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Descentralização Administrativa

Como já vimos, historicamente a atividade estatal de previdência social, não só no Brasil, mas nos demais países, não tem sido prestada diretamente pelo Estado, mas por pessoa jurídica especialmente criada para esse fim, configurando a hipótese de prestação indireta de serviço público.

Trata-se da hipótese de descentralização administrativa, pela qual a atividade é exercida por pessoa distinta do Estado e por ele especialmente criada. “A descentralização administrativa pressupõe, portanto, a existência de uma pessoa distinta do Estado, a qual, investida dos necessários poderes de administração, exercita atividade pública ou de utilidade pública” (74).

Não se confunda descentralização com desconcentração, esta última consiste na distribuição interna das competências entre os órgãos de uma mesma pessoa jurídica de direito

(72) Art. 25 da Lei nº 8.213/91. (73) Art. 26 da Lei nº 8.213/91.

público, e não a criação de outra pessoa para o exercício de determinada competência. A desconcentração pode existir em função da matéria (Ministério da Educação, Saúde, Fazenda, etc.), do território (Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo, Rio de Janeiro, etc.) ou da função hierarquia (Ministro, Secretário, Diretor de Departamento, Gerente de Divisão, etc.), mas em todas as hipóteses estamos tratando da competência interna de uma pessoa jurídica de direito público.

Após reconhecer a constante confusão feita pelo legislador entre os dois institutos, Hely Lopes Meirelles registra as diferentes técnicas administrativas que os embasam, nos seguintes termos: “a desconcentração é uma técnica administrativa de simplificação e aceleração do serviço dentro da mesma entidade, diversamente da descentralização, que é uma técnica de especialização, consistente na retirada do serviço dentro de uma entidade e transferência a outra para que o execute com mais perfeição e autonomia.” (75).

Com a Constituição de 1988, a descentralização administrativa ganhou status constitucional, não só na previdência social, mas em toda a seguridade social. Ao conceber o sistema de seguridade social (76), o Constituinte estabeleceu, entre seus objetivos

(75) Op. cit., p. 328.

ou princípios arrolados, mais precisamente no art. 194, parágrafo único, VII (77), o caráter democrático e descentralizado da administração.

O sistema idealizado na Carta Maior requer especialização e autonomia na administração da seguridade social, que inclusive passou a ter orçamento anual próprio, nos termos do art. 165, § 5º, III da C.F. (78), com recursos vinculados constitucionalmente. A intenção do Constituinte foi dar maior autonomia administrativa e financeira para a gestão governamental na ordem social.

Historicamente, a descentralização administrativa na previdência social tem sido concretizada pela criação de autarquias especializadas para cada regime previdenciário. A doutrina sempre foi uníssona em reconhecer a natureza autárquica das caixas e institutos de aposentadoria e pensões, consoante a lição de Oscar Saraiva (79),

(77) Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

(...)

VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. (Redação original.)

(78) Art. 165 (...)

§ 5º. A lei orçamentária anual compreenderá:

I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Themístocles Cavalcanti (80) e Celso Antônio Bandeira de Mello (81). Foi na atividade de previdência social, inclusive, que o instituto da autarquia teve seu campo mais fértil para o desenvolvimento.

Ao rechaçar o conceito legal previsto no Decreto-Lei nº 200/67 (82), por não explicitar a personalidade de direito público, Celso Antônio Bandeira de Mello define as autarquias como “pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente

administrativa” (83). Por serem justamente pessoas jurídicas de direito

público, as autarquias gozam dos privilégios administrativos (não os políticos) do Estado.

Maria Sylvia Zanella Di Prieto aponta o consenso doutrinário a respeito das principais características das autarquias no direito pátrio, a saber: criação por lei; personalidade jurídica pública; capacidade de auto-administração (autonomia); especialização dos fins ou atividades; e sujeição a controle ou tutela. Conceitua, por fim, a autarquia como “pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço

(80) Tratado de Direito Administrativo, p. 229.

(81) Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, p. 358. (82) Art. 5º. Para fins desta lei, considera-se:

I – autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para o seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

(...)

público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei” (84).

As autarquias, por serem pessoas jurídicas de direito público, possuem bens e rendas próprios. O regime de pessoal é o mesmo dos servidores públicos da pessoa jurídica que a criou (85). Os contratos estão sujeitos às regras da licitação pública. Emitem atos administrativos, revestidos dos mesmos atributos e sujeitos aos mesmos instrumentos de controle do regime jurídico-administrativo.

A prestação do serviço público por uma autarquia preserva a integridade do regime jurídico-administrativo. “A autarquia, sendo um prolongamento do Poder Público, uma longa manus do Estado, deve executar serviços próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilégios da Administração- matriz e passíveis dos mesmos controles dos atos administrativos. O que diversifica a autarquia do Estado são os métodos operacionais de seus serviços, mais especializados e mais flexíveis que os da Administração centralizada” (86).

Registro, por fim, que nem toda a prestação do serviço público de previdência social, em seus vários regimes, tem sido

(84) Op. cit., p. 360/361.

(85) Em sentido contrário ao da regra geral, a Lei nº 9.986/00 estabeleceu que as agências reguladoras, autarquias sob regime especial, têm suas relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

executada de forma indireta ou descentralizada, por meio de autarquias especialmente criadas, tais como o INSS, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo - IPESP e o Instituto de Previdência Municipal de São Paulo - IPREM, sendo o primeiro, gestor do regime geral; e os demais, gestores dos regimes próprios de previdência de servidores estaduais e municipais, respectivamente.

O regime previdenciário próprio do servidor público federal, estatuído pela Lei nº 8.112/90, no entanto, não é gerido de forma descentralizada, mas sim por órgãos da própria administração direta federal, o que vai de encontro ao princípio constitucional da descentralização administrativa, aplicável também aos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos (87).