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Neste clima de militância nacionalista, surge a idéia de criação de um agrupamento das universidades francesas para o desenvolvimento de relações científicas com a América, bem como para a implementação de liceus franceses no novo continente. A diplomacia passa a auscultar as opiniões e o sentimento nacional na América Latina, examinando questões referentes à economia, à situação dos mercados, à produção e às necessidades de consumo, pois a França está interessada em aproveitar o agrupamento das universidades em ação na América Latina, para expandir seus interesses políticos, comerciais e financeiros. Como afirma Martinière:

Encontrando, graças ao agrupamento, o meio de associar os grandes centros universitários franceses e latino-americanos com empresas de interesse e de formação comum, a Universidade de Paris contribuiu para firmar a radiação cultural francesa difundindo a ideologia pan-latina.38

O groupement possui cinco eixos relevantes de ação: o diplomático, o publicitário, o financeiro, as revistas e os estudos latino-americanos na França. Mas, de maneira geral, sua atuação vai-se tornando cada vez mais diplomática que científica, devido aos interesses do

36ROLLAND, op. cit. nota 35, p. 261. 37LESSA, op. cit. nota 15, p. 377. 38MARTINIÈRE, op. cit. nota 32, p. 57.

estado francês. Segundo Petitjean: “a visão da ciência como uma atividade antes de tudo cultural e a retórica sobre a latinidade são conjugados com essa predominância da diplomacia para limitar o conteúdo do groupement”.39

A atividade cultural sobressai-se em relação à científica, porque a ação dos membros do agrupamento é diplomática, visando a um alargamento do poderio cultural francês e, não, à expansão científica e ao crescimento do conhecimento técnico. O desenvolvimento técnico-científico, e/ou a América Latina, não chega pelas mãos francesas, pois essas estão ocupadas unicamente com a ampliação de seu mercado cultural e com o aumento de sua gama de influência junto aos povos latinos, como forma de bloquear a expansão de qualquer outro país concorrente.

Não se pode deixar de salientar que a França aproveita a situação precária da educação e da cultura latina, à época, para se impor como modelo a ser seguido e para vender suas idéias e produção intelectual. A elite local, de maneira geral, deslumbrada com os requintes e bons modos franceses, permite, aceita e aplaude todo esse tipo de aculturamento a que é submetida.

Dessa forma, a França não encontra resistências para a sua ação nos países latinos. Em 1909, é criado por Gabriel Hanotaux o Comitê France-Amérique, com vistas à promoção de encontros sociais para a troca de informações entre a elite latina e a francesa. Os comitês têm por finalidade a instrução e congregação dos estabelecimentos de ensino de francês quanto à metodologia a ser empregada e às formas de propagação cultural a serem adotadas.

A amizade entre França e Brasil justifica-se, no discurso francês, pela “comunhão do pensamento que se afirmou pelo mesmo respeito pela justiça e pelo mesmo amor à liberdade”.40Um dos argumentos que sustentam essa aproximação entre os povos francês e

latino-americano, centra-se nos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

A França é uma das fontes geradoras das idéias iluministas e propagadoras de novos princípios políticos, o que lhe assegura preponderância como difusora da cultura e da civilização. Trata-se de um modelo universal a ser seguido e copiado, o que justifica a

39PETITJEAN, Patrick. A ciência nas relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 1996. p. 114.

criação de liceus, escolas e estabelecimentos de ensino nos países latinos. Como bem elucida o Comitê France-Amerique:

O melhor meio de multiplicar entre eles as relações de troca intelectual, é notadamente pela criação de institutos que permitam aos homens dos dois países melhor se conhecerem estudando suas literaturas nacionais, seus trabalhos científicos, suas disciplinas intelectuais. As trocas de missões médicas e militares, de conferências, de professores e de estudantes são as primeiras aplicações desta idéia.41

Nessa tarefa, a França conta com apoio e incentivo dos estabelecimentos de ensino católicos, que gozam de muito prestígio entre a elite, que confiava a educação de suas filhas às madres e freiras francesas. As instituições religiosas, então espalhadas por todo continente americano, são exemplos de requinte e boa educação. Segundo Baudouin:

As meninas da sociedade continuavam a se encontrar na casa das damas francesas do Sagrado Coração, à Lima, no Rio de Janeiro, em Bogotá, onde elas ficavam magnificamente instaladas. No Rio de Janeiro, as irmãs de Notre Dame de Sion tinham igual prestígio.42

Além das instituições cristãs, há também os organismos laicos, como os liceus e as alianças francesas. Para unir e organizar os sul-americanos francófilos, são fundados, em muitas cidades, os Comitês France-Amérique. Em complemento a esses organismos permanentes de propaganda, também passam a acontecer as missões militares, científicas e literárias, que muito contribuem com esse objetivo.

Um dos métodos empregados nesse processo de expansão é o envio, aos países de destino, de conferencistas com conhecimento da língua local, para atrair também os integrantes da classe média que não dominam o idioma francês. A finalidade é angariar o maior número possível de adeptos na defesa dos interesses da França e de todo conjunto de idéias que permeiam o imaginário francês. Os serviços de informação, tais como agências de notícias, jornais e revistas, considerados relevantes para o atingimento dessa meta, são acionados, disputando espaço palmo a palmo com outras agências de informações. Como bem salienta Baudouin:

41SECTION FRANCE AMÉRIQUE LATINE, op. cit. nota 40.

42BAUDOUIN, Louis. L´effort réalisé par la France en Amerique du Sud depuis la guerre (Conférence du 6 mars). Paris : Maison de la Amerique Latine, 1935. p. 17.

A agência Havas luta contra as agências norte americanas, muito potentes, e nós não temos mais que um jornal francês: o Correio do Prata, publicado em Buenos Aires. Ele é bem feito, mas infelizmente falta amparo.43

A agência Havas, fundada pelo escritor Victor Margueritti, é subvencionada pelo Ministério das Relações Exteriores francês, estando ligada à Associação Nacional de Expansão Econômica. A França passa, na ocasião, a desenvolver uma política internacional de expansão cultural em prol da ação de grandes editores, como Armand Colin e Alcan. São montados comitês encarregados da distribuição do material por todo território francês. Como destaca Chaubet:

Ao norte de Loire: Amiens, reims, Epinal, Nancy, Bar-le Duc, verdun, Besançon. Ao sul de Loire: Châteauroux, Poitiers, Cognac, Bordeaux, Agen, Saint Etienne, Bayonne, Auch, carcassonne, Montpellier, Nîmes, Aix.44

Entre 1905 e 1910, surge a política governamental de expansão cultural externa oficial na França, imposta aos países latinos como modelo cultural. De acordo com o próprio Ministério das Relações Exteriores da França, a política cultural diferencia-se da política externa nos seguintes aspectos:

A política cultural exterior da França sabe ser dissociada de sua política exterior. Ela é em efeito um elemento essencial da imagem que nosso país dá de si mesmo na cena internacional e da credibilidade de nossas intervenções.45

A política cultural faz parte da política externa, sendo por ela conduzida de forma a sustentar e difundir uma melhor imagem da França nos países em que ela possui interesses político e econômico. Ela passa a atuar como agente de propaganda da política exterior e, nesse contexto, favorece o desenvolvimento de outros setores franceses, como o militar, o industrial, e o artístico, entre outros. A América Latina é um dos alvos desse exercício de sedução cultural. Segundo a ótica do Ministério das Relações Exteriores:

Se trata de um continente onde nosso país não exerce nem influência diplomática nem poder econômico dominante, ação cultural será uma dimensão essencial de uma política mais global, o vetor privilegiado da imagem que a França entende promover e o papel que ela entende jogar em favor da paz.46

43BAUDOUIN, op. cit. nota 42, p. 22.

44CHAUBET, François. La politique culturelle française et la diplomatie de la langue: l´alliance française (1883-1940). Paris: L’Harmattan, 2006. p. 43.

45 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA FRANÇA. Le projet culturel extérieur de la France. Paris: Direction Général des Relations Culturells, Scientifique et Tecnique. p. 12.

A política cultural é, na verdade, a intervenção velada de um estado sobre outro, em questões relativas à educação, às artes e às instituições. A propaganda política direcionada diretamente a outro país é algo perigoso, que pode ter como conseqüência uma ação contrária de rejeição, pois, ao invés de conquistar admiradores e adeptos, há sempre o risco de fomentar revolta e desconfiança.

Por outro lado, a propaganda sustentada por um programa voltado para difusão da cultura, com a concordância das embaixadas e de outros veículos e agentes propagadores, passa a gozar de credibilidade, tornando a população favorável e receptiva às influências estrangeiras. De acordo com Salgado:

O método francês por excelência era conseguir implicar as autoridades locais em suas iniciativas. O SOFE tentava conseguir não apenas a concordância de princípios, mas também, quando era possível, a participação ativa e inclusive a contribuição financeira oficial dos países interessados. Era sempre melhor ser solicitado do que se impor: a rentabilidade melhorava de forma significativa.47

Os mecanismos adotados na difusão da cultura começam a ser implementados no início do século XX. Em 20 de novembro de 1907, é fundado por Henri le Châtelier e Paul Appell, o groupement das universidades e das grandes escolas na França, com vistas a um relacionamento mais próximo com a América Latina e ao envio de missões universitárias. Também são criadas as Associações Franco-Brasileiras no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em 1910, surge o Bureau des Écoles et des Oeuvres Françaises e a primeira edição do Bulletin de la Bibliothèque Americaine. Em 1922, aparece a Associação Francesa de Ação Artística (AFAA), com objetivo de organizar e desenvolver turnês artísticas internacionais. A AFAA é um organismo diretamente ligado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Todas essas associações e estabelecimentos franceses, que estão a serviço do desenvolvimento e manutenção de relações diretas e pessoais com os países latinos, contam também com uma estrutura de apoio aos estudantes. Com essa ação conjunta, tão bem organizada, fica favorecido o envio de professores, cujos quadros já estão estruturados nas universidades da França, segundo as necessidades latinas, sendo enviados delegados temporários para supervisionar os trabalhos efetivados pelos profissionais da educação. A esse planejamento tão harmoniosamente articulado se acresçem a remessa regular de livros,

47 SALGADO, Lorenzo. Orígenes y objetivos de la política cultural. In: L´Espagne, la France et l´Amerique Latine: politiques culturelles propagandes et relations internationales, XX Siécle. p. 137.

revistas, teses, artigos, bem como de toda produção cultural francesa que pudesse interessar.

É a política do idioma francês no exterior como referência para a criação de novas formas de ação. O francês passa a ser considerado a língua da civilização universal e a França de então a mãe intelectual das nações latino-americanas.48. Neste contexto, torna-se fundamental a renovação do ensino superior, porque justamente as universidades se configuram como territórios de disputa e concorrência entre as grandes nações européias. Como enfatiza Chaubet: “as universidades estrangeiras mobilizam todas as energias da França, como na Alemanha e também na Inglaterra”.49Segundo Chaubet:

Quanto à Alemanha de Weimar, ela orienta seu esforço cultural sobre o público universitário. Ela se fez, sobre tudo, em virtude de uma verdadeira revolução conceitual e prática dada a sua filosofia geral das relações estrangeiras, e em particular ao seu recorte cultural.50

Embora a Alemanha e a Inglaterra também se tenham lançado nessa política de expansão cultural, a França é um dos países europeus que a administra com maior competência, abrindo, no período, o maior número de estabelecimentos escolares dentro e fora da Europa, mesmo em outros continentes que não apenas a América. Conforme a pesquisa realizada por Chaubet:

Escolas Francesas subvencionadas e sua repartição geográfica em 191251 África do Norte América do Norte América Latina Europa e Turquia Extremo Oriente

29 06 18 66 32

Os métodos de ação colocados em prática na divulgação da língua francesa são a criação de escolas e bibliotecas, a venda e doação de livros, a organização de conferências, a proposição de cursos de férias e a promoção de atividades artísticas e semanas literárias. As alianças francesas são um dos principais veículos dessa propaganda. Em 1900, o Brasil já possui dois comitês franceses, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo, o que ainda é considerado pouco pelas autoridades encarregadas da execução da política cultural expansionista francesa. Segundo Rolland:

48LESSA, op. cit. nota 15, p. 194. 49CHAUBET, op. cit. nota 44, p. 77. 50id., ib., p. 252.

(...) no domínio lingüístico, a língua francesa parecia continuar, em muitos dos grandes países sul-americanos, sendo a língua estrangeira mais estudada entre as duas guerras: nos anos de 1920 evidentemente, mas por toda parte, de maneira mais discutível, nos anos de 1930.52

As somas envolvidas nesse projeto são vultosas, e é considerável o seu aumento após a guerra. Como afirma Chaubet: “a guerra, mais ainda o período imediato pós-guerra, deram lugar a um forte ativismo ‘cultural”.53 Chaubet comprova sua constatação com o quadro que segue, referente às despesas da França com os comitês estrangeiros:

Despesas em francos correntes realizados pela Aliança Francesa entre 1883 e 191854 1883-1918

Somas enviadas da França

1894-1917

Somas gastas no local pelos comitês no estrangeiro

Total

América do Norte 114.164 1.936.891 2.048.055

América Latina 79.244 5.236.050 5.315.294

Todos esses gastos se justificam pelo interesse do governo em garantir a presença francesa no exterior, em assegurar o envolvimento de minorias com acesso ao ensino de francês, em defender a França e os interesses franceses, e em manter, no exterior, uma plataforma de ação do Quai d´Orsay. Assim, as alianças francesas e os comitês são estruturas de ensino e de práticas francesas que, agindo no interior de outra cultura, representam diretamente o governo francês.

Os gastos com a propaganda francesa aumentam e se intensificam devido à projeção de países concorrentes, tais como os Estados Unidos, a Inglaterra, a Itália e a Alemanha. A década de trinta é um período, para a França, de grandes dificuldades na manutenção de sua política expansionista cultural, pois o nazismo ascende, com propagandas massivas do novo regime, o que intensifica a disputa entre franceses e alemães.

A rivalidade entre a França e a Alemanha sustenta-se em uma frontal oposição intelectual: são países que representam duas culturas ou civilizações diferentes. Justamente nesse contexto, a França tenta manter-se como modelo universal da civilização e, com isso, barrar as investidas da Alemanha, com sua forte propaganda nazista, na América Latina.

O estado francês poderia se utilizar de dois métodos para atingir os seus objetivos: a ação direta sobre outros países, ou a mobilização, incentivo e patrocínio de instituições

52ROLLAND, op. cit. nota 35, p. 285. 53CHAUBET, op. cit. nota 44, p. 148. 54id., ib., p. 101.

privadas que abrissem representações no exterior. A agência Havas é um exemplo de organização que recebe ajuda financeira do governo francês para se manter em serviço no exterior. Como constata Mesnard, referindo-se a Havas: “não rentável em certos países, lutou contra a propaganda anti-francesa da agência alemã Transocéan”.55

Os franceses coordenam sua ação no exterior na tentativa de formar usinas de

opiniões, que, como afirma Chaubet, consistem na conquista de adeptos à causa e aos

interesses franceses. São pequenos centros eficazes na denúncia das ações alemãs e na supervalorização das iniciativas francesas. Nessas ocasiões, filmes são enviados para o exterior, intensificam-se as exposições temporárias e são tomadas, segundo Chaubet, as seguintes decisões:

Uma das primeiras medidas tomadas pela administração de Léon Blum em favor da ação ao estrangeiro tocava em diferentes atores. Ele instaura de uma parte uma Comissão Permanente de Ensino Francês no exterior (comum ao MEN e ao MAE) e de outra parte deu nascimento (Decreto de 14 de Outubro de 1936) a uma Comissão Interministerial de Ação e de Informação francesa no exterior (...).56

Léom Blum (1872-1950), primeiro ministro francês, nos anos de 1936 e 1937, preocupa-se com os avanços germânicos, investindo na divulgação da cultura francesa no exterior.57 O Ministério das Relações Exteriores da França (MAE) tem, em 1911, uma Secretaria de Ações e, cria em 1920, a Direção Geral das Relações Culturais, com vistas ao aprimoramento da propaganda no exterior. O governo francês preocupa-se também com as questões comercias, pois deseja angariar um número maior de importadores para seus produtos e não apenas aqueles de cunho cultural. Como enfatiza Poidevin:

O Quay d´Orsay reagiu enviando missões para América do Sul (...). Procurava suscitar a criação de bancos franceses na América Latina, na Bélgica, na China a fim de combater a influência alemã e também servir aos interesses do comércio francês (...). Recomendava a criação de agências comerciais se inspirando no exemplo alemão.58

Após 1919, a Alemanha procura intensificar suas relações comerciais com os países da América Latina que têm um papel determinante em suas transações comerciais, em

55MESNARD, op. cit. nota 12, p. 116. 56CHAUBET, op.cit. nota 44, p. 275-276.

57Nesse momento, o presidente francês é Joseph Bédier (1864-1938).

58 POIDEVIN, Raymond. La puissance française face à l´allemagne autour de 1900. In: La puissance française a la belle époque: mythe ou réalité? Paris: Complexe, 1989. p. 236.

especial, o Brasil, o Chile e o Peru. Conforme Poidevin: “a partir de 1924, a Alemanha reencontrou pouco a pouco seu lugar no comércio mundial”.59Em 1938, a América Latina já assegura boa parte do comércio do Reich. Como Poidevin procura comprovar com o quadro abaixo:

Alemanha e Estados Unidos nas importações dos estados da América Latina60

Alemanha Estados Unidos

1932 1935 1937 1932 1935 1937

Argentina 9,2 9,1 10,3 13,4 14,4 16,4

Brasil 8,9 20,7 20,0 30,0 23,3 24,3

Chile 14,7 20,0 26,0 23.1 27,0 29,1

Embora a Alemanha fique em desvantagem, no que concerne à exportação de seus produtos, em relação aos Estados Unidos, ela consegue manter excelente grau de entendimento comercial com os países latinos. Essa vantagem alemã também impulsiona a França a prosseguir suas investidas na expansão cultural e a demarcar sua influência frente às conquistas germânicas.