um acúmulo de causas confluentes: a fragilidade dos circuitos de distribuição, o desinteresse das editoras privadas em colocar em promoção seus produtos e estabelecer filiais na América,

147ROLLAND, op. cit. nota 139, p. 459. 148id., ib.

a inadaptação dos manuais franceses às necessidades locais cada vez mais nacionalistas e ao preço excessivo das obras (...).150

Em 1935, a situação da expansão francesa e, principalmente, da venda de livros decai, devido aos elevados preços e à concorrência internacional, pois os alemães reduzem em 25% os preços dos livros germânicos. Quando cai a importação das obras francesas, Dumas ainda tenta imprimir essas obras no Brasil, e Arbousse Bastide propõe-se a criar um Clube de Cultura Francesa, mas ambas iniciativas não frutificam. O livro francês torna-se, cada dia, mais caro e escasso no Brasil, apesar de lhe ser atribuída grande importância. Segundo Suppo: “A questão do livro veio a ser uma prioridade para o governo francês, ela é objeto de uma das resoluções publicadas de comum acordo pelas comissões comerciais francesas e brasileiras que se reuniram no Rio de Janeiro”.151

Na tentativa de manter as vendas de livros franceses no Brasil, o governo da França reduz as taxas de exportação, supre gradualmente as taxas de reenvio dos livros não vendidos, reduz o preço dos livros vendidos no varejo e mantém a propaganda das obras. Mas a perda de mercado do livro francês produzido na França configura-se como um caminho sem volta. Em 1939, a USP cria um serviço de gráfica universitária, destinado a imprimir as obras da universidade, em particular, as obras dos professores franceses e de seus alunos.152

Com o declínio do modelo francês, com a retirada da MMF do Brasil, com o fim das missões universitárias e com o enfraquecimento dos laços econômicos entre França e Brasil, devido às dificuldades do mercado, as relações bilaterais entre esses dois parceiros vão-se dissipando, encerrando-se, em meados de 1940, esse forte período da francofonia e francofilia brasileira.

150 CALLEJA, Eduardo Gonzáles. Instrumentos y estratégias em tiempo de conflicto: acción cultural y propaganda hacia América latina. In: ROLLAND, Denis (org). L´Espagne, La France et l´Amérique

Latine. p. 196-197.

151SUPPO, op. cit. nota 17, p. 294. 152id., ib.

1 Exército Brasileiro

Em dezembro de 1889, um decreto determina o efetivo do Exército Brasileiro em 24.877 homens, divididos entre as quatro armas: infantaria, artilharia, cavalaria e engenharia. Durante a revolução de 1893-1895, o governo chama, para engrossar as fileiras, um corpo de voluntários e os membros da Guarda Nacional. Mesmo assim, entre 1895 e 1908, o quadro do Exército não passa de 28.000 homens.1 O Estado Maior do Exército

(EME) é criado em 1896, com as seguintes atribuições, segundo Magalhães:

Promover a organização do exército, a direção e a execução das operações militares; organizar o plano geral de defesa na república, distribuição e colocação das tropas, da hierarquia militar e da composição dos quadros do pessoal do Exército; Organizar o plano geral de mobilização, de concentração e de transporte; propor ao Ministério da guerra todos os meios conducentes à instrução e disciplina das tropas.2

A primeira reforma realizada no Exército é dirigida pelo marechal João Nepumuceno de Medeiros Mallet, ministro da Guerra de Campos Sales, no período entre 1898 e 1902. Mallet reorganiza a Escola de Estado Maior, os serviços de engenharia, artilharia, saúde e intendência. Também desenvolve um programa de defesa de costa, que muito favorece a empresa Krupp na exportação de material.

O decreto n. 3.189, 6.01.1899, regulamenta as funções do EME. Seu artigo primeiro tem a seguinte redação: “O Estado Maior constitui uma repartição subordinada ao ministro da Guerra e tem a seu cargo preparar o exército para defesa da pátria no exterior e manutenção das leis interiores”.3 O artigo segundo estabelece como funções do EME: a organização do Exército e das operações militares, a definição do plano geral da defesa da nação, a formação dos quadros de pessoal e a estruturação do plano geral de mobilização, concentração, transporte, instrução e disciplina da tropa.

O EME deve encarregar-se da inspeção dos comandos e das direções gerais, no que diz respeito à disciplina e à instrução da tropa. Cabe-lhe a organização em tempos de paz e

1Correspondência de Salat, adido militar da França no Brasil, para o ministro da Guerra da França, Rio de Janeiro, 30.06.1919. Paris: Arquivo do MRE, dossiê 26, 174-2.

2MAGALHÃES, João Batista. A evolução militar do Brasil. Rio de Janeiro: Bibliex, 1998. p. 316. 3Decreto n. 3.189, 6.01.1899. Brasília: Arquivo Biblioteca do Superior Tribunal Militar.

de guerra: estudos estatísticos, missões militares, estudos dos teatros prováveis, meios de defesa, planos de campanha, mapas geográficos e topográficos, emprego das vias férreas, telegrafia e telefonia, criptografia, pombos aéreos, legislação militar, justiça militar, administração, aquisição de livros, revistas militares e técnicas.

O chefe do EME deve velar pelo cumprimento das leis militares, pela disciplina e instrução da tropa, pela intermediação entre o ministro da Guerra e os comandos das regiões militares: é ele quem propõe as medidas convenientes, define os temas para as grandes manobras, faz as viagens de inspeção, encaminha os processos militares aos tribunais, responsabiliza-se pelo relatório anual para o ministro da Guerra sobre os trabalhos desenvolvidos no ano anterior, preside comissões de promoções, nomeia conselhos de investigação e de guerra. Os adidos recebem ordens diretas do chefe de EME para o cumprimento de suas funções no exterior.

O min. Argollo, seguindo o programa de defesa de costa definido pelo governo de Rodrigues Alves de 1902 a 1906, passa então a elaborar novos regulamentos para as escolas. No mandato do presidente Afonso Pena, é escolhido para ministro da Guerra Hermes da Fonseca, principal reformador do Exército. Com a lei de 1908, fica, então, mais uma vez estabelecido o serviço militar obrigatório em tempos de paz, o que outras leis, de 1874 e 1892, já determinavam, mas que nunca fora posto em prática.