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CAPÍTULO I DESENHO DE PESQUISA: DA TEORIA DOS

1.2 Definição do objeto

A partir das discussões nas seções anteriores, acreditamos que a melhor maneira de apreensão do nosso objeto seria através do estudo de uma entidade da sociedade civil, que venha prestando atendimento a jovens em conflito com a lei, e, ao mesmo tempo, faça parte ativamente do Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente5, permitindo a verificação da capacidade de tematização das demandas dessa população na esfera pública.

Yin (2005, p. 32) define

[...] o estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um método que abrange tudo – tratando da lógica de planejamento, das técnicas de coleta de dados e das abordagens específicas à análise dos mesmos. Nesse sentido, o estudo de caso não é nem uma tática para a coleta de dados nem, meramente uma característica do planejamento em si (Stoecker, 1991), mas uma estratégia de pesquisa abrangente.

3 Constituído pela lei municipal 3.613/1990, é composto por 12 representantes da sociedade

civil e o mesmo número do governo municipal. Cada uma destes indica um conselheiro titular com direito de voto e outro reserva. De acordo com regimento interno o mandato das instituições participantes é pelo período de dois anos, podendo ser reeleitas. Outra característica é a existência das seguintes comissões internas: políticas, projetos, orçamento e finanças e registro de entidades.

4 Situada a 34 km de Porto Alegre, possui uma população superior a 210 mil habitantes. 5 A escolha deste conselho deve-se ao fato de o Sistema Nacional de Atendimento Sócio-

Educativo (SINASE, 2006) afirmar ser deste a responsabilidade pela elaboração das ações destinadas aos jovens em situação de internamento.

A escolha de trabalharmos com uma ONG6 do conselho e não diretamente com os sujeitos deve-se ao fato de os jovens não poderem eles mesmos participar das reuniões do mesmo, para definir as ações que mais lhes interessam, como seria esperado dentro de um modelo deliberativo de políticas públicas, porque somente têm direito de voto os conselheiros escolhidos por suas respectivas instituições.

Segundo Habermas (2003), são os atingidos que devem propor o que é importante ou não para si por meio de reuniões e conselhos. No caso em particular, como não podem fazer isto, acabam sendo representados por alguma entidade que se torna o único meio institucionalizado de as suas demandas serem tematizadas na esfera pública.

Há, nesse caso, extensa literatura acerca dos limites e potencialidades da representação; contudo, gostaríamos de ressaltar o estudo de Castelo, Gurza Lavalle e Houtzanger (2006) que identifica nos conselhos novas formas de reconexão entre as populações e os círculos de poder, sendo a representação legitimada por cinco argumentos diferentes: filiação, identidade, proximidade, serviços e intermediação. No caso aqui em tela, parece haver uma fusão entre os dois últimos, porque a entidade, ao prestar serviços aos jovens, adquire certa legitimidade, pois passa a ser conhecedora das demandas do seu público. Ao mesmo tempo, devido à situação de internamento é a única forma institucional de intermediação de tais necessidades:

Esse conjunto de organizações civis não reivindica qualquer noção de autenticidade ou representação genuína em face das instituições tradicionais, como aparece com freqüência nos discursos dos atores societários, mas declara seu comprometimento com um trabalho de intermediação orientado a conectar representantes e representados, isto é, segmentos da população mal ou sub-representados , de um lado, e Estado e circuitos da política eleitoral, de outro. Trata-se de um argumento que situa as organizações civis como uma nova instância de mediação entre

6 Adotamos aqui a definição de ONG a partir de Scherer-Warren (1995, p. 165): “Pode-se

definir as ONGs como organizações formais, privadas, porém com fins públicos, sem fins lucrativos, autogovernadas e com participação de parte de seus membros como voluntários, objetivando realizar mediações de caráter educacional, político, assessoria técnica, prestação de serviços e apoio material e logístico para populações-alvo especificas ou para segmentos da sociedade civil [...]”.

representantes e representados (CASTELO; GURZA LAVALLE; HOUTZANGER, 2006, p. 59).

Avritzer (2007) sustenta que, em muitos casos, as representações exercidas pelas instituições da sociedade civil apresentam três papéis políticos diferentes, a saber, agente, advogado e partícipe. Todas essas três apresentam-se como formas de legitimação da ação dos sujeitos no interior das deliberações conselhistas, contudo expressam certa afinidade entre representante e representados. O autor identifica que, por mais diferentes que possam ser cada um desses papéis, existe um laço de afinidade que acabará conceituando a representação como por afinidade:

O que fornece a legitimidade da representação por afinidade? A legitimidade do representante entre outros atores que atuam da mesma maneira que ele. Neste sentido, a questão das identidades parciais na política reassumem um novo papel que foi, de alguma maneira, abolido pela política moderna (AVRITZER, 2007, p. 458).

Considerando todo o debate pertinente aos conselhos seja sobre sua importância, seja capacidade representativa, definimos para a escolha da entidade a ser estudada os seguintes critérios: (a) manter trabalho direto com jovens em conflito com a lei; (b) ser membro titular do Conselho de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente de São Leopoldo há pelo menos dois anos (um mandato). Com base nesses critérios, selecionamos o Círculo Operário Leopoldense7 (COL). Essa instituição desenvolve, entre outras atividades com crianças e adolescente, o projeto CASEMI8 responsável pelo acolhimento dos jovens do sexo masculino, da região do Vale dos Sinos, sendo essa iniciativa pioneira9 no Estado do Rio Grande do Sul.

Pode se objetar o fato de termos optados somente por uma instituição. Respondemos que, de acordo com a construção do desenho de pesquisa, seria demasiado complicado executar o trabalho de campo

7 O Círculo Operário Leopoldense (COL) é membro de COMDEDICA desde 2006, tendo

atuação na cidade há mais de 74 anos.

8 Centro de Atendimento Sócio-Educativo em Semiliberdade destinado a jovens cumprindo

medidas de restrição de liberdade.

9 Trata-se da primeira parceria efetuada entre Governo do Rio Grande do Sul e sociedade civil

da forma como definido aqui em mais de uma instituição, devido ao tempo demandando para tal trabalho.

Os critérios de escolha da entidade também podem ser criticados, contudo quisemos garantir a maior representatividade possível, escolhendo uma entidade com história dentro do conselho e que potencialmente seja capaz de captar as demandas da população com quem trabalha.

Lembramos, ainda, que as dificuldades de generalização de que os Estudos de Caso geralmente são acusados, devido ao fato que nenhum fenômeno social particular é capaz de se repetir da mesma forma em outras ocasiões, não invalida a sua utilização, pois como lembra Yin (2005, p. 29-30),

Uma resposta muito breve é que os estudos de caso, da mesma forma como os experimentos, são generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações e universos. Neste sentido, o estudo de caso, como o experimento, não representa uma ‘amostragem’, e, ao fazer isso, seu objetivo é expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüências (generalização estatística).

Dessa maneira, o presente trabalho colocará à verificação não só todo um quadro teórico relacionado às dinâmicas de funcionamento dos mecanismos de fluxos comunicacionais em um regime democrático e da capacidade de tematização da esfera pública por parte da sociedade civil, como também do conceito de reconhecimento intersubjetivo e de seu reverso o não-reconhecimento trabalhado.