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2. F UNDAMENTOS TEÓRICOS

2.3. O nível local e suas políticas de desenvolvimento

2.3.1. Definindo o desenvolvimento local

É desnecessário ressaltar a dificuldade de se chegar a uma definição sucinta que contemple os vários significados presentes no debate, como já visto acima. Há modelos que dão mais peso aos aspectos políticos do processo, como em Oliveira (2001), que afirma que a dimensão

substantiva do desenvolvimento local se refere à efetiva capacidade de participação no governo local, na busca de um “resgate da ágora grega” (OLIVEIRA, 2001, p. 14).

Em enfoque alternativo, há quem dê ênfase às dimensões econômicas do fenômeno, caracterizando-o pelas aglomerações de pequenos empreendimentos de origem local, baseadas em redes de cooperação e competição que compartilham uma identidade local (FONTES, 2002). Nessa mesma linha, fala-se ainda na importância da constituição de uma “ambiência produtiva inovadora” (COELHO, 2004, p. 1), em que se institucionalizem formas de cooperação e integração das cadeias produtivas.

Uma definição mais ampla e que busca incorporar parte de ambas as dimensões pode ser vista em Silveira. Buscando alguns pontos de consenso, ele constata que:

A despeito da diversidade, há elementos que, em maior ou menor grau, estão presentes nas formulações e iniciativas em torno do desenvolvimento local. Pode-se destacar: a ênfase na cooperação emancipadora e na aprendizagem (formação de capital social e humano); o foco nos microempreendimentos e seus suportes (microcrédito, capacitação, integração a cadeias produtivas); a gestação de novos arranjos socioprodutivos ancorados no território; a articulação intersetorial de políticas públicas; a constituição de esferas decisórias com participação direta de atores sociais e, mais amplamente, a perspectiva do protagonismo local (SILVEIRA, 2001, p. 2).

Elaborando esses conceitos, o autor apresenta o que ele considera os alicerces do desenvolvimento local: 1) a formação de capital humano e social; 2) a constituição de novos espaços públicos de formulação e gestão e 3) a mobilização produtiva dos territórios.

Nessa lógica, a formação de capital deveria passar pela preocupação com as dinâmicas de aprendizagem, a construção de conhecimento e o desencadeamento de mudanças comportamentais. Já a constituição de novos espaços dependeria, mais do que da composição de parcerias, da incorporação da lógica de inovação institucional e da criação de ambientes de articulação Estado-sociedade. Por último, a mobilização produtiva dos territórios traria o

desafio de articular o combate à desigualdade com dinâmicas de inserção socioeconômica, interligando o social com o produtivo.

Chama a atenção nos diversos componentes de um suposto desenvolvimento local a preocupação com o processo, ou seja, em como se dá essa trajetória. Remetendo aos questionamentos dos conceitos mais tradicionais de desenvolvimento, faz-se necessário perguntar com qual finalidade se quer desenvolver e quais os caminhos possíveis nesse sentido. O objetivo declarado, como visto, é combinar a melhoria das condições econômicas com níveis mais dignos de inclusão social e bem-estar de vida.

Quanto aos caminhos, colocam-se aspectos culturais, ambientais e sociais, que devem ser pesados, junto ao econômico, na busca do desenvolvimento22. As próprias políticas de promoção do desenvolvimento local são vistas em si como metodologia de indução ao desenvolvimento; o protagonismo está nos atores locais – diferentes instâncias de governo, comunidades, movimentos e organizações da sociedade civil e setor produtivo.

Preocupar-se com o processo significa também dar atenção ao que Coelho chama de espaço herdado. Uma iniciativa de desenvolvimento local não pode prescindir do conhecimento profundo do território em que se está e dos atores envolvidos, tanto tradicionais como emergentes. Esse espaço inclui “identidades regionais e a história dos lugares, o padrão de organização do território, a divisão inter-regional de trabalho, as desigualdades, a metropolização excludente e a exclusão social em nossas cidades” (COELHO, 1996, p. 53-54).

Levar em conta a base territorial existente não resulta, porém, em aceitar essa identidade territorial como algo que simplesmente existe por uma combinação de fatores geográficos e circunstanciais, mas antes como algo que é historicamente construído em função de processos políticos, culturais e sociais (COELHO, 2004). Assim, as políticas de desenvolvimento local passam justamente pela intervenção nesse cenário (BAVA, 1996) para que se chegue ao espaço projetado: “são os cenários e os impactos que políticas e projetos de reestruturação e

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Nesse sentido, o modelo que talvez leve ao extremo a preocupação com o processo pelo qual se promove o desenvolvimento é o DLIS – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável. Nessa concepção, o objetivo da melhoria da qualidade de vida tem de ser alcançado necessariamente pela conquista de modos de vida mais sustentáveis. Ver, por exemplo, FRANCO (1998).

transição de um novo padrão de acumulação permitem, respectivamente, imaginar e perceber” (COELHO, 1996, p. 54).

Feita a apresentação de algumas características que compõem possíveis definições do que é desenvolvimento local, é importante também ressaltar o que ele não é: não é panacéia, não se dá sem dificuldades nem tampouco sem conflitos.

O primeiro ponto é que não se supõe que políticas de desenvolvimento local possam resolver todos os problemas que se concretizam no espaço local. Como já foi dito, a articulação com esforços regionais, nacionais e mesmo globais continua a ser fundamental. Além disso, ênfases em propostas de desenvolvimento local isoladas, que busquem simplesmente o melhor para sua própria localidade, correm o risco de resultar em guerra fiscal, cujos exemplos não faltaram na década de 90 no Brasil, e, no extremo, no que Melo (1996) chamou de “hobbesianismo municipal”.

Em segundo lugar, não são poucas as dificuldades que o trajeto apresenta. Silveira comenta que há o risco de se reproduzirem os pesos institucionais, em que haveria reconcentração de poder nas estruturas com mais recursos humanos, financeiros e político-institucionais:

O compartilhamento de protagonismos esbarra na cultura hegemonista ou, inversamente, na lógica da dependência, quando os processos ficam pendurados em um núcleo reduzido de atores, quando não em um único ator institucional sobre o qual se concentram as expectativas e a transferência do esforço protagonista. Este é um dos principais dilemas da construção e manutenção de novas institucionalidades, que se liga em grande parte ao tempo de maturação de novos sujeitos e da passagem de uma lógica instável de parcerias tópicas para uma lógica de redes autocriativas (SILVEIRA, 2001, p. 8).

Por fim, Oliveira (2001) alerta para a tendência de se elaborar um discurso sobre o desenvolvimento local como alternativa à sociedade dominada pelos conflitos. A construção de ‘bucólicas e harmônicas comunidades’, em suas palavras, não é o objetivo a ser almejado; o desafio é dar conta da complexidade da sociedade moderna, e não fechar-se a ela.

Em que pesem tais alertas e desafios, os diversos atores da esfera local não têm se mostrado tímidos no desenvolvimento de projetos, programas e políticas de intervenção em suas realidades. Considerando que boa parte dessas iniciativas tem como preocupação provocar mudanças e impactos de ordem econômica, vale, em seguida, passar por alguns pilares do que seriam as bases endógenas do desenvolvimento local.