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2.7. O Sector da Biotecnologia

2.7.1. Definições

Não existe uma definição universalmente aceite de biotecnologia (Brink, McKelvey & Smith, 2004, p. 22; Costa, 2001, p. 12). Alguns estudos sobre o sector empregam a definição da Organisation for Economic Co-Operation and Development 200 (OECD), elaborada com o objectivo de orientar a recolha de dados acerca do sector nos seus países membros, que a descreve como “a aplicação de ciência e tecnologia a organismos vivos, bem como a suas partes, produtos e modelos, para alterar materiais vivos ou não-vivos para a produção de conhecimento, bens e serviços”201 (OECD, 2005, secção The single definition, para. 2).

Em favor da abrangência, esta definição propositadamente não distingue entre técnicas antigas ou recentes, que permitem categorizar a biotecnologia como tradicional, moderna ou nova. A biotecnologia tradicional (ou primeira geração) compreende a utilização de leveduras e bactérias, que se iniciou há 5 mil anos, para o processamento de alimentos e a reprodução selectiva de animais com características específicas. A moderna biotecnologia202 (ou segunda geração) refere-se à inserção desses processos biológicos na lógica da produção industrial, ocorrida no século XIX. O surgimento da nova biotecnologia (ou terceira geração) foi facultado pela descoberta da estrutura do DNA em 1953, por Watson e Crick, que a associou inequivocamente ao desenvolvimento científico (Brink et al., 2004, p. 24; Nosella, Petroni & Verbano, 2005, p. 842).

Visto que abrange as três categorias acima referidas, bem como actividades fronteiriças, a definição da OECD faz-se acompanhar de uma lista de técnicas de biotecnologia, que procura operacionalizar a definição para propósitos de medição e que deve evoluir juntamente com a actividade a que se refere:

DNA/RNA: genómica, farmacogenómica, sondas genéticas, engenharia genética, sequenciação/síntese/amplificação do DNA/RNA, perfil de expressão genética e uso de tecnologia antisentido.

Proteínas e outras moléculas: sequenciação/síntese/engenharia de proteínas e peptídeos (inclusivamente moléculas grandes de hormonas); métodos aperfeiçoados de veiculação de fármacos

200

Para conhecer as implicações dessa definição e também aceder a outras definições de biotecnologia, ver a discussão desenvolvida por Brink et al. (2004, pp. 22, 23).

201

The application of science and technology to living organisms, as well as parts, products and models thereof, to alter living or non-living materials for the production of knowledge, goods and services. (OECD, 2005, secção The single definition, para. 2).

202

A expressão moderna biotecnologia é, por vezes, utilizada para designar a nova biotecnologia. Ver, por exemplo, Brink et al. (2004).

de moléculas grandes; proteómica, purificação e isolamento de proteína, sinalização, identificação de receptores celulares.

Cultura e engenharia de células e tecidos: cultura de células/tecidos, engenharia de tecidos (inclusivamente suportes para tecidos e engenharia biomédica), fusão celular, vacinas/imunoestimulantes, manipulação do embrião.

Técnicas de processos biotecnológicos: fermentação utilizando biorreactores, bioprocessamento, biolixiviação, biodeslenhificação, biobranqueamento, biodessulfuração, biorremediação, biofiltragem e fitoremediação.

Vectores genéticos e RNA: terapia genética, vectores virais.

Bioinformática: construção de bases de dados de genomas, sequenciação de proteínas; modelação de processos biológicos complexos, inclusivamente biologia de sistemas.

Nanobiotecnologia: aplica as ferramentas e processos de nano/microfabricação para construir dispositivos para estudar biossistemas e aplicações na veiculação de fármacos, diagnósticos, etc.203 (OECD, 2005).

Esta lista acaba por sugerir ainda mais uma forma de classificação da biotecnologia, de acordo com sua área de aplicação:

1. Biotecnologia vermelha: refere-se às aplicações da biotecnologia na área dos cuidados de saúde (tanto humana quanto animal) (van Beuzekom & Arundel, 2006, p. 26). Compreende, por exemplo, o desenvolvimento de fármacos e métodos diagnósticos (Inteli, 2005, p. 7; Nosella et al., 2005, p. 842).

2. Biotecnologia verde: conhecida também por biotecnologia agro-alimentar, reúne as aplicações da biotecnologia na agricultura, piscicultura e silvicultura, bem como no processamento de alimentos (van Beuzekom & Arundel, 2006, p. 26). Inclui, por exemplo, técnicas de engenharia genética para melhoramento das colheitas (em termos de produtividade, resistência a pragas, valor nutricional, etc.) (Inteli, 2005, p. 7; Nosella et al., 2005, p. 842).

3. Biotecnologia branca: também designada por biotecnologia industrial-ambiental, refere-se à aplicação da biotecnologia nos processos industriais (van Beuzekom & Arundel, 2006, p. 26). Envolve o uso de enzimas como catalisadores de processos industriais (Inteli, 2005, p. 8; Nosella et al., 2005, p. 842).

203

DNA/RNA: Genomics, pharmacogenomics, gene probes, genetic engineering, DNA/RNA sequencing/ synthesis/ amplification, gene expression profiling, and use of antisense technology.

Proteins and other molecules: Sequencing/synthesis/engineering of proteins and peptides (including large molecule hormones); improved delivery methods for large molecule drugs; proteomics, protein isolation and purification, signaling, identification of cell receptors.

Cell and tissue culture and engineering: Cell/tissue culture, tissue engineering (including tissue scaffolds and biomedical engineering), cellular fusion, vaccine/immune stimulants, embryo manipulation.

Process biotechnology techniques: Fermentation using bioreactors, bioprocessing, bioleaching, biopulping, biobleaching, biodesulphurisation, bioremediation, biofiltration and phytoremediation.

Gene and RNA vectors: Gene therapy, viral vectors.

Bioinformatics: Construction of databases on genomes, protein sequences; modelling complex biological processes, including systems biology.

Nanobiotechnology: Applies the tools and processes of nano/microfabrication to build devices for studying biosystems and applications in drug delivery, diagnostics etc. (OECD, 2005).

4. Outras aplicações: esta categoria cobre serviços e tecnologias, como bioinformática, entre outros campos de aplicação não incluídos em alguma das três categorias anteriores204.

Como é possível inferir a partir da definições e das possíveis aplicações, a biotecnologia proporciona “oportunidades para enfrentar muitas das necessidades mundiais relacionadas com a saúde, o envelhecimento, a alimentação e o ambiente, assim como o desenvolvimento sustentável” (Comissão Europeia, 2002, pp. 9, 10), e seu potencial para geração de valor económico é largamente reconhecido205. Isto levou a Comissão Europeia (2002) a estabelecer directrizes para a exploração ampla, mas também ética e saudável, desse recurso estratégico, através de incentivos ao ensino206, à investigação207 e ao empreendedorismo208, entre outras acções, como meio de alavancar a competitividade e aspirar à liderança da União Europeia no contexto da economia baseada no conhecimento. Ao lado as universidades e dos institutos de investigação, reconhece-se a importância do sector empresarial para a dotar a UE da “capacidade para transformar os conhecimentos em novos produtos, processos e serviços” (Comissão Europeia, 2002, p. 15).

A definição de empresa de biotecnologia é imprecisa e pode variar de país para país. O Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE), por exemplo, não dispõe de uma categoria abrangente e ao mesmo tempo exclusiva para efeitos dessa classificação. A OECD (2009) define empresa de biotecnologia como toda empresa cuja actividade, seja esta principal ou secundária, envolva a aplicação de biotecnologia para produzir bens ou serviços e/ou conduzir I&D em biotecnologia209. Nesse sentido, este continuum pode compreender desde organizações que apenas utilizam processos biotecnológicos em uma

204

Há ainda a referência à biotecnologia azul, que trataria particularmente da aplicação da biotecnologia a organismos aquáticos (Mohan & Sarmah, 2005, p. 14).

205

A Comissão Europeia (2002) estima que, em 2010, o mercado mundial de aplicações da biotecnologia, juntamente com o das ciências da vida, ultrapasse os 2 biliões de euros.

206

No âmbito do ensino, de acordo com o plano de acção elaborado pela Comissão Europeia (2002, pp. 35, 36), pretendia-se até 2012, entre outras metas, reforçar a educação geral e a compreensão das ciências da vida; desenvolver e formar uma mão-de-obra qualificada no domínio das ciências da vida; promover medidas para atrair e reter os cientistas.

207

No âmbito da investigação, de acordo com o plano de acção elaborado pela Comissão Europeia (2002, pp. 37, 38), pretendia-se até 2012, entre outras metas, incrementar o apoio às acções de investigação no domínio das ciências da vida e da biotecnologia, e do desenvolvimento tecnológico; desenvolver uma infra-estrutura bioinformática competitiva para o apoio à investigação em biotecnologia; implementar um sistema europeu forte, harmonizado e acessível de protecção da propriedade intelectual, que constituísse um incentivo para a I&D e a inovação.

208 No âmbito do empreendedorismo, de acordo com o plano de acção elaborado pela Comissão Europeia (2002, p. 38),

pretendia-se até 2012, entre outras metas, reforçar o financiamento da indústria biotecnológica.

209 De acordo com a OECD (2009), é sobre esta definição que incidem os inquéritos da entidade sobre biotecnologia. A

OECD trabalha ainda com mais três definições que envolvem biotecnologia: empresa dedicada à biotecnologia, cuja actividade predominante envolve a aplicação de biotecnologia para produzir bens ou serviços e/ou conduzir I&D em biotecnologia, e também é coberta pelos inquéritos da área de biotecnologia; empresa de I&D em biotecnolgia, que desenvolve I&D em biotecnologia; e empresa dedicada à I&D em biotecnologia, cuja maior parte da I&D (pelo menos 75%) é na área de biotecnologia. Essas duas últimas definições são cobertas pelos inquéritos da área de I&D.

pequena parte da sua produção até àquelas cuja principal actividade é desenvolver investigação e transferir tecnologia em biotecnologia. No entanto, tendo em vista a lógica de criação de valor da economia baseada no conhecimento, o interesse dos governos e da sociedade parece recair sobretudo em empresas baseadas na nova biotecnologia, nomeadamente aquelas que conduzem actividades de investigação e desenvolvimento.