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CAPÍTULO I DESENHO DE PESQUISA: DA TEORIA DOS

1.6 Tipos ideais de fluxos comunicacionais

deliberação; outro em que se faz ausente. Dessa forma, esperamos criar as melhores condições de compreensão da realidade estudada.

1.6 Tipos ideais de fluxos comunicacionais

Tipo Reconhecimento – nesse modelo as demandas culturais, sociais e políticas dos jovens internos são captadas eficazmente pela ONG. Isto se dá primeiro por intermédio dos socioeducadores que realizam diariamente atividades com eles, possibilitando que se expressem sem coerções ou medo de futuras represálias, encontrando por parte do interlocutor uma postura de escuta, graças à manutenção de um clima de confiança e respeito mútuo. Tal comportamento dos socioeducadores só é possível porque entendem a importância de cada um daqueles sujeitos, colocando-se na posição do outro como alguém que busca a autorrealização.

Ao mesmo tempo, o corpo técnico procura informar durante as reuniões de equipe aos dirigentes as experiências relatadas pelos jovens durante os atendimentos psicológicos e assistências, sejam essas queixas narrativas de projetos pessoais, sejam algum assunto que lhes tenham chamado a atenção, permitindo que tais relatos sejam problematizados com base na possibilidade de seu atendimento. Por seu turno, os dirigentes ouvem e discutem com toda a equipe da instituição tais demandas, procurando, na medida do possível e do razoável, atender a essas necessidades, expondo os limites de tais propostas.

Em outro momento, tais dirigentes entabulam conversas com os representantes da entidade no conselho, relatando todo esse processo, esperando que, mais adiante, tais demandas sejam apresentas e discutidas nas assembleias do conselho, de que se espera que, depois de feitos todos os enfrentamentos, sejam alcançados alguns consensos sobre alguns dos temas propostos pela instituição, encaminhando ao governo projetos que permitam a autorrealização desses jovens em termos semelhantes aos por eles apresentados na entidade.

A realização efetiva desse percurso evidencia posturas de escuta e cuidado, ou seja, um comportamento interessado no indivíduo, revelando o reconhecimento recíproco, estabelecido na relação entre todos os sujeitos implicados. A categoria reconhecimento assim se faz presente e constitui explicativa dessa realidade, pois sua ausência, como verificaremos no outro modelo, implicará a instrumentalização dessas práticas comunicativas.

Antecipando o capítulo seguinte, o reconhecimento intersubjetivo para ser efetivado é indispensável que se considere aspectos culturais, particulares e dos grupos em que esses jovens estão inseridos como ponto de partida de qualquer debate público em torno do tema, o que acaba conferindo legitimidade e eficiência às ações possivelmente desenvolvidas, posteriormente, impactando positivamente na autorrealização dos jovens. A sua não realização [do reconhecimento] torna-se extremamente negativa, não só para o indivíduo do ponto de vista da sua subjetividade, como também para a vida pública, pois ela só existe na medida em que os participantes se vejam como sujeitos merecedores de respeito e estima.

Fica clara a importância da ONG estudada, porque é ela a interlocutora dessa parcela da população na esfera pública na definição das ações do Estado. Sendo a sua omissão ou incapacidade de captar as demandas dos jovens, o princípio do esquecimento deles e de seus projetos pessoais.

Tipo Reificado – Neste modelo, as necessidades culturais, sociais e políticas presentes nos jovens internados na entidade não são reconhecidas/apreendidas pelos socioeducadores que mantêm com eles apenas uma relação instrumental, motivada pelo esquecimento da importância daqueles indivíduos como portadores de expectativas e projetos pessoais e pela incapacidade de assumirem a posição do outro. Dessa forma, propõem-se apenas a cuidar para que as normas internas sejam obedecidas e que os internos tenham condições mínimas de atendimento, portanto, não estando, efetivamente, interessados nos seus relatos e histórias de vida.

Por sua vez, os dirigentes têm a sua atenção monopolizada por trâmites burocráticos do funcionamento da entidade, por exemplo, envolvimento com licitações de equipamentos ou prestação de serviços, dispondo, assim, de pouco tempo para ouvir a equipe ou até mesmo os jovens, o que refletirá em uma postura de desatenção à importância do conselho.

Assim, os temas que poderiam vir a ser captados e futuramente colocados em pauta nas plenárias do conselho não são percebidos ou, quando chegam, são tratados pelos conselheiros, partindo do pressuposto de que esses jovens precisam ser reinseridos na sociedade por meio do trabalho ou outras ações, que possam lhes assegurar um papel social, sem levar em conta o que eles, realmente, consideram importantes. O não reconhecimento de suas demandas por autorrealização acaba por reificar atitudes de esquecimento do lugar do outro.

Conforme veremos, esse não reconhecimento ganha contornos de reificação a partir do momento que indivíduos adotam uma conduta de contemplação e objetivação do mundo objetivo, social e de si mesmos. Na perspectiva reificada os jovens são visto como produtos da sociedade a serem controlados – racionalizados – a partir daí postos a disposição como objetos. Porém, diferentemente, da forma cunhada por Lukács, para quem o fenômeno da reificação está exclusivamente relacionado à mercadoria ter se tornado o equivalente universal de troca. Honneth (2007a) identifica a causa deste fenômeno no esquecimento da origem das relações de convívio social, que pressupõem uma disposição anímica positiva de cuidado de todos os envolvidos uns com os outros.

Torna-se apropiado lembrarmo-nos de que para Honneth (2007a, p. 51) reificação como não reconhecimento pode ser entendida da seguinte maneira: “[…] reificación quiere aquí una costumbre de pensamiento, una perspectiva que se fosilizó y se convirtió en hábito, a partir de cuya adopción el sujeto pierde la capacidade de implicarse con interés, del mismo modo que su entorno pierde el carácter de accesibilidade cualitativa”.

Enfim, se a reificação é o esquecimento do reconhecimento, é preciso encontrar as práticas de socialização que permitem a sua institucionalização e sobrevivência no tempo. Práxis nas quais a simples observação do outro ou sua utilização na forma de instrumento destituído de qualidades bastam a si mesmas.

Portanto, o tipo reificante pode ser entendido como uma prática comunicativa institucionalizada em que há o esquecimento do reconhecimento, na medida em que os indivíduos adotam uma conduta racionalizada, esquecendo o sentido primeiro de suas ações, que é de cuidado e implicação com os outros. Não queremos com isso dizer que as entidades que trabalham numa perspectiva aproximada a essa incorrem em erro, pelo contrário, nossa intenção é apontar para formas de ação capazes de garantir maior reconhecimento dos jovens.

Enfim, o que caracteriza essa postura é a ausência da perspectiva do reconhecimento presente no primeiro tipo, predominando, aqui, uma visão integradora de sociedade, em que caberia ao Estado desenvolver medidas eficazes para a reintegração desses jovens ao convívio social de uma forma útil para a sociedade. Nossa hipótese de trabalho irá estruturar-se com base em todo esse desenvolvimento teórico-analítico.