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CAPÍTULO 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ACESSO AO ENSINO

1.3 Definições e interfaces entre política e Estado

Nas pesquisas em educação e em políticas educacionais não se pode desvincular a interface existente entre a política e o Estado. É essencial compreender as relações entre o sistema governamental, suas implicações nos processos educacionais e os resultados que serão gerados na vida das pessoas. Esta é uma forma de desvelar o sentido das políticas educacionais adotadas sob uma perspectiva de superação das desigualdades e de transformação da sociedade.

As análises sobre a política e o Estado têm suas origens na idade antiga, nas civilizações grega e romana. É na Grécia que os estudos sobre as relações entre Estado, governo e povo tomam corpo e assumem sua importância. Platão, na obra A República, dá início aos debates sobre o governo e suas diversas formas, entretanto, é seu discípulo Aristóteles quem realiza as primeiras discussões sobre a “[...] natureza, funções e divisão do Estado e sobre as formas de governo” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2010, p. 954). Com o passar dos tempos houve um descolamento no significado do termo política. O vocábulo passou, então, a representar o conjunto de relações qualificadas pelo adjetivo político, que culminou para a construção de uma ciência sobre esse conjunto de relações. Nesse caso, “política passa, então, a designar um campo dedicado ao estudo da esfera de atividades humanas articulada às coisas do Estado” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2004, p. 7).

Estado e política são conceitos inseparáveis, diante disso, a discussão sobre política implica em discussões sobre o Estado e as formas de governo nele imbricadas. Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2004, p. 7) “o pensamento político moderno tende a definir Estado como o momento supremo da vida coletiva dos seres humanos”. O Estado contemporâneo em suas diferentes concepções tem diferenças marcantes no tocante ao sistema político, que pode assumir conceitos sob diferentes perspectivas.

Dentre as teorias do Estado surgidas nos últimos anos, “[...] frequentemente em polêmica entre si” (BOBBIO, 1987, p. 58), pode-se destacar duas delas: a funcionalista ou liberal, que originou o neoliberalismo e a marxista. O autor afirma que existem diferenças

entre estas duas vertentes na concepção de ciência e quanto ao método, “mas a diferença essencial refere-se à colocação do Estado no sistema social considerado em seu conjunto” (BOBBIO, 1987, p. 58).

A perspectiva liberal concebe o Estado com maior neutralidade com relação à vida social, defendendo o livre mercado como viés para o bom funcionamento da sociedade. Esta teoria surgiu devido à mudança do sistema econômico, e foi adaptado para melhor atender as necessidades da classe que se destacou nesse processo: a burguesia.

O sistema liberal sofreu mudanças para superar as crises existentes, exaltando o livre mercado e a livre concorrência como forma de promover a igualdade entre os cidadãos. O neoliberalismo, considerado como um avanço do liberalismo compartilha do ideal da liberdade individual, questionando a intervenção do Estado na sociedade, como, por exemplo, através de políticas públicas que possam favorecer as classes mais baixas.

O sistema vivenciado atualmente, o neoliberalismo, amplia as desigualdades existentes, pois as classes diferentes não podem concorrer igualmente, exatamente por não serem iguais. Neste contexto, estudantes oriundos de classes historicamente desfavorecidas não podem concorrer com estudantes que tiveram melhores oportunidades educacionais e sociais, devido à violência simbólica e a reprodução das desigualdades vivida por sua classe. Daí a importância de que políticas de caráter afirmativo, como a política de cotas, seja adotada, numa perspectiva de superação das desigualdades sociais e educacionais, para diminuir o fosso existente entre pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres.

No entanto, o neoliberalismo defende que oferecer oportunidades diferenciadas a grupos diferenciados fere o princípio da igualdade e da liberdade, mesmo quando os grupos beneficiados são grupos com oportunidades minoradas em virtude de sua posição social. “[...] a maximização da liberdade está em proteger-se o sistema de mercado, necessário e suficiente para a existência da liberdade individual” (PERONI, 2003, p. 27). Dessa forma é essencial que o mercado seja protegido do Estado e da opressão que as classes mais baixas podem oferecer ao desfrutarem de políticas públicas voltadas para superação das desigualdades.

Ao seguir estes princípios, a classe dominante oprime os sujeitos pertencentes às classes mais discriminadas social e historicamente, de forma que estes sujeitos permanecerão na posição social de origem e não representarão risco aos dominantes.

Estas são razões para que a política de cotas seja rechaçada pela parcela mais abastada da sociedade, que faz por conhecimento dos interesses do Estado. Ou, ao contrário, pelas próprias classes desfavorecidas que são contra as políticas afirmativas, nesse caso, quando há o desconhecimento das relações sociais, sendo que as próprias classes de baixa renda

legitimam o discurso da igualdade pela força da ideologia do mérito, para todos os cidadãos, independentemente da classe à qual pertencem.

Defensores do Estado mínimo (mínimo para as políticas públicas e máximo para o mercado) afirmam que as políticas públicas são as maiores responsáveis pela crise que assola o Estado hoje. Para isso apoiam-se na afirmação de que as políticas públicas promovem o inchamento da máquina governamental, levando ao aumento dos impostos e encargos sociais. Assim, no neoliberalismo surgem estratégias para reforma do Estado, como a privatização e a publicização9, ou terceiro setor10

Por sua vez, a vertente marxista se opõe ao liberalismo, e tem em sua essência o questionamento da propriedade privada, criticando as divergências e interesses sociais que prejudicam a classe trabalhadora. Bobbio (1987) defende que existe uma diferença essencial entre os dois sistemas. O autor destaca que dentro desta concepção é necessário compreender que a estrutura, ou seja, a base econômica exerce uma função determinante sobre a superestrutura política (Estado). Essa relação é recíproca, ambas são influenciadas e influenciam mutuamente, contudo, a base econômica (estrutura) exerce o papel determinante em última instância.

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Para o marxismo o Estado exerce uma função de organização às classes econômicas dominantes. O Estado serve à classe dominante e não representa o bem comum, mas media os conflitos sociais surgidos em função da divisão da sociedade em classes sociais distintas. “[...] o Estado não existe como obra da classe dominante, mas, ao surgir como o resultado do modo material de vida dos indivíduos, assume a forma da vontade dominante”. (MARX; ENGELS, 1974, p. 388 apud PERONI, 2003, p. 21).

Portanto, como explica Peroni (2003, p. 22), “[...] o Estado não pode ser entendido por si mesmo, mas nas relações materiais de existência”. Isso acontece porque do ponto de vista material, o Estado determina os processos que permeiam a sociedade. Contudo, para compreender o papel das políticas afirmativas no modelo de Estado atual é importante

9 Peroni (2003, p. 61) explica que terceirização, [...], é o processo de transferir, para o setor privado serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste ‘na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta’.

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Montaño (2008) diz que o conceito de terceiro setor tem origem norte-americana e prega o associativismo e o voluntariado, que fazem parte da política do Estado e está baseada nos ideais liberais. O termo é construído partindo de um recorte das esferas sociais, onde o Estado é o “primeiro setor”, o mercado é o “segundo setor” e a sociedade civil é o “terceiro setor”. O terceiro setor é o público não estatal, que veio com o intuito de responder às demandas sociais. É mantido com recursos públicos, mas não está submetido diretamente ao Estado. “Nossa abordagem sobre o ‘terceiro setor’ não parte do conceito de um fenômeno isolado, mas por ter como ponto de partida o movimento e as tendências das transformações do capital como um todo, chega ao ‘terceiro setor’ como um fenômeno partícipe dessas transformações gerais, como produto delas” (MONTAÑO, 2008, p. 52). O autor mostra que dentro desta perspectiva, ocorre a diminuição do Estado em virtude da sociedade civil, com o intuito de suprir as demandas sociais.

compreender os processos determinados por este mesmo Estado, considerando as variáveis existentes no contexto social.