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3. INGREDIENTES METODOLÓGICOS

3.1 DEFINIÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa qualitativa pode ser definida genericamente como uma atividade de pesquisa situada em que o pesquisador observa os fenômenos enquanto eles acontecem no campo. Assim, relaciona-se a um conjunto de práticas materiais e interpretativas que conseguem lançar luz sobre o mundo natural (DENZIN, LINCOLN, 2006). Segundo Godoy (1995), os estudos qualitativos permitem o estudo do fenômeno no contexto onde ocorre, fazendo a análise de maneira integrada e, mesmo apresentando algumas características comuns, pode ser conduzida por diferentes caminhos.

Dessa maneira, esta pesquisa compartilha da ontologia e epistemologia das práticas sociais (MIETTINEN et al., 2009), que proporciona a observação da realidade onde ela ocorre, admite uma interação entre o pesquisador e contexto, não busca a generalização e se propõe a compreender a aprendizagem pelo engajamento com o mundo. Além disso, compreende a prática como uma atividade cotidiana que as pessoas, em meio aos artefatos e objetos, fazem juntas quando desempenham seu trabalho, produzindo, reproduzindo e mudando de forma compartilhada, desconsiderando os dualismos entre mente/corpo,

ator/estrutura, humano/não humano. Desta forma, escolheu-se utilizar uma abordagem de inspiração etnográfica como forma de adotar um método que compartilhasse desses pressupostos.

A etnografia enquanto método científico foi legitimada no início do século XX. Em sentido estrito, etnografia advém do etno que significacultura e o sufixo grafia que significa escrita. Ou seja, escrita da cultura. Essa abordagem é usada largamente por antropólogos e fruto de diversos debates teóricos entre eles, mas também utilizada por sociólogos, estudiosos culturais, nos estudos de ciência e tecnologia, nos estudos organizacionais, turismo e gastronomia. A etnografia pode ser compreendida como uma “narrativa de viagem” e envolve a observação, participação, estudo dos grupos e de seus membros como principal objetivo de descrever o que eles fazem (JAIME JUNIOR, 2003; NEYLAND, 2008).

Com relação aos estudos organizacionais, a etnografia é um método que, segundo Jaime Junior (2003, p. 436), “pode levar ao aprofundamento do conhecimento acerca da realidade organizacional”. Neyland (2008) explica que nos últimos anos os estudos desenvolvidos a partir desse método têm aumentado nos estudos organizacionais pois fornecem aprofundamento nas atividades e no fazer das pessoas no dia a dia organizacional. Ybema et al (2009) explica que a etnografia organizacional não tenta compreender toda cultura ou subjetividade da organização, mas especificamente uma pessoa ou uma prática organizacional, como é o caso neste estudo.

Cabe frisar, que não existe um percurso ideal metodológico em campo no estudo etnográfico (PINK, 2009), nem um tempo e espaço estrito, mas que a imersão em campo depende de aspectos variados, da necessidade do pesquisador durante a realização do estudo, de cobrir completamente seu objeto, independentemente de onde ele esteja localizado e de acordo com os seus objetivos de pesquisa.

Optou-se por uma pesquisa de inspiração etnográfica, por compreender que as necessidades de cobrir um fenômeno como as práticas sociais compartilham de alguns princípios que uma pesquisa do tipo etnográfica podem oferecer como a observação onde e enquanto os fenômenos ocorrem, a descrição de suas atividades, o engajamento com o mundo social e a interação entre o pesquisador e o contexto. Nesta pesquisa, a prática se constituiu como objeto de análise, não enfocando a cultura em si, como nas etnografias clássicas e tradicionais. Logo, o objetivo da utilização de aspectos etnográficos não necessariamente exigiu que a pesquisadora se tornasse um membro do grupo, mas foi possível observar e partilhar das experiências vivenciadas pelo grupo de forma natural utilizando as habilidades

perceptivo-sensoriais para compreender o mundo social, identificando, compreendendo e conhecendo a prática estudada.

Neste sentido, escolhemos a abordagem estética de Strati (STRATI, GUILLET MONTOUX, 2002; STRATI, 2010, 2014b) como forma de orientar a análise interpretativa evocativa e a investigação em campo. Strati (2014) explica o que se entende pelo “estilo estético”. Semelhante a uma nova consciência metodológica, na qual o pesquisador:

“(a) escolhe um tema, estilo, e objeto de análise de acordo com o seu gosto e preferências pessoais para o método e teoria;

(b) ativa suas faculdades sensoriais e julgamento estético ao imergir a si mesmo na textura das interações organizacionais e enquanto eles agem e interagem” (STRATI, 2014, p.179).

E no decorrer da pesquisa faz uso do juízo estético, da observação participativa imaginária revivendo as experiências ao transcrever os dados e de um processo evocativo para construção do texto capaz de provocar no leitor uma experiência perceptiva.

Desta forma, estando em campo, a pesquisadora utilizou os olhos, o olfato, as mãos, os ouvidos, o paladar e o juízo estético na pesquisa. Este último foi profundamente modificado a partir da nova construção social e coletiva com os demais atores organizacionais, e, fortemente influenciado pelo contexto dos restaurantes estudados. Assim, fez-se uso da multissensorialidade na coleta de dados, ativando todas as faculdades perceptivo-sensoriais. Embora Strati (2014) explique que a limitação da abordagem estética é a connoisseurship (perícia) porque corresponde a uma capacidade necessária ao estudo da estética, não é possível se tornar completamente livre da racionalidade. Dito de outro modo, distanciar-se do racional, e aproximar-se do estético foi um dos maiores desafios para a pesquisadora.

Pink (2009) enfoca a importância de fazer pesquisa etnográfica lançando mão da multissensorialidade. Em sua proposta na defesa de uma etnografia sensorial, a autora insiste em defender que a utilização conjunta de todos os órgãos dos sentidos é o que leva o pesquisador a aprender sobre o campo. Assim, explica que ele utiliza o seu corpo para experienciar o campo da pesquisa e a partir do corpo ele aprende sobre o que as pessoas fazem e percebe o seu significado.

Neste estudo, considerou-se a prática como unidade de análise. A prática identificada como relevante no desenvolvimento da pesquisa foi o “cozinhar”. O cozinhar é uma expressão do fazer gastronômico e está envolvido na formação do gosto, assim, é um processo dinâmico e carrega consigo o corpo como lócus onde a aprendizagem acontece nos dois restaurantes. Assim, é importante mencionar que a faculdade gustativa apresenta um

conhecimento contextual que explica o forte vínculo com o gosto que é um elemento identitário da cozinha regional. E como o gosto se identifica na cozinha regional, ela extrapola uma única realidade organizacional, por se caracterizar em mais de um tipo de comida regional, a comida de praia e a comida sertaneja. Todavia, não foi possível encontrar nem mesmo um restaurante que abrigasse todos os tipos de comida regional. Por esse motivo, optou-se por realizar uma pesquisa de inspiração etnográfica de caráter estético em dois restaurantes de João Pessoa (PB).