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O processo de implantação da política de cotas na UEPG

CAPÍTULO 3 – AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS DA UEPG

3.1 O processo de implantação da política de cotas na UEPG

As ações afirmativas passaram a ter grande repercussão no cenário nacional, particularmente no tocante às universidades desde o início dos anos 2000 no Brasil. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira universidade brasileira, juntamente com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e com a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) a implantar a política de cotas, com ingresso de estudantes em 2003 (SANTOS, 2006). Neste momento histórico toda a sociedade brasileira estava imersa em discussões sobre o tema, amadurecendo concepções e buscando a legitimidade da política de cotas. Da mesma forma as Instituições de Ensino Superior (IES) estavam discutindo a possibilidade de implantação das cotas nos processos de ingresso dos cursos de graduação.

No Estado do Paraná, as IES que primeiramente decidiram implantar a política de cotas foram a Universidade Estadual de Londrina19

Neste contexto, as discussões oficiais foram iniciadas na UEPG no ano de 2005. Foi apresentado ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) pela então Pró-Reitora da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) o Processo nº 00421 em 17 de fevereiro de 2005, que trazia uma proposta de reserva de vagas nos Processos Seletivos da UEPG para candidatos oriundos de escolas públicas e para aqueles que se autodeclarassem negros. O processo 00421/2005 foi enviado via ofício (nº 32/2005) para o então Reitor, presidente do Conselho Universitário. Após análise do processo pela Procuradoria Jurídica (PROJUR) da UEPG, o documento foi encaminhado novamente ao CEPE para análise, no dia 28 de fevereiro de 2005.

(UEL) em 2004 e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2005.

O documento inicialmente apresentado pela PROGRAD trazia uma proposta de reserva de vagas nos processos seletivos da UEPG e propunha reserva de até 40% das vagas de cada curso de graduação para estudantes oriundos de instituições públicas de ensino, sendo que até 10% dessas vagas estariam destinadas a candidatos que autodeclarassem negros.

Em sessão plenária, do dia 19 de abril de 2005, o CEPE deliberou retirar de pauta o processo, em virtude do pedido de vistas feito por um de seus conselheiros. O processo retornou com parecer do referido conselheiro, que propôs a suspensão das discussões, em virtude da definição de um amplo cronograma de discussões, sobre a política de cotas no âmbito institucional, envolvendo também a sociedade civil.

O CEPE, então, a partir do parecer do conselheiro, determinou a ampliação da discussão sobre políticas afirmativas, e a partir disso foi constituído um grupo de trabalho, com intuito de oferecer maior esclarecimento para a comunidade universitária sobre a política de cotas.

O grupo autodenominado Grupo de Trabalho sobre Democratização do Acesso à Universidade Pública, teve como membros os conselheiros que à época faziam parte dos seguintes órgãos institucionais: um membro da Comissão Própria de Avaliação (CPA); um membro da Pró-Reitora de Graduação; dois Conselheiros do CEPE; um membro do Centro de Auxílio e Orientação ao Estudante – CAOE. Houve a tentativa de incluir nesse grupo de trabalho também a representação discente, mas após vários contatos não houve retorno por parte dos alunos.

19

A UEL enfrentou ação civil pública do Ministério Público Federal, que apontou inconstitucionalidade no tratamento do tema pela instituição. A ação civil foi julgada, sendo que a sentença foi dada a favor da instituição.

Foram propostos três momentos para discussão sobre a política de cotas pelo grupo de trabalho, sendo eles:

1) mesa redonda;

2) discussão nos Setores de Conhecimento20 3) consulta pública via meio eletrônico.

;

Também foram oferecidos meios para subsidiar a comunidade interna e externa com informações, sendo eles:

• elaboração de uma ‘cartilha’ com opiniões diferentes sobre os principais pontos da discussão sobre a democratização do acesso à universidade pública e distribuída a entidades da sociedade civil;

• envio de um texto elaborado por um representante da PROJUR, que constitui uma análise sobre sua participação no Workshop com os Procuradores Jurídicos das Universidades Públicas Brasileiras, organizado pela UERJ e de uma artigo publicado intitulado “Sobre a implementação de cotas e outras ações afirmativas para os afro- brasileiros;

• elaboração e confecção de cartazes de divulgação sobre a discussão e seus momentos, distribuídos a todos os campi da UEPG;

• elaboração de filipetas com informações sobre as ações a serem desenvolvidas;

• fixação de faixas de divulgação sobre os diferentes momentos da discussão no Campus Central e Campus de Uvaranas da UEPG;

• publicação de matérias em jornais locais e no site da UEPG.

Para o momento 1 da mesa redonda, foram convidados expositores com experiência sobre o tema da política de cotas. Solicitou-se aos diretores dos Setores de Conhecimento da UEPG que convocassem as chefias departamentais, coordenações de curso e um representante discente por turma. A participação da comunidade neste momento da discussão foi significativa. Os participantes da mesa redonda foram: Pró-Reitor de Graduação da UEL, que falou sobre o tema Políticas Afirmativas: a experiência da UEL; Professor da UFPR, com o

20 Na UEPG existem seis Setores de Conhecimento: Setor de Ciências Exatas e Naturais – SEXATAS; Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes – SECIHLA; Setor de Ciências Jurídicas – SECIJUR; Setor de Ciências Biológicas e da Saúde – SEBISA; Setor de Ciências Sociais e Aplicadas – SECISA; Setor de Ciências Agrárias e Tecnológicas – SCATE

tema Políticas Afirmativas: aspectos políticos e jurídicos; e Coordenador do Ensino Superior – Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), sendo o tema

Políticas Afirmativas: proposta do Governo Estadual para o Ensino Superior21

No momento 2 foram realizadas discussões nos Setores de Conhecimento e campi avançados da UEPG nos meses de agosto e setembro de 2005, sendo que os Diretores dos Setores de Conhecimento ficaram responsáveis por distribuir o material elaborado junto aos segmentos da sua área de abrangência e convidar/convocar todos à participação atividades propostas. A intenção neste momento era de ampliar as discussões iniciadas com a mesa redonda, de forma que esta fosse multiplicada nas demais instâncias institucionais chegando até a sala de aula.

.

O número de participantes do Setor de Conhecimento Ciências Humanas, Letras e Artes e dos campi avançados foi expressivo, nos demais Setores de Conhecimento a participação foi pequena. Realizaram-se também contatos com entidades da sociedade civil, para que estas participassem dos momentos de discussão com envio do material elaborado e com pedidos para que enviassem suas opiniões, sugestões e posicionamentos.

Para a consulta pública eletrônica definida como momento 3 foi realizado pela PROGRAD e pelo Centro de Processamento de Dados (CPD), que desenvolveu um instrumento de coleta de dados específico, sendo definida a data de 21 de setembro de 2005 para a participação dos membros da comunidade universitária. Para que os membros externos pudessem opinar o instrumento ficou disponível online de 21 de setembro a 13 de outubro no site da UEPG, no entanto, a participação externa foi pequena.

Além dos momentos previstos pelo grupo de trabalho responsável, outros momentos foram operacionalizados para ampliar a discussão e o número de participantes:

• reunião da PROGRAD com Coordenações de Curso;

• reunião com a Associação Comercial, Industrial e Cultural de Ponta Grossa (ACIPG); • discussão com alunos do curso Sequencial em Gestão Imobiliária;

• encontro com os alunos do curso de Pedagogia; • reunião plenária do Conselho Municipal de Educação; • seminário promovido pelo curso de Direito;

• participação de um dos conselheiros do CEPE no Programa Intermédio – TV Imagem.

Como conclusões de processo de discussões e amadurecimento sobre a implantação da política de cotas pela UEPG, o grupo de trabalho destacou: baixo percentual de participação interna a opinar sobre o tema, entre docente, discente e de funcionários técnico- administrativos; pouco envolvimento de alguns Setores de Conhecimento e Departamentos, o que provocou uma carência de informações que prejudicou a participação na consulta; pouco retorno da comunidade externa (entidades representativas de classe, instituições educacionais e organizações não-governamentais), sendo que de 17 correspondências enviadas apenas 04 retornaram.

Como resultado do instrumento de consulta realizado com a comunidade universitária e disponibilizada para a comunidade externa através do site da UEPG, obteve-se que os votantes aceitavam a tese de haver cotas para alunos oriundos de escola pública, mas não para alunos negros. O grupo de trabalho responsável realizou uma análise sobre os momentos de discussões e constatou que a comunidade considerava plausível o fato de haver cotas para alunos que estudaram em escola pública, por considerarem justo que candidatos ao vestibular concorressem somente com pessoas que tiveram as mesmas desvantagens no processo de ensino, neste caso o ensino básico público.

Entretanto, o grupo de trabalho destaca que “[...] quando se trata de observar que a desvantagem é constituída por ser negro (numa sociedade em que o negro tem que carregar a herança da escravidão e do racismo em sua vida pessoal e escolar), percebe-se uma clara recusa da ideia de cotas” (UEPG, 2005, p. 33). Ainda no relatório da análise realizada o grupo de trabalho aponta que esse resultado decorre de duas possíveis causas, “[...] ou da falta de informação sobre a realidade do racismo brasileiro [...] ou [...] de posicionamentos efetivamente preconceituosos” (UEPG, 2005, p. 33).

A rejeição da comunidade frente às cotas para estudantes negros fez com que o grupo de trabalho apresentasse uma proposta alternativa: vagas adicionais para alunos autodeclarados negros. A justificativa para a proposição foi o fato de os candidatos pertencentes a esse grupo representarem menos de 5% dos inscritos no último vestibular de 2005. Alegaram que a criação de 5% a mais de vagas não chegaria a inviabilizar os cursos e não geraria à comunidade branca sentimento de usurpação quando aos ‘seus’ direitos.

Nesse sentido, a proposta encaminhada pelo grupo de trabalho foi:

• Cotas de até 50% das vagas do vestibular e 50% das vagas do Processo Seletivo Seriado (PSS) em todos os cursos para alunos de escolas públicas, entendendo que é elegível para essa cota o aluno que tenha feito o 3º e 4º ciclos do ensino fundamental

(5ª a 8ª series) e o ensino médio em escola pública, havendo tolerância para até dois anos cursados em outra escola não pública, exceto no ensino médio. Duração: 8 (oito) anos, de modo a garantir que essa política seja vigente para os alunos que estejam ingressando no 2º ciclo do ensino fundamental no ano de 2006.

• Vagas adicionais para negros – 5% – acesso pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – linha de corte a ser definida.

• Curso pré-vestibular para alunos de escola pública oferecido pela Universidade – envolvendo professores e alunos; bolsa para alunos participantes (projeto de extensão); espaço físico; vale transporte para a clientela.

• Criação de um fundo para assistência estudantil com recursos oriundo da UEPG, por exemplo, 5% da arrecadação do vestibular, sociedade civil através de doações (abatimento Imposto de Renda), verbas municipais, estaduais e federais.

O grupo de trabalho encerrou suas análises, colocando-se à disposição da comunidade interna e externa, para que os resultados obtidos pudessem contribuir para as decisões dos Conselhos Superiores da UEPG. O relatório foi assinado no dia 25 de outubro de 2005 por todos os membros do Grupo de Trabalho sobre Democratização do Acesso à Universidade Pública.

Em 16 de novembro de 2005, o CEPE deliberou pela permanência ‘in examen’ da proposta de reserva de vagas e pela definição de novas propostas a serem elaboradas em conjunto com a PROGRAD em forma de minutas, com prazo de entrega até a data de 06 de dezembro de 2005. Em 07 de março de 2006, o CEPE deliberou pela retirada de pauta o assunto, devendo o processo retornar instruído de minuta alternativa, que foi apresentada por um de seus conselheiros em 20 de março de 2006.

Em 04 de abril de 2006 o CEPE ratificou a aprovação da matéria e submeteu à consideração do Conselho de Administração e posteriormente ao Conselho Universitário. Em 17 de abril de 2006, o Conselho de Administração aprovou por maioria a proposta de reserva de vagas e encaminhou o processo ao Conselho Universitário.

Finalmente, a resolução universitária nº 9 de 26 de abril de 200622

22 Anexo A.

que “aprova a reserva de vagas nos processos seletivos da Universidade Estadual de Ponta Grossa para candidatos oriundos de instituições públicas e para aqueles que autodeclararem negros” (UEPG, 2005, p. 74) foi sancionada, com as seguintes definições:

• reserva de 10% das vagas de cada curso de graduação para candidatos oriundos de instituições públicas de ensino;

• reserva de 5% das vagas de cada curso de graduação para candidatos oriundos de instituições públicas de ensino que se autodeclararem negros23;

O prazo fixado pela resolução para reserva de vagas foi definido em 8 anos, sendo que a cada ano os limites mínimos de vagas serão aumentados para cada cota, em:

• 5% a cada ano para estudantes oriundos de escolas públicas;

• 1% a cada ano para estudantes negros oriundos de escolas públicas;

A análise do processo de implantação da política de cotas na UEPG mostra um longo e árduo trabalho para superação da resistência à implantação da política. Essa resistência se apresentou tanto por gestores institucionais, como o caso do primeiro conselheiro do CEPE a analisar o processo, quanto da comunidade universitária e da comunidade externa.

Neste processo, percebe-se a tentativa da reprodução discutida no capítulo1 (p.25) se comprova. Bourdieu (2010a; 2010d) diz que há a reprodução da ordem do sistema social no sistema educacional quando se defende a igualdade dos sujeitos e das oportunidades, mas de uma igualdade neoliberal, com bases no ideal meritocrático, cuja validade é dada pelos conceitos de justiça nela imbricados. Especialmente com relação às cotas raciais, que foi recusada por muitos envolvidos, e que demonstra como as discussões sobre racismo e preconceito, quando existem, são rasas na sociedade em geral (MOEHLECKE, 2002; FELICETTI; MOROSINI, 2009; BERGMANN, 1996; CERRI, 2008).

Contudo, neste quadro a dialética da realidade se apresenta em seu um movimento constante. Percebe-se claramente a contradição, através da tentativa de superação da reprodução social quando é observada a luta de muitos sujeitos a favor da implantação da política de cotas e a implantação efetiva desta. Ao passo que uma parte dos envolvidos luta pela manutenção social, outra parte luta pela superação das desigualdades (CRAHAY, 2002; CURY, 2002; CURY, 1995).

Frente a esse quadro, considera-se que as relações sociais interferem/contribuem no processo de implantação de uma política pública. Tal análise permite observar como o ir e vir de uma política se dá na realidade, uma vez que o contexto em que a política é implantada

23 Segundo Plá (2009, p. 69) “O sistema de cotas da UEPG é inovador por estabelecer índices mínimos e máximos para as cotas, isto é, não estabelecer uma porcentagem fixa. A quantidade de cotas é estabelecida, a cada concurso, conforme a demanda da população pela cota”.

interfere diretamente em seu planejamento e produz novos significados (BRANDALISE, 2010; BRANDÃO, 2001; DRAIBE, 2001). Isso é notado quando as propostas foram ajustadas, de forma que atendesse às necessidades mais imediatas da polity, para que fosse sancionada, pois, conforme visto no capítulo 2, é necessário que uma política pública atenda aos interesses dos envolvidos para que seja aprovada (DIAS SOBRINHO, 2003).

Assim sendo, a história dos sujeitos envolvidos, da comunidade afetada e da instituição em questão são elementos fundamentais que subsidiam as lutas e embates travados no campo. Estes são fatores que interferem diretamente não só na implantação de uma política, mas principalmente na implementação desta.