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Como visto ao longo da revisão teórica, a literatura que trata da descontinuidade e da continuidade administrativa ainda está pouco consolidada. Se já há avanços na descrição dos fenômenos, as hipóteses que explicariam a continuidade ou a descontinuidade de uma ação pública estão, na maior parte das vezes, pouco claras, dificultando sua revisão e validação.

No caso específico da continuidade administrativa, há algumas hipóteses que vêm do discurso dos entrevistados e da observação de casos nas pesquisas de Spink, Clemente e Keppke (2001), Farah (2004) e Brose e Pereira (2001). Assim, a continuidade estaria ligada às parcerias realizadas e ao enraizamento das políticas, à própria qualidade das iniciativas, a negociações políticas e a arranjos institucionais específicos.

É possível e necessário ir mais fundo na busca dessas variáveis e de suas relações com a continuidade administrativa. Para tanto, optou-se, neste estudo, por uma abordagem exploratória. De acordo com Marconi e Lakatos,

[...] são investigações de pesquisas empíricas cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 188).

Vergara (1990) reforça a idéia de que, em função da pouca sistematização de conhecimentos acumulados, as pesquisas exploratórias geralmente não comportam hipóteses prévias, ainda que possam surgir durante ou ao final da pesquisa. Além disso, Gil aponta que os métodos de pesquisa empregados nesse tipo de estudo partem de um planejamento menos rígido, habitualmente envolvendo “levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso” (GIL, 1987, p. 44). Foram esses exatamente os passos aqui seguidos.

Revisão de bibliografia

A etapa da revisão das diversas literaturas teve importantes conseqüências nesta pesquisa, além de sugerir a abordagem exploratória. Como já mencionado anteriormente, a revisão dos textos de sustentabilidade revelou um campo fragmentado, geralmente não-teórico e, sobretudo, pouco adequado para a proposta desta dissertação. Como resultado, optou-se por investigar mais a fundo as literaturas da descontinuidade e da continuidade administrativa e de políticas públicas.

Deu-se especial atenção à revisão da literatura de continuidade e descontinuidade, dada a falta de um trabalho que procure sintetizar o que já se escreveu, se observou e se aprendeu sobre o tema. Esse primeiro esforço certamente não esgotou o assunto; ao contrário, sugere possíveis caminhos que possam ser empreendidos futuramente na análise de discursos, métodos, resultados e conceituações do assunto.

A revisão de algumas teorias das políticas públicas, escolhidas em função de sua aparente adequação ao tema do trabalho, procurou combinar a leitura de alguns dos clássicos do campo com textos selecionados que se mostraram de interesse. Procedimento semelhante foi adotado em relação ao desenvolvimento local, ainda que numa empreitada mais restrita. Tratando-se do recorte utilizado para estudar a questão da continuidade, julgou-se menos importante aprofundar a sistematização de sua literatura.

Estudos de caso

Um caso, segundo Yin, é uma “[...] investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2005, p. 32). Por ajudar a entender melhor como se dá essa relação é que o caso se revela adequado para investigações exploratórias.

Os casos escolhidos, muitas vezes, não têm tanta importância pelos temas ou trajetórias que revelam, mas sim por ajudarem a entender melhor um fenômeno, uma população ou uma questão de ordem mais geral. Essa visão, que Stake (2000) chama de instrumental, parte da premissa de que, por uma escolha cuidadosa do caso, será possível avançar num entendimento

A escolha dos casos para esta pesquisa teve como ponto de partida a base de dados do Programa Gestão Pública e Cidadania. De início, foram adotados alguns critérios para pré- seleção. As iniciativas deveriam:

- ser da área de desenvolvimento local, sendo realizadas pelo nível municipal;

- atingir pelo menos o nível de semifinalistas ao longo dos três primeiros ciclos de premiação (entre 1996 e 1998);

- ter sido desenvolvidas em municípios com uma população de ao menos 200 mil habitantes.

Esperava-se assim chegar a um pequeno conjunto de projetos potencialmente interessantes (de dois a três), com características comuns que permitissem comparações e cujo tempo de existência garantisse que a iniciativa tivesse passado por ao menos dois ciclos eleitorais completos. O banco de dados era composto de 199 iniciativas semifinalistas de nível municipal, das mais diversas áreas temáticas. Destas, 132 se localizavam em municípios com 200 mil habitantes ou mais.

A leitura do resumo dos 132 projetos permitiu chegar a 16 iniciativas que pareciam ser de desenvolvimento local. Buscou-se então os arquivos do Programa Gestão Pública, onde são guardadas as informações que os projetos enviam ao longo das diversas fases de seleção. O exame mais aprofundado de cada um permitiu eliminar oito projetos que não tinham o desenvolvimento local como componente principal, podendo ser caracterizados mais como programas de mobilização comunitária, participação popular ou acesso à Justiça, entre outros.

Iniciou-se então a procura por informações mais atualizadas dos oito programas restantes, com conversas com técnicos e pesquisadores do Programa Gestão Pública e Cidadania e contatos com os representantes dos projetos. A idéia era saber se as iniciativas continuavam a existir, como tinha sido a trajetória política na cidade (se havia ocorrido troca de partido no poder) e se havia alguma outra característica que pudesse justificar um interesse específico de pesquisa.

A grande surpresa foi constatar que nenhuma das iniciativas havia sido descontinuada, o que questiona novamente o senso comum político. É fato que um dos projetos não existe mais, porém não por ter sido interrompido, e sim por ter completado todas suas etapas de

implementação24. Todos os outros continuam, ainda que tenha havido modificações de diversos tipos e escopo ao longo dos anos.

Essa situação inviabilizou a estratégia planejada no projeto de qualificação desta dissertação, quando se imaginava incluir ao menos um caso de descontinuidade administrativa para efeitos de comparação com as análises dos casos de continuidade. Restaram assim sete iniciativas, as quais puderem ser dividas em dois grupos, a partir de sua situação política.

Em três das cidades o cenário político era de continuidade, com a permanência dos mesmos partidos ao longo dos últimos dez anos. Dessas três possíveis experiências, escolheu-se o Programa de Produção Associada com Garantia de Renda Mínima de Jundiaí (SP), que se destacava por ter sido uma das primeiras implementações de tais políticas no país.

Os quatro programas restantes apresentavam cenário de descontinuidade política. Dois projetos tinham temática similar, trabalhando com a gestão dos resíduos sólidos. Escolheu-se um deles, o Programa Socioambiental de Coleta de Lixo de Embu (SP), por mostrar-se promissor, pela receptividade com que os gestores do programa demonstraram em relação à pesquisa e pelo fato de ter sido ainda pouco estudado em comparação a outros programas semelhantes.

Por último, entre as duas derradeiras opções, escolheu-se a Instituição Comunitária de Crédito Portosol, de Porto Alegre (RS). Este caso, desenvolvido também numa cidade com mudança de partido na prefeitura em eleições recentes, diferenciava-se dos outros por suas características institucionais: não era simplesmente uma iniciativa de uma secretaria ou um departamento, mas sim uma organização criada especialmente para desenvolver uma política de microcrédito e cujo arranjo institucional parecia inovador, com um conselho composto por representantes do governo, do setor empresarial, das universidades e da sociedade civil. Tal arranjo era apontado como uma estratégia de seus idealizadores para garantir o sucesso e a longevidade da iniciativa.

A partir daí, a coleta de informações sobre os casos incluiu pesquisas documentais e visitas de campo, realizadas entre novembro de 2005 e janeiro de 2006. Em cada projeto foram

escolhidas pessoas envolvidas ao longo dos últimos dez anos, não só buscando a visão dos gestores, mas também de parceiros, beneficiários e especialistas em cada tema. Foram realizadas 33 entrevistas semi-estruturadas, possibilitando maior interação e flexibilidade nas perguntas e respostas (MARCONI e LAKATOS, 2003). As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas de forma seletiva. O quadro com a lista dos entrevistados pode ser encontrado nos apêndices desta dissertação.

A análise dos casos teve, basicamente, quatro objetivos:

1. sistematizar, a partir dos discursos dos entrevistados, dos documentos analisados e da observação na visita de campo, alguns dos fatores que aparentemente têm influência na continuidade dos projetos;

2. refletir se e como as características únicas de cada projeto (continuidade política ou não e arranjo institucional) influenciaram sua continuidade;

3. confrontar os fatores levantados com as revisões bibliográficas realizadas; e

4. formar hipóteses para futuras pesquisas, buscando o início de um modelo (framework) de continuidade administrativa.