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DO CONHECER NA PRÁTICA AO CONHECIMENTO SENSÍVEL E A FORMAÇÃO

2. INGREDIENTES TEÓRICOS

2.5 DO CONHECER NA PRÁTICA AO CONHECIMENTO SENSÍVEL E A FORMAÇÃO

2.5 DO CONHECER NA PRÁTICA AO CONHECIMENTO SENSÍVEL E A FORMAÇÃO DO GOSTO

Os laboratórios são parte integrante do currículo dos cursos de gastronomia, servindo para que os alunos disponham de aulas práticas. Para justificar a obrigatoriedade dos laboratórios, poder-se-ia imaginar que o motivo básico para isso seria que o conhecimento em gastronomia é tão prático que o aluno precisa experimentar. Ou seja, embora existam receitas, fichas técnicas, livros, aulas e professores, a área de gastronomia mostra que, para ser um bom chef de cozinha, é preciso cozinhar. Aprender a cozinhar envolve um conhecimento prático. Não basta saber, torna-se necessário saber colocar na prática. O cozinheiro precisar ter um sentido, uma percepção que, embora seja complexa de se explicar, e por vezes ele não consiga, na prática funciona. Aprender a cozinhar envolve também o uso dos cinco sentidos, ou seja, é o conhecimento por meio das faculdades perceptivas. É sobre esse conhecimento

tácito e prático que esta seção trata.

O conhecimento pode ser compreendido de diversas formas. Nos estudos organizacionais e na administração, o conhecimento é estudado por duas correntes diferentes: a gestão do conhecimento (knowledge) e conhecimento organizacional (knowing). A gestão do conhecimento considera que este pode ser criado na organização. Nesse sentido, o maior desafio é passar o conhecimento que está na mente das pessoas para os bancos de dados da empresa e, desta forma, o conhecimento é capturado, armazenado e transmitido. Já o conhecimento organizacional ocorre na prática, enquanto as pessoas fazem a ação. Essas perspectivas enfatizam aspectos distintos, mas nossa ênfase se concentra no conhecimento como prática (ORLIKOWSKI, 2002).

O conhecimento organizacional é um conhecimento pessoal ― que aqui vamos chamar de conhecimento prático ou "conhecer na prática" ― e que muito se assemelha ao conhecimento tácito que Polanyi (1966) desenvolveu. Diz-se que é um tipo de conhecimento que se possui, mas é de difícil explicação. É aquele conhecimento que as pessoas têm, compreendem que têm, conseguem colocar em prática, mas não conseguem explicar como fazem, sendo difícil de explicar em palavras e até em fotos.

O conhecer na prática (knowing-in-practice) acontece por meio da ação cotidiana, na prática. É um conhecimento de momento, da situação, provisório em essência e acontece continuamente de acordo com a interpretação da experiência ao longo do tempo, em diferentes contextos e é mediado pelas relações sociais. Assim, não pode ser compreendido como algo estável e permanente, pois não está em lugar nenhum, não é materializado em arquivos e sistemas (ORLIKOWSKI, 2002). O conhecer na prática ocorre quando o indivíduo se torna um participante em uma comunidade de prática (BISPO, 2013a).

Dessa forma, no âmbito desta pesquisa, o conhecimento é entendido como pessoal e adquirido a partir das faculdades perceptivas e ocorre de fato quando é posto em prática em uma comunidade, logo, também é um conhecimento coletivo e sociomaterial.

Nas organizações é possível perceber diversas manifestações estéticas julgadas como positivas ou negativas. O conhecimento estético se relaciona com a beleza do que pode ser visto, com o fascínio exercido ao se entrar em contato com determinado trabalho, com o ambiente organizacional que agrada, a sensação de bem estar com o que é ouvido. Mas também com o desprazer experimentado em diversas ocasiões, como as fofocas de mau gosto, o mau cheiro advindo de dentro ou do ambiente externo organizacional, os quais o indivíduo experiencia e se posiciona, não fica neutro (STRATI, 2007a).

pessoas trabalham (EWENSTEIN, WHYTE, 2007) e acontece na prática. Estudar estética nas organizações, na vida e no cotidiano organizacional é levantar o conhecimento estético que acontece na prática (GHERARDI, 2001; STRATI, 2014). A prática possibilitou novas formas de estudar conhecimento estético e aprendizagem nas organizações (STRATI, 2007b). Adotando uma abordagem baseada na prática social, é possível identificá-lo.

É na perspectiva de um conhecimento pessoal e estético que nasce o conhecimento sensível, ou seja, aquele que possibilita conhecer profundamente por meio das faculdades perceptivas que envolvem a experiência estética. Por meio da ativação do juízo estético, chega-se ao conhecimento sensível (sensible knowledge) que é empírico e ainda não reflexivo. O conhecimento sensível é aquele que é percebido, julgado, produzido e reproduzido por meio dos sentidos (GHERARDI, 2001; GHERARDI, NICOLINI, STRATI, 2007; STRATI, 2007a, 2007b; BISPO, 2013b).

O conhecimento sensível é formado a partir do que podemos chamar de formação do gosto (taste-making) que, por sua vez, é “uma atividade situada que repousa sobre aprender e saber como apreciar desempenhos específicos de uma prática” (GHERARDI, 2013, p. 110). Esse processo de aprendizagem e de refinamento, ou seja, de aprimoramento de uma prática é o que promove a formação do gosto. Segundo Bispo (2013b), formação do gosto “é o processo pelo qual os membros de uma comunidade buscam aprimorar suas práticas por meio do sensible knowledge”. Ao entrar em contato com uma comunidade, os indivíduos participam e negociam entre si as práticas, que são produzidas, reproduzidas e influenciadas pelo conhecimento pessoal e estético, negociado por meio das categorias estéticas (GHERARDI, 2013).

A prática que uma determinada comunidade compartilha tem como resultado o gosto, uma capacidade de expressar de maneira única e aceita como certa de realizar a prática social. É o resultado que ela produz e essas características únicas, próprias, que se mantêm em uma comunidade que a distingue das demais (GHERARDI, 2009).

Finalmente, conclui-se que, embora a formação do gosto e do conhecimento sensível não seja um processo estático e linear, são pareados. Tal pode ser explicado a partir da formação do conhecimento como prática, aquele que se sabe que se possui mesmo não sabendo como explicá-lo. O conhecimento sensível, que ocorre por meio das faculdades perceptivas e do juízo estético, está imerso em uma prática e enquanto essa é negociada, produzida e reproduzida, ocorre a transformação do conhecimento prático para o conhecimento sensível.