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Declaração Unilateral de Vontade

No documento ATO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE BENEFíCIO (páginas 100-104)

A rigor, só se pode falar em vontade enquanto fenômeno psicológico de pessoa física. Vontade estatal não deixa de ser uma metáfora (125). Mas o Estado, como pessoa ideal, exerce funções por meio de órgãos e servidores, cuja vontade é imputada como a própria vontade do Estado.

No direito público, a vontade deve ser vista sob o prisma objetivo do ordenamento jurídico, e não subjetivo do agente praticante do ato. A vontade psíquica do agente público não se confunde com a vontade do ato. “O agente em muitos casos não quis esses efeitos: mas a norma preceitua que se se comportou assim é porque deveria querê-los e impõe a todas as outras pessoas as atitudes

conseqüentes dessa vontade normativa” (126).

Nos atos vinculados, fica mais evidenciada a distinção entre vontade normativa e do agente, também chamada de psicológica (127), pois esta última é de todo irrelevante em tais atos.

(125) Juan Carlos Cassagne. Op. cit. p. 183. -- T.A.

(126) Marcelo Caetano. Manual de Direito Administrativo, Tomo I, p. 387. (127) André Gonçalves Pereira. Op. cit., p. 105.

Mesmo quando praticado por servidor alienado mental, o ato vinculado é válido, pois o relevante é a vontade normativa, que prevalece sobre qualquer vício da vontade psíquica do agente. Já nos atos discricionários, a vontade subjetiva do agente ganha relevância (128), em face da liberdade de decisão do autor do ato perante o fato concreto.

A vontade, como intenção ou fim, é precedente do ato administrativo, não podendo ser seu elemento. Sem vontade prévia, não há razão para a emissão do ato administrativo. Os demais elementos condicionam e estruturam a vontade expressa no ato (129); ou seja, a existência dos outros elementos dependem de uma vontade prévia a ser expressa. Mas aqui se trata sempre da vontade normativa e não da vontade psicológica do agente, pois esta última é irrelevante, ou até inexistente, nos atos vinculados.

(128) “A vontade – e, portanto, o móvel do agente – só é relevante nos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária, isto é, naqueles atos cuja prática exige do administrador, por força da maneira com a lei regulou a matéria, que sopese as circunstâncias concretas do caso, de tal modo que seja inevitável uma apreciação subjetiva sua quanto à melhor maneira de proceder para dar correto atendimento à finalidade legal.

(..)

Reversamente, o exame da vontade – e, portanto, o móvel do agente – é absolutamente irrelevante quando o ato for completamente vinculado, ou seja: quando a lei predetermina antecipadamente, de modo objetivo e completo, o único possível comportamento perante o motivo por ela já caracterizado em termos que inadmitem qualquer subjetivismo quanto ao reconhecimento de sua existência. É o que sucederia, exempli gratia, no deferimento de aposentação requerida por servidor público com 35 anos de contribuição.” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Op. cit., p. 366.)

(129) “A vontade que compreende ‘tanto intenção como fim’ constitui um requisito ou pressuposto e não elemento do ato administrativo. Não se trata de assinalar uma discrepância conceitual, mas de afirmar que a vontade do órgão administrativo, condição essencial de sua validez, joga papel distinto dos restantes elementos (subjetivo, causa, objeto, forma e finalidade) no sentido que estes últimos são precisamente os que condicionam e estruturam a vontade.” (Juan Carlos Cassagne. Op. cit., p. 185.) -- T.A..

Ao contrário da maior parte dos atos jurídicos privados, a formação da vontade no ato administrativo ganha relevância jurídica em função do caráter coletivo do Estado e do sistema de controle de legalidade. Não só a vontade declarada, mas também o procedimento de determinação volitiva estatal (vontade declarante) adquire relevância jurídica (130). “Nas relações entre particulares, a formação de vontade é, em geral, interna e não se manifesta exteriormente. O contrário ocorre no campo administrativo, onde o processo de formação de vontade está disciplinado por normas legislativas e disciplinares que põem em evidência a existência de distintas fases” (131).

O controle da legalidade começa pelo devido processo legal de formação da vontade estatal, exteriorizada no ato administrativo, fruto, muitas vezes, de uma seqüência de atos com relevância jurídica, e todos sujeitos aos vários instrumentos de controle. Não basta o ato em si ser válido; deve ter sido produzido em procedimento também válido.

Ao contrário do ato jurídico de direito privado, o processo de formação da vontade no ato administrativo resulta em declaração de vontade unilateral com efeitos jurídicos em terceiros, independente da vontade destes, razão pela qual o procedimento da

(130) Renato Alessi. Op. cit., p. 243.

formação de vontade passa por instrumentos de controle mais rígidos. Como os efeitos jurídicos são mais rigorosos e amplos, os instrumentos de controle também o são.

Após distinguir as peculiaridades da atividade administrativa em relação à atividade privada, Renato Alessi (132), mesmo reconhecendo a grande heterogeneidade dos atos jurídicos decorrentes do exercício da atividade administrativa, propõe o conceito de provimento administrativo, sinônimo de ato administrativo, que abrangeria a categoria mais significativa de tais atos, exercendo papel análogo ao desempenhado pelo conceito de negócio jurídico no direito privado.

O mestre italiano define provimento administrativo como a “a manifestação de um poder de uma autoridade administrativa, como tal e com respeito a uma relação em que dita autoridade seja parte, para a satisfação de interesses públicos concretos confiados à

mesma. (133). A noção de autoridade envolve sempre o poder de impor

sua vontade sobre o outro pólo da relação jurídica.

No provimento ou ato administrativo, em função do interesse público primário perseguido, a Administração ocupa posição de superioridade jurídica na relação com o administrado, detendo o poder extroverso, pelo qual produz, através de manifestações

(132) Op. cit. p. 240/268. (133) Op. cit. p. 168. -- T.A.

unilaterais, modificações na esfera jurídica do particular, independente da vontade deste. Justamente no poder extroverso reside a principal prerrogativa do Estado nas relações com o particular, de impor unilateralmente sua vontade.

O poder extroverso, no entanto, não decorre da autoridade estatal e sim das finalidades coletivas visadas pela atividade pública, ou seja, satisfazer os interesses públicos primários e não secundários ou meramente patrimoniais da Administração. A supremacia está lastreada pelo interesse maior protegido. A legitimidade da prerrogativa acha-se vinculada à finalidade maior da atuação estatal.

A imposição da vontade estatal, independente da concordância dos destinatários, é marca do regime jurídico- administrativo. No ato administrativo, diante do fato concreto ou motivo, a vontade normativa é manifestada e imposta unilateralmente ao particular. Em virtude do atributo da auto-executividade, o ato administrativo passa a gerar efeitos jurídicos, sem necessidade da intervenção do Judiciário para legitimá-lo.

No documento ATO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE BENEFíCIO (páginas 100-104)