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CAPÍTULO I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. A escola no sistema educativo português

2.3. O papel dos departamentos curriculares

“O crescimento contemporâneo dos saberes não tem precedentes na história humana. Exploramos escalas outrora inimagináveis: do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, do

infinitamente curto ao infinitamente longo. A soma dos conhecimentos sobre o universo e os sistemas naturais, acumulados durante o século XX, ultrapassa em muito tudo aquilo que pôde ser

conhecido durante os outros séculos reunidos. Como se explica que a proliferação acelerada das disciplinas torne cada vez mais ilusória toda a unidade do conhecimento?”

(Nicolescu, 2000, pp.7-8.)

Em 1976, quando foi regulamentada pela primeira vez a existência de um órgão com representatividade disciplinar (o conselho pedagógico que se constituiu através da portaria nº 679/77), surgiram as denominadas estruturas de conselhos de grupo, subgrupo, disciplina ou

especialidade. Os representantes destas estruturas (delegados de grupo, subgrupo ou disciplina)

eram eleitos anualmente e tinham como função a orientação pedagógica, a promoção da cooperação entre todos os elementos da escola e a coordenação interdisciplinar (ponto 3.1.9.).

Em 1989, perante o Despacho nº 8/SERE, de 3 de Fevereiro, foi redefinida a composição do CP que incluía para além dos delegados de grupo, também os representantes de disciplina. Esta alteração continuou a manter uma grande fragmentação das disciplinas, pois cada uma tinha o seu delegado ou representante. No mesmo ano estabeleceu-se a reorganização dos planos curriculares do ensino básico e secundário, ou seja, consagraram-se os mapas com os planos curriculares para cada nível de ensino (Decreto-Lei n.º 286/89 de 29 de Agosto). Nos termos do art.º 6, foi criada uma área curricular não disciplinar - área escola - cujo objectivo era a concretização dos saberes através de actividades e projectos multidisciplinares e o estabelecimento de parcerias escola e instituições comunitárias e para a sua realização surge a expressão áreas pluridisciplinares. Desta medida, emergiu uma importante confluência de conceitos: cooperação, grupo disciplinar, sequencialidade e áreas disciplinares, conceitos que constituíram a semente do que

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denominamos actualmente de articulação horizontal e vertical bem como o trabalho pluridisciplinar através da agregação de disciplinas.

Ao longo dos anos 90, surgiram diversos normativos que levaram o seu tempo a ser implementados; no entanto, as políticas educativas passaram a valorizar as estruturas intermédias de gestão e surge pela primeira vez, a noção de departamento curricular (DC), coordenado por um professor designado coordenador de departamento (CD) Esta nova estrutura conduz a uma diferente organização das áreas disciplinares e a mudanças na organização curricular geral das mesmas proporcionando a articulação disciplinar vertical e a interdisciplinar. O Decreto – Lei nº 172/91, de 10 de Maio concebeu a estrutura departamento curricular, coordenada por um professor designado CD e mais tarde, o Despacho 27/ME/93, define com exactidão, as disciplinas ou grupos de docência que compõem cada DC. Na sequência, o tão estudado Decreto-Lei 115-A/98, estabelece:

“— Com vista ao desenvolvimento do projecto educativo da escola, são fixadas no regulamento interno as estruturas que colaboram com o conselho pedagógico e com a direcção executiva, no sentido de assegurar o acompanhamento eficaz do percurso escolar dos alunos na perspectiva da promoção da qualidade educativa.2 — A constituição de estruturas de orientação educativa visa, nomeadamente: a) O reforço da articulação curricular na aplicação dos planos de estudo definidos a nível nacional, bem como o desenvolvimento de componentes curriculares por iniciativa da escola;

b) A organização, o acompanhamento e a avaliação das actividades de turma ou grupo de alunos; c)

A coordenação pedagógica de cada ano, ciclo ou curso” (capítulo IV, art.º 34, ponto 2).

Este DL também originou alterações na composição do CP, que se traduziu numa pluralidade de actores, decorrente quer da sua composição legal, quer da formação dos Agrupamentos de Escolas; atribuiu uma maior complexidade a este órgão e estabeleceu uma maior complexidade nas estruturas de orientação educativa, nomeadamente, os DC (constituídos por agrupamentos de disciplinas e áreas disciplinares, de acordo com os cursos leccionados). O número e a composição dos DC eram de acordo com o que cada escola definia no seu Regulamento Interno (RI), numa lógica de autonomia. O Coordenador de Departamento (CD) deveria ser um professor profissionalizado, eleito de entre os professores que pertencem ao Departamento.

Estas estruturas surgem na sequência da afirmação de uma lógica de interdisciplinaridade, facilitando a articulação curricular através de uma representação multidisciplinar representada pelos agrupamentos de disciplinas e áreas disciplinares e, passado um ano, estas estruturas são regulamentadas (Decreto Regulamentar nº10/99, de 21 de Julho).

Dos vários normativos publicados na primeira década deste século, salientamos o Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro que estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão curricular do ensino básico, bem como da avaliação das aprendizagens e do processo de

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desenvolvimento do currículo nacional, entendido como o conjunto de aprendizagens e competências, integrando os conhecimentos, as competências as atitudes e os valores, a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objectivos consagrados na LBSE para este nível de ensino. Este DL engloba um novo conceito de currículo nacional e reforça a valorização e a responsabilização das estruturas intermédias de gestão e coordenação, atribuindo- lhes um papel preponderante na gestão curricular, reforça uma cultura interdisciplinar em oposição à fragmentação e ao isolamento e fortalece o trabalho colaborativo dos professores.

Com vista ao concurso de professor titular, o Decreto – Lei nº 200/2007- Anexo I, de 22 de Maio, estabelece um modelo de organização de DC, com quatro estruturas, para as escolas secundárias e seis nos casos de agrupamentos que tenham educação pré-escolar e 1º ciclo. Os DC passaram a ser os seguintes: Educação Pré-escolar, 1º Ciclo, Línguas, Ciências Sociais e Humanas, Matemática e Ciências Experimentais e Expressões. Este decreto também estabelece os grupos de recrutamento correspondentes a cada departamento. No entanto, só com a entrada em vigor do

Decreto - Lei nº 75/2008, de 22 de Abril, os DC foram constituídos oficialmente em muitos

agrupamentos de escolas. Como vimos antes, este DL define um novo regime jurídico da autonomia, administração e gestão das escolas/agrupamentos, centrado num modelo unipessoal de direcção, mas além disso determinou com carácter obrigatório a criação de mega

departamentos, numerosos e complexos. Estes DC são considerados estruturas de coordenação

educativa e supervisão pedagógica. O CDC é um professor designado pelo Director podendo ser exonerado sempre que o mesmo o considere. A constituição dos DC visa, designadamente:

“a) A articulação e gestão curricular na aplicação do currículo nacional e dos programas e orientações curriculares e programáticos definidos a nível nacional, bem como o desenvolvimento de componentes curriculares por iniciativa do agrupamento de escolas ou escola não agrupada; b) A organização, o acompanhamento e a avaliação das actividades de turma ou grupo de alunos; c) A coordenação pedagógica de cada ano, ciclo ou curso; d) A avaliação de desempenho do pessoal docente. A articulação e gestão curricular devem promover a cooperação entre os docentes do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, procurando adequar o currículo às necessidades específicas dos alunos” (capítulo IV, art.º42, ponto2).

A criação dos chamados “mega departamentos” corresponde, assim, à intenção de agrupar professores e disciplinas, criando orientações e formas de controlo comuns. Na verdade, o modelo de funcionamento escolar organizado em disciplinas está “associado à educação estatal e colonizou, progressivamente, todo o meio educativo, estabelecendo-se como padrão dominante por volta dos finais do séc. XIX” (Goodson, 2001, p.73). Com o processo de escolarização a decorrer nas classes populares, configurou-se uma “arquitectura curricular” (Barroso, 2005, p.48) que teve como efeito a especialização de funções docentes, a compartimentação das matérias, alterações

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de espaço e de horários semanais e diários (ibidem). No entanto, com a proliferação de disciplinas e tendo em conta a evolução constante do conhecimento em cada uma delas e as interrelações disciplinares que se foram estabelecendo (Goodson, 2001), tornou-se notória a necessidade de se definirem pontos de contacto entre as múltiplas disciplinas emergentes. Surgiram, desta forma, conceitos como pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, sendo este último definido por Nicolescu (2000) como “aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina” (p.35).

Como analisámos no início deste subcapítulo, passámos da designação de disciplinas, a áreas disciplinares até chegar aos departamentos curriculares. No entanto, céptico, Pacheco, em 2001, salienta que destas alterações/mudanças que foram idealizadas com o objectivo de acabar com a fragmentação dos saberes e com a multiplicidade de disciplinas desconexas, criando estruturas chave na organização curricular da escola “(…) pouco ou nada foi implementada nas escolas, pelo que perdeu a inovação que porventura pudesse ter”(p 158).

Para Neto-Mendes, Costa e Pereira (2004) as estruturas intermédias podem ser analisadas segundo várias perspectivas. Numa perspectiva social, temos uma realidade pedagógica massificada e heterogénea que conduz a uma complexidade estrutural e organizacional das escolas que se torna insustentável e tem dificuldades em gerir sistemas de grandes dimensões. Numa perspectiva organizacional, torna-se imperioso realizar uma descentralização interna, e criar estruturas de nível intermédio que façam a articulação e a ligação entre o topo e a base. Do ponto de vista político, é necessário pôr em acção as directivas que consagram uma participação democrática de todos os professores na organização e gestão da escola, de formas diversas, com o objectivo de produzir e implementar projectos (projecto educativo, por exemplo), incentivar as práticas de colaboração profissional, com a necessidade de rentabilizar recursos e especialmente “adequar e contextualizar o currículo nacional à realidade específica dessa escola. Para estes autores, a noção de DC corresponde a uma estrutura de coordenação vertical dos professores de uma disciplina (intradisciplinar) e uma estrutura de coordenação horizontal dos vários professores de áreas de saber próximas (inter/pluridisciplinaridade). Mas a especialização disciplinar, enraizada nas várias culturas profissionais tem sido ultrapassada muito lentamente numa continuada postura defensiva de cada disciplina e dos seus conteúdos disciplinares (Abelha, 2007; Roldão, 2009), reforça esta ideia de inércia em relação ao desenvolvimento de uma cultura interdisciplinar que visa uma alteração à estrutura organizacional das disciplinas, referindo a necessidade de “(…) criação de espaços de trabalho conjunto e articulado em torno de metas educativas (…) que se traduz na interdisciplinaridade curricular” (pp.34-35).

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Alguns estudos recentes sobre a realidade portuguesa ajudam a clarificar o lugar desta estrutura nos agrupamentos de escolas, as suas funções e o papel desempenhado pelos diversos actores. Assim, de acordo com Lopes (2004), tendo em conta todas as directrizes normativas da administração central do nosso sistema educativo, numa perspectiva organizacional e estrutural, a organização da estrutura escolar alicerça - se, entre o vértice estratégico de topo (órgão com função de gestão global, elevada responsabilidade sobre a organização; que garanta a concretização dos seus objectivos de um modo eficaz; defina e desenvolva estratégias de actuação; funcione como um todo e de um modo integrado; supervisione os recursos humanos e materiais; governe e controle globalmente a escola), o vértice intermédio, que tem as mesmas funções das do topo, mas no contexto da gestão da própria estrutura e a base/ núcleo operacional (conselhos de turma, sala de aula, conjunto de todos os professores e alunos)

Rodrigues (2006), por sua vez, define a estrutura intermédia, do seguinte modo: “Ser intermédia, significa que deve ser maleável e estar apta a ajustar-se, tanto às exigências do nível hierárquico superior, como às condições e às capacidades dos níveis hierárquicos inferiores” (p. 11).

Moreira (2008) recorreu à descrição organizacional de Minzberg (1995) para situar, na estrutura organizacional de uma escola, esta estrutura. Assim, este autor, citado por Moreira, define as componentes básicas de uma organização da seguinte forma: “(…) vértice (topo) estratégico, linha hierárquica, núcleo operacional (os órgãos operacionais ou hierárquicos detentores de autoridade e de poder de decisão), tecnoestrutura e serviços de apoio logístico (órgãos funcionais ou de staff com funções de aconselhamento técnico ou de apoio aos órgãos operacionais).” (p 14). Com base nesta descrição organizacional, o DC situa-se na linha hierárquica - enquanto uma estrutura de gestão intermédia e o CDC como um elemento de ligação entre o Topo Estratégico e o Centro Operacional. Esta autora realça que o conceito estrutura de gestão intermédia é marcante a partir dos pressupostos apresentados pela Comissão de Reforma do Sistema Educativo nos anos 80 do anterior século (p.64).

Segundo Formosinho e Machado (2009), para este novo modelo de reorganização e reestruturação da escola, a nível macrosistémico com o agrupamento de várias unidades de gestão e a nível mesosistémico com junção de vários grupos disciplinares em departamento, o “(...) protagonismo cabe mais às estruturas e aos responsáveis de gestão intermédia do que à liderança de topo” (p.13).

Se analisarmos o DC como um “teatro” com muitos actores e múltiplos espaços de actuação, é necessário focar o Coordenador do Departamento Curricular (CD) que actua neste nível

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intermédio com funções diversificadas, pelo elevado número de papéis que lhe são atribuídos, como sejam: de avaliação, coordenação, gestão, liderança, mediação, mobilização e supervisão (entendida como uma apreciação, análise e observação de práticas com consentimento dos actores envolvidos). Todas estas funções estão interligadas, inter-relacionadas e têm a mesma importância, pois, quando uma falha, reflecte-se nas outras. Ainda com base nas teorias da administração referidas no Capítulo I, é de realçar a posição de Chiavenato (1999) que considera que, para um administrador de uma organização ter sucesso, são necessários três tipos de capacidades fundamentais: técnicas, humanas e conceptuais. Estas capacidades sobem numa escala hierárquica à medida que os níveis de exigência por inerência de cargos atribuídos são também mais exigentes no desempenho das suas funções.

- Capacidade Técnica –“ utilizar conhecimentos, técnicas e recurso materiais para a realização de tarefas específicas;

- Capacidade. Humana – “capacidade e discernimento para trabalhar com pessoas, comunicar, compreender as suas atitudes e motivações e desenvolver uma liderança eficaz. Habilidade de lidar com pessoas implica, orientá-las, liderá-las e motivá-las continuamente;

- Capacidade Conceptual – capacidade de lidar com ideias e conceitos abstractos, onde quer chegar, definir o comportamento para futuras acções, capacidade de diagnóstico (resolução de problemas) e de visão futura (gerar novas ideias e inovação).

De acordo com Chiavenato, coordenar um grupo de pessoas implica um processo complexo com várias fases: “planear, organizar, dirigir e controlar a acção”. (pp.553-627). Rodrigues (2006), sintetiza o papel do CD de uma forma aglutinadora, afirmando: “é uma peça fundamental na coordenação do trabalho do departamento, na liderança dos docentes que o constituem e na articulação entre o departamento e as restantes estruturas existentes na escola” (p. 2). Na verdade, grandes desafios são pedidos a esta figura (CD), no sentido de se descentralizar na organização escola a liderança internamente, de uma forma colegial. Esta liderança denominada dispersa (Costa, 2000, citado por Gama, 2008, p.29), neste caso, acaba por difundir as ideias, os processos e as práticas do líder principal materializado no director executivo.

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