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CAPÍTULO 3 – AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS DA UEPG

3.2 O processo de implementação da política de cotas no período 2007-2010

3.2.2 O relatório referente a 2008-2010

Uma das metas traçadas pela Comissão no ano de 2009 foi a criação de um sistema informatizado para a avaliação e análise do desempenho e da movimentação acadêmica dos estudantes ingressantes pela política de cotas da UEPG, integrado à CPA, denominado PROGRAD/CPA. Nesse sentido, houve a necessidade de um profissional da área de informática para atuar junto à Comissão, devido à quantidade de dados a serem tratados.

Os relatórios desenvolvidos no sistema online foram criados com base na avaliação da política de cotas realizada em 2008 de forma manual, referente aos ingressantes 2007. Considerando-se que a cada ano letivo há um novo ingresso por cotas, é evidente a necessidade de acompanhar a vida acadêmica dos estudantes, tanto quanto ao desempenho acadêmico quanto à movimentação acadêmica, ano a ano de sua permanência na Universidade. Diante das questões citadas é possível perceber que o sistema foi sendo construído passo a passo ao longo de meses, mas a Comissão acredita que a sua criação e desenvolvimento extrapolou a intenção inicial, que era apenas coleta de dados dos acadêmicos ingressantes cotistas, estendendo-se a coleta de informações para todas as formas de ingresso nos cursos

de graduação da UEPG. [...]. Os dados gerados no Sistema de Avaliação da Política de Cotas são atualizados automaticamente, ou seja, em tempo real [...] (UEPG, 2011, p. 16).

A criação do sistema online para acompanhamento da vida acadêmica foi de grande valia para a UEPG como um todo, pois estendeu-se a todas as formas de ingresso nos cursos de graduação, possibilitando não somente aos membros da Comissão o acesso às informações sobre os acadêmicos, mas também aos gestores institucionais e agentes administrativos.

Paralelamente, à criação do sistema de informações, a Comissão organizou em 2010 um processo de avaliação qualitativo em parceria com a CPA, para diagnosticar a opinião dos discentes e docentes sobre a política de cotas da instituição. Elaborou-se um questionário que foi disponibilizado de forma online na página virtual da UEPG aos estudantes, em virtude de dificuldades encontradas para reunir os estudantes cotistas presencialmente. Os questionamentos buscaram diagnosticar a percepção dos estudantes cotistas29 quanto aos seguintes itens:

• desempenho acadêmico; • adaptação acadêmica; • integração;

• conhecimento de bolsas de iniciação científica e de extensão; • participação em programas de incentivo à pesquisa e à extensão.

O instrumento avaliativo ficou disponível para todos os estudantes de graduação da UEPG no período de 01 de julho a 15 de agosto de 2010 e contou com a participação de 46 cotistas negros oriundos de escola pública, de 357 cotistas oriundos de escola pública e 626 estudantes da cota universal, conforme apresentado na tabela 2:

29 É importante destacar que a análise dos dados obtidos por meio desta avaliação, embora os estudantes de todas as cotas pudessem participar, destinou-se exclusivamente às respostas dos estudantes negros oriundos de escola pública e estudantes oriundos de escola pública. Segundo a Comissão “Os dados coletados dos ingressantes da cota universal na pesquisa avaliativa realizada serão objeto de outro relatório, considerando que ainda não foi possível fazer a análise devido ao volume de respostas e ao tempo de disponibilização dos membros da Comissão, que também exercem outras funções, os quais optaram por priorizar as respostas consideradas com objeto principal da Comissão de Acompanhamento e Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG, neste período de trabalho.” (UEPG, 2011, p. 18).

Tabela 2 – Participação discente na avaliação da política de cotas da UEPG – 2010. Tipo de Cota de Ingresso Acadêmicos Matriculados Acadêmicos Participantes (%) Participação da cota na avaliação Negros 151 46 30% Escola Pública 1.064 357 34% Universal 2.517 626 25% Total 3.732 1.029 28%

Fonte: CPA/PROPLAN – 2010, apud UEPG, 2011, p. 32.

Os dados oriundos da avaliação online realizada pelos estudantes cotistas foram analisados no segundo semestre de 2010 por alguns membros da Comissão, utilizando a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC de Lefèvre e Lefèvre (2005b), pois a mesma também é indicada para resultados de pesquisas em avaliação, acrescida de informações quantitativas para complementação e melhor interpretação dos dados coletados.

Para coleta de dados junto aos docentes sobre a política de cotas a Comissão enviou uma carta via e-mail para todos os professores da instituição, convidando-os a expressar sua opinião sobre os seguintes aspectos:

• desempenho acadêmico; • relacionamento/adaptação; • integração como acadêmico;

• interesse em participação em projetos de pesquisa e extensão, direcionado aos cotistas.

A data limite para os docentes encaminharem, via e-mail das avaliações foi até 20 de setembro de 2010. Infelizmente, somente oito cartas foram enviadas como respostas à Comissão pelos docentes da instituição.

A Comissão realizou a análise dos dados obtidos e concluiu que no tocante às médias obtidas pelos estudantes cotistas durante os cursos de graduação há uma diferença muito pequena entre cada tipo de cota. Como mostra o quadro 2, independente do tipo de cota, a maioria dos estudantes obtém o desempenho médio esperado para o curso no qual ingressaram.

Quadro 2 – Síntese das médias anuais no período 2007-2009 conforme a Cota de Ingresso.

ANO DE INGRESSO NEGROS E. PÚBLICA UNIVERSAL

Médias Anuais Médias Anuais Médias Anuais

2007 2008 2009 2007 2008 2009 2007 2008 2009

2007 5,21 5,67 5,24 6,59 6,49 6,19 6,34 5,99 5,91

2008 6,07 5,62 6,33 6,05 6,05 5,65

2009 5,27 6,15 6,32

Fonte: CPA/PROPLAN – 2010, apud UEPG, 2011, p. 25.

O quadro 2 permite observar que tanto estudantes que ingressaram pela cota para negros, quantos estudantes ingressantes pela cota de escola pública e estudantes ingressantes pela cota universal têm mantido sua média, tendo variações pouco significativas em termos estatísticos. Dessa forma, pode-se concluir que os estudantes vêm mantendo um padrão no tocante ao desempenho acadêmico no seu curso de graduação. O quadro 3 apresenta o detalhamento da análise estatística contida no relatório analisado.

Quadro 3 – Série histórica das médias anuais dos acadêmicos ingressantes pelo sistema de cotas da UEPG 2007-2010.

COTA NEGROS Ano de Ingresso Média Aritmética 𝒳𝒳� Desvio Padrão σ Coeficiente de Variação cv 2007 5,4 0,21 3,9% 2008 5,9 0,22 3,8% 2009 5,7 - - Média Final UEPG 5,7 COTA ESCOLA PÚBLICA Ano de Ingresso Média Aritmética 𝒳𝒳� Desvio Padrão σ Coeficiente de Variação cv 2007 6,4 0,17 2,7% 2008 6,2 0,14 2,3% 2009 6,2 - - Média Final UEPG 6,3 COTA UNIVERSAL Ano de Ingresso Média Aritmética 𝒳𝒳� Desvio Padrão σ Coeficiente de Variação cv 2007 6,1 0,19 3,1% 2008 5,9 0,2 3,4% 2009 6,3 - - Média Final UEPG 6,1

Fazendo a análise das médias anuais, é possível perceber que estas permanecem dentro da normalidade.

O resultado obtido nos possibilita concluir que a diferença nas médias do desempenho acadêmico não é significativa, diferença esta considerada uma variabilidade normal em termos estatísticos. O afastamento de 0,3 pontos (para mais ou para menos) em torno da média indica que as médias entre 5,7 e 6,3 situam-se na região de normalidade da distribuição das notas, e também que aproximadamente 70% dos acadêmicos/cursos da UEPG têm média incluída nesse intervalo numérico (UEPG, 2011, p. 28).

Embora alguns estudantes relatem na pesquisa online que tiveram dificuldades no início do curso de graduação, vêm tendo um bom desempenho estudantil e justificam suas dificuldades de aproveitamento devido a fatores como:

• falta de empenho acadêmico;

• fraca formação no ensino médio (com ênfase para os conteúdos de matemática, física e química);

• excesso de atividades; • falta de professores;

• formação didático-pedagógica dos professores;

O relatório traz informações que revelam que parte dos estudantes cotistas participantes da pesquisa on line consideram as dificuldades encontradas irrelevantes, pois é uma questão de afinação e ajustamento com o ensino superior. Por sua vez, houve estudantes que afirmaram ter embasamento suficiente no ensino médio, “alguns consideram seu desempenho muito bom, inclusive melhor até das pessoas que estudaram em escolas particulares” (UEPG, 2011, p.34). O relatório traz inclusive que alguns estudantes não tiveram dificuldades para obter boas notas, os estudantes destacaram que a teoria e a prática se complementam em seu curso, o que facilita o processo de aprendizagem. Os estudantes cotistas relatam também que a necessidade de ingressar no mercado de trabalho paralelamente a realização do curso de graduação resultou em uma grande dificuldade para melhorar seu rendimento. estes fatos comprovam que a violência simbólica sofrida por estudantes oriundos de classes menos abastadas tem de ser superada cotidianamente, para que o objetivo de conclusão do curso superior seja atingido.

O documento analisado (relatório da comissão) revela ainda que em todos os Setores de Conhecimento há um percentual bastante elevado de estudantes que consideram sua

adaptação acadêmica ótima. Estes estudantes relatam que desde o início de sua vida acadêmica tiveram um bom relacionamento com toda a comunidade universitária e não sentem diferença por serem cotistas. Também houve estudantes que consideraram a sua adaptação boa. Estes estudantes, por sua vez, relatam que no início do curso sentiram dificuldades, devido ao preconceito com estudantes cotistas e às dúvidas por parte dos colegas sobre o seu desempenho futuro, no entanto eles relatam que tais dificuldades foram superadas com o tempo. O relatório mostra ainda que os estudantes que consideram sua adaptação regular atribuíram as dificuldades às deficiências trazidas do ensino médio e pelo fato de não residirem em Ponta Grossa antes da aprovação no vestibular, o que implicou na adaptação na nova cidade concomitante à adaptação à vida universitária.

Quanto à integração à vida acadêmica, questão contemplada pela avaliação online realizada pela Comissão, os estudantes apontaram que professores e funcionários ajudam na integração dos estudantes e que os órgãos internos da instituição são de fácil acesso. O relatório aponta ainda que há estudantes cotistas que tiveram problemas de integração, devido ao preconceito e não aceitação da política de cotas por colegas não cotistas. Outro fator levantado pelos estudantes cotistas participantes da pesquisa que ressaltou a dificuldade de adaptação à vida acadêmica foi a rivalidade entre docentes no âmbito do curso, o que acaba por prejudicar a integração professor-aluno. Também houve relatos de dificuldades de integração devido às deficiências no ensino dos conteúdos do ensino médio e a falta de informação sobre assuntos acadêmicos importantes.

Com relação ao conhecimento de bolsas de iniciação científica e de extensão, o relatório mostra que mais da metade dos estudantes respondentes da pesquisa online não têm conhecimento sobre as bolsas ou conhecem parcialmente os programas, o que dificulta sua participação.

A pesquisa online solicitava ainda outras informações ou sugestões a respeito da política de cotas. A Comissão realizou a análise dos depoimentos e estes foram alocados nas seguintes categorias: sugestões gerais, posicionamento sobre a política de cotas, fragilidades apontadas, e satisfação. As sugestões gerais apontadas pelos estudantes participantes da pesquisa giraram em torno de:

• maior divulgação de programas ofertados pela instituição; • maior número de projetos com bolsas;

• melhora no acervo da biblioteca;

• cursos extracurriculares e/ou aulas de reforço para estudantes ingressantes; • melhor divulgação da política de cotas;

O relatório revela ainda dados quanto ao posicionamento dos estudantes com relação às cotas. Os estudantes se dividem em dois grupos: um grupo a favor das cotas para estudantes negros oriundos de escola pública e para estudantes oriundos de escola pública; outro grupo favorável somente às cotas para estudantes oriundos de escola pública. Os estudantes deste último grupo justificam sua posição afirmando que esta política gera mais discriminação e reafirma o preconceito. Muitos defendem o aumento de vagas para escola pública, devido ao grande número de estudantes egressos da rede pública de ensino. Os estudantes defendem ainda que há a necessidade de existir momentos para discussão sobre a política de cotas na comunidade acadêmica. Os participantes da pesquisa ainda relatam que, embora a política de cotas possa parecer injusta, ela é necessária para que haja uma redução das desigualdades sociais e raciais.

O relatório mostra que as fragilidades apontadas pelos estudantes, quanto à estrutura física e pedagógica, foram significativas e contemplam questões como: contratação docente, valor de bolsas, adaptação curricular, investimentos em estrutura física, segurança e moradia estudantil. É possível observar que há satisfação dos estudantes cotistas, que é expressa por elogios aos programas de iniciação científica e de extensão; pelo respeito e seriedade da instituição; e pelo orgulho em fazer parte da instituição.

Com relação à movimentação acadêmica os relatórios foram organizados quanto aos seguintes itens: abandono, desistente, matriculado, trancado e outros30. A síntese da movimentação acadêmica por ano/cota da UEPG está representada no quadro abaixo

30 “Abandono: quando o acadêmico não confirma a matrícula ou não solicita trancamento oficialmente, ultrapassando o período legal para permanecer com a matrícula trancada; Desistente: quando o acadêmico comunica oficialmente sua desistência no curso no protocolo geral da UEPG; Matriculado: quando o acadêmico encontra-se em situação regular no curso, frequentando-o; Trancado: quando o acadêmico solicita o trancamento do curso oficialmente no protocolo geral da UEPG; Outros: quando o acadêmico solicita transferência para outra instituição (transferência expedida), ou quando o acadêmico ingressa por transferência na UEPG, ou quando jubilado por ultrapassar o tempo máximo permitido para o curso, ou em caso de acadêmico ingressante ou excluído devido a liminares, recursos jurídicos, ou quando falecido.” (RELATÓRIO SÍNTESE 2008-2010, p. 29)

Quadro 4 – Síntese da Situação Acadêmica por Cota/Ocorrência.

2007 Abandono Desistente Matriculado Trancado Outros

Negros 10 3 63 5 1

E. Pública 33 25 315 34 4

Universal 135 24 803 103 25

Total 178 52 1181 142 30

2008 Abandono Desistente Matriculado Trancado Outros

Negros 0 2 41 2 1

E. Pública 18 7 337 35 11

Universal 66 34 811 90 23

Total 84 43 1189 127 35

2009 Abandono Desistente Matriculado Trancado Outros

Negros 2 1 47 2 1

E. Pública 10 5 412 23 0

Universal 39 25 903 66 1

Total 51 31 1362 91 2

Fonte: CPA/PROPLAN – 2010, apud UEPG, 2011, p. 29.

Com base nos dados apresentados é possível perceber que o número de matriculados vem aumentando, ao passo que o abandono, a desistência e o trancamento vêm diminuindo. No anexo C é possível observar o detalhamento da movimentação acadêmica por cota e Setor de Conhecimento do curso.

No tocante a avaliação docente sobre a política de cotas, o relatório destaca que, apesar do número de docentes participantes da pesquisa ter sido extremamente baixo, os depoimentos expressam a realidade vivida nas atividades de docência, pesquisa e extensão. A percepção dos docentes participantes da pesquisa foi de que a maioria dos estudantes cotistas apresenta bom desempenho, em alguns casos com esforço para superar as dificuldades, quando há. Com relação à integração acadêmica, destacam que os estudantes têm facilidade para se inserir no meio universitário e possuem um bom relacionamento com os colegas de curso. Vale ressaltar que os docentes expressam que é difícil identificar os estudantes cotistas em sala de aula. Os docentes ainda relatam que há a participação de estudantes cotistas em projetos de pesquisa e/ou extensão, vinculados à bolsas auxilio e também voluntários e que, com relação à iniciação científica, o desempenho destes estudantes é muito bom, além de mostrarem muito comprometimento com as atividades propostas.

Este documento mostra a importância da política de cotas para o ingresso do estudante oriundo de classes mais baixas e/ou negros no ensino superior, uma vez que o grande obstáculo encontrado por estes estudantes é ingresso, já que seu desempenho acadêmico se iguala aos demais estudantes, o que confirma o exposto por Sousa Junior (2011, p. 49),

As avaliações que vêm sendo realizadas pelas instituições de ensino superior que adotaram algum tipo de ação afirmativa demonstram que não se percebem diferenças significativas entre os alunos aprovados pelo sistema de cotas e os aprovados pelo sistema universal e que as ações afirmativas não eliminam o mérito e não comprometem a qualidade do ensino.

A política de cotas representa uma porta de entrada para estes estudantes, uma possibilidade para galgar novas possibilidades de crescimento e superar a concepção há muito arraigada de que as capacidades individuais e a livre concorrência são pontos que devem ser mantidos para todos os indivíduos nos processos seletivos, independentemente de classe e etnia, que Catani e Oliveira (2003) afirmam. O relatório afirma ainda que apesar de existirem relatos sobre o preconceito com cotistas, a principal questão é que a igualdade de resultados está sendo promovida, ou seja, se justifica como Zoninsein (2006) declara.

Bourdieu (2010a; 2010b; 2010d) e Catani e Oliveira (2003) apontam que muitos estudantes, mesmo pertencentes às classes excluídas historicamente concordam com o ideal capitalista de igualdade e de justiça. Conforme o relatório analisado é possível concluir que alguns dos estudantes cotistas, mesmo tendo utilizado a política de cotas para o ingresso no ensino superior são contra as cotas. Sendo assim, afirma-se que estes estudantes, influenciados pela violência simbólica sofrida historicamente, confirmam que a tentativa de reprodução vem acontecendo.

Esta tentativa de reprodução também percebida no processo de implementação da política de cotas na UEPG demonstra como a ideologia das classes dominantes está arraigada na sociedade. Contudo, como afirma Bourdieu, mesmo a educação sendo um instrumento que reproduz as desigualdades, é somente por este viés que os discursos podem ser modificados, os ideais podem ser revistos e a sociedade pode articular um movimento de superação das desigualdades.

Os resultados apresentados pelo relatório são de fundamental importância para a comunidade acadêmica e podem auxiliar no processo de implementação da política de cotas da UEPG. É através de instrumentos como este que se faz possível a melhoria das condições de vida, efetivamente na dinâmica do real.

3.3 Avaliação da política de cotas na perspectiva dos envolvidos: discentes e gestores