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CAPÍTULO II. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

1.1. Definição do problema

“Talvez a tarefa mais difícil do investigador seja planear boas perguntas, perguntas de investigação, que irão direccionar o olhar e o pensamento o suficiente, mas não em demasia.”

(Stake, 2009, p.31)

Os sistemas educativos mudam com a mudança de paradigmas e consequentes alterações legislativas. Novas dinâmicas sociais levam, portanto, a mudanças no sistema educativo e estas implicam transformações na estrutura organizacional da escola. Actualmente, como afirma Lima (2011) situados num modelo político dito pluralista e descentralizado (vertente participativa da parte dos cidadãos no exercício da vida democrática), preconiza-se que as organizações educativas desenvolvam modelos menos burocráticos, mais funcionais, logo com uma organização mais diferenciada.

Para compreender as modificações organizacionais referidas, abordámos no primeiro capítulo um conjunto de conceitos e modelos nos quais se inclui uma perspectiva da escola como comunidade educativa, com a valorização da dimensão comunitária, com poder decisivo sobre vários domínios (administrativo, financeiro, cultural, pedagógico, entre outros), com um modelo unipessoal de direcção e gestão e com um projecto educativo que assente em valores democráticos, de eficácia e de eficiência. Subjacente à aplicabilidade e ao sucesso deste modelo organizacional, está a distribuição e equilíbrio das responsabilidades, com a valorização das estruturas de gestão intermédia, nomeadamente os departamentos curriculares e o papel atribuído às estruturas de coordenação, gestão e supervisão pedagógicas e aos novos papéis de liderança e também à importância do trabalho colaborativo. Estas alterações sistémicas e organizacionais têm sido acompanhadas de diplomas legais que parecem reflectir alguma ambiguidade Por um lado permitem que as escolas reforcem a sua autonomia, valorizem a qualidade educativa e pedagógica (depende dos projectos educativos e pedagógicos e das dinâmicas organizacionais que conseguem desenvolver), mas depois não dão grande legitimidade de decisão quando, por exemplo, direccionam a criação de agrupamentos de escolas ou a

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implementação das estruturas de gestão e coordenação educativa (cumprimento de decisões governamentais).

Na realidade, a conceptualização da escola como organização tem suscitado novas reflexões e interrogações (Bolívar, 2007; Hargreaves e Fink, 2007). Como salienta Hamito (2007), Para “responder a estes conceitos de mudança, de inovação e de aprendizagem, a escola tem de desenvolver a capacidade de, ela própria, aprender. (…) de mobilizar competências de pensamento e de aprendizagem colectivos/organizacionais” (p.141). Ao serem confrontadas com as alterações emanadas a nível nacional ou local, as escolas desencadeiam processos adaptativos e de regulação interna. Ora os processos adaptativos são assimilados de maneira diferente por cada unidade organizacional, seja um agrupamento, uma escola ou um departamento curricular (DC), reflecte-se nas lógicas de acção.

Consoante seja num contexto individual ou colectivo, o conceito geral de acção pode significar o modo de agir ou modos de organização. Como afirma Sarmento (2000), as escolas “ (…) são lugares de uma enorme visibilidade, onde permanece em grande parte oculto aquilo que nesses lugares é a vida, os modos de agir e de pensar que lhes marcam a diferença” (p.19) e as lógicas de acção são os conteúdos de sentido, relativamente estáveis e consolidados com que os actores sociais interpretam e monitorizam a acção nas organizações escolares (ibidem, p.147). Tendo em consideração a noção de acção e de agir, sustentámo-nos em Arendt, (2001) na sua interpretação da história contemporânea, onde a autora defende alguns factores como determinantes da condição humana e afirma:

“(…) a acção e o discurso são os modos como pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objectos físicos, mas enquanto homens. (…). É com palavras e actos que nos inserimos no mundo humano” (p.225).

Este estudo pode ser inserido nessa preocupação em desvendar as lógicas de acção das organizações escolares, procurando compreender os modos de agir e pensar dos principais actores. Com efeito, a recente reorganização da rede escolar através da criação de Agrupamentos de Escolas veio modificar lógicas de acção instaladas e criar as condições para a criação de novas formas organizacionais e relacionais que, no entanto, não têm sido pacíficas. Actualmente, coexistem no nosso sistema educativo, unidades organizacionais com características diferentes:

A)Agrupamento de escola vertical de dois tipos:

- Uma única escola oferece no mesmo edifício, os vários níveis de ensino, eventualmente desde o pré-escolar até ao secundário;

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- Uma escola sede (centro de decisão com os órgãos de gestão de topo), normalmente com 2º e 3º ciclo, tem associadas várias escolas periféricas (EB1/JI, EB1 ou JI).

B)Agrupamento de escola horizontal:

- Várias escolas (EB1/JI, EB1 ou JI) agrupadas com uma escola sede. C)Mega-agrupamentos:

- Uma escola sede (normalmente secundária) tem associadas escolas do 2º/3º ciclos e EB1/JI. D)Escolas secundárias não agrupadas.

A nível organizacional, cada unidade passou a ter as suas estruturas intermédias de gestão, os seus coordenadores de departamento curricular (CD) que passaram a ser designados pelo director e os seus intervenientes viram-se confrontados com lógicas de acção e de relacionamento diferentes das anteriores.

Esta problemática tem ainda por base a nossa própria experiência profissional e pessoal na coordenação de uma estrutura intermédia de gestão (Departamento de EF e Desporto Escolar) durante a vigência do modelo do DL n.º 115-A/98 e da coordenação do Departamento Curricular de Expressões (DCEXP), segundo o modelo actual estabelecido pelo DL nº 75/2008 que implementou uma liderança unipessoal (Director) e determinou a criação de mega departamentos, numerosos e complexos.

Para consolidar a nossa escolha, Bell (2002) e Afonso (2005), ajudaram-nos na definição da problemática e nas suas finalidades quando salientam que sermos investigadores em contextos profissionais que dominamos irá proporcionar um maior e entendimento e aperfeiçoamento do nosso desempenho. Afonso (2005) destaca,

“(…) a importância de não ignorar os “adquiridos” da experiência pessoal e profissional, com o objectivo ingénuo de tentar produzir uma investigação asséptica, pretensamente mais “neutra” ou “objectiva”. Na realidade, enquanto actor social, qualquer investigador actualiza na sua prática social pressupostos básicos, valores, crenças, preconceitos, atitudes, representações, os quais são necessariamente constitutivos do seu modo particular de captar o real, moldando a sua abordagem pessoal ao questionamento da realidade empírica” (p.49).

Neste sentido, o presente estudo decorre quer da nossa motivação e vivência profissional, quer da relevância e pertinência do actual momento vivido pelas comunidades educativas e incide sobre as lógicas de acção nos órgãos de gestão intermédia, mais precisamente sobre o departamento

curricular das expressões (DCEXP).

Os objectivos destes Departamentos, que se configuram como órgãos de gestão intermédia nos Agrupamentos de Escolas, de uma forma geral, podem definir-se segundo duas perspectivas:

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- Perspectiva formal que engloba a organização da própria estrutura como seja, a recolha e transmissão da informação relacionada com a estrutura em que se insere (assegurando a ligação entre as estruturas de base e o vértice) e a coordenação e orientação educativa que também envolve processos de planeamento e de tomada de decisão;

- Perspectiva informal, ou seja, as práticas e as lógicas de acção da estrutura intermédia que representa a questão nuclear da problemática de toda a investigação.

Especificamente, o DCEXP é formado pelos professores de um conjunto das disciplinas com características muito diferentes, podendo abarcar a Educação Física, a Música e demais Artes, até às Tecnologias da Comunicação e da Informação e mesmo a Educação Especial. Neste sentido, interrogamo-nos sobre os critérios de formação de um Departamento com tal diversidade disciplinar e didáctica e sobre as dinâmicas organizacionais e relacionais que no seu seio se estabelecem.

Perante esta perplexidade, como profissional e como investigadora, surgiu uma questão de

partida que segundo Quivy e Campenhoudt (2003), deve ser o fio condutor de um projecto de

investigação, a qual pode ser resumida da seguinte forma:

Que concepções, dinâmicas organizacionais e lógicas de acção se desenvolvem actualmente no DCEXP dos vários tipos de agrupamentos de escolas?

De forma a organizar conceptualmente o nosso estudo, reafirmamos que o desempenho global de uma escola depende da qualidade da sua liderança de topo e das lideranças intermédias, ou seja, da forma como a escola é gerida e das suas práticas, assim como da envolvência e da responsabilização de toda a comunidade escolar nos processos de decisão e de monitorização, sempre com o pressuposto de uma melhoria da qualidade do ensino.

Depois da questão de partida, colocaram-se várias interrogações que extrapolaram a realidade do contexto profissional da investigadora. Na realidade, quisemos ir mais longe e perceber como é que cada unidade organizacional constituiu o seu DCEXP (estrutura de coordenação, gestão e supervisão pedagógica) e como é que os respectivos intervenientes assimilaram, interpretaram e deram resposta às alterações introduzidas pelos normativos que criavam estes novos Departamentos, nomeadamente os modos como se comportaram, interagiram e participaram em relação ao contexto onde se inserem. Sergiovanni (2004), ajudou-nos a reflectir sobre esta temática, mostrando que um novo contexto de investigação pode esclarecer quais as práticas individuais e colectivas de cada subcultura, nomeadamente a forma pela qual os profissionais de áreas distintas conseguem desenvolver o sentido de pertença, estabelecer redes de

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relacionamento, valores e compromissos que possam constituir padrões práticos que originem linhas de acção.

Deste modo, surgem como perguntas de investigação mais específicas, questões orientadoras que desdobram a problemática globalizante atrás referida e permitem a definição de objectivos concretos que nortearão a recolha e análise dos dados:

- Como é que os directores dos agrupamentos, os coordenadores do DCEXP e os respectivos professores conceptualizam este departamento, à luz do DL nº 75/2008?

- Que funções são atribuídas ao Coordenador do DCEXP por ele próprio, pelos professores e pelos directores, nos diferentes tipos de agrupamentos de escolas?

- Quais são as dinâmicas organizacionais do DCEXP?

- Quais são as condições estruturais do DCEXP nos vários tipos de agrupamentos de escolas? - Que tipo de práticas são privilegiadas na organização do trabalho entre os intervenientes no DCEXP, nos diferentes tipos de agrupamentos?