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4. C ASOS DE CONTINUIDADE ADMINISTRATIVA

5.4. Prolegômenos de uma teoria

A análise dos casos permitiu encontrar diversos exemplos de ações desenvolvidas pelos projetos que, aparentemente, aumentaram sua chance de continuidade ou, ao menos, diminuíram seu risco de descontinuidade. Além das ações concretas, foi possível ver ainda como há processos políticos e institucionais que também têm o mesmo efeito, seja por promover uma situação mais estável, seja por criar espaços legítimos de negociação. Por último, reconhecendo-se que as ações e instituições se inserem em diversos macro-ambientes – político, social, econômico, cultural, jurídico, entre outros –, apresentou-se a idéia da importância das coalizões como um sistema organizado de influência em partes do ambiente. A sistematização das análises acima permite a elaboração de algumas hipóteses visando à construção de um modelo teórico de continuidade administrativa.

A primeira hipótese é que a intencionalidade é importante. Nesse sentido, ter consciência

do risco de descontinuidade administrativa presumivelmente motiva os gestores envolvidos em iniciativas públicas a tomar providências para perpetuar o que acham que é importante – ora um processo, ora um resultado, ou mesmo uma organização. Como foi visto, essa preocupação pode tomar forma em diversos momentos do ciclo das políticas públicas com a mesma eficácia potencial.

A segunda hipótese é que a continuidade não depende apenas de processos políticos: a boa gestão se mostra importante. A organização harmoniosa de diversos recursos –

humanos, financeiros, materiais, de mobilização, de conhecimento – visando ao cumprimento dos objetivos propostos tende a produzir resultados que favorecem a continuidade. Esse

absolutamente correto ou superior, ou mesmo que possam existir critérios técnicos e de valoração universalmente aceitos.

O que o caso da Portosol sugere é que cada subsistema de políticas ou cada território local tem em certa medida desenvolvido um sistema de valores e indicadores minimamente aceitos que permitem avaliar a eficiência e a eficácia de uma política ou organização. Na medida em que um conjunto de valores e critérios ainda não seja predominante em um dado subsistema, pode-se propor que, nesse caso, o importante é que os atores diretamente envolvidos – formuladores das políticas, técnicos, burocratas, beneficiários – possam negociar abertamente o que consideram uma gestão bem-sucedida51.

Em políticas de desenvolvimento local, a dimensão da gestão também se mostra especialmente relevante pela necessidade de relação e integração com o mercado econômico, tal como visto nos casos. Assim, é igualmente importante manter uma administração minimamente flexível e atenta à evolução do mercado para reagir de forma apropriada.

Se os aspectos técnicos são importantes, não se pode negar, como foi argumentado repetidas vezes neste capítulo, que a percepção sobre as ações concretas são também essenciais. Assim,

a terceira hipótese é que a continuidade administrativa será favorecida na medida em que os processos políticos criem condições adequadas para a gestão e estabeleçam um diálogo entre as ações realizadas e as expectativas dos diferentes atores envolvidos numa política.

Esses processos podem se dar em pelo menos três níveis. Inicialmente, tem-se a mobilização de apoio político por meio de ações concretas como manifestações, passeatas, audiências públicas, abaixo-assinados, entre outras. Tal tipo de pressão política parece ser importante principalmente em alguns momentos específicos de negociação, como mudanças de gestão ou negociações de orçamento.

O segundo nível privilegia a arena simbólica da questão política – é aqui que ocorrem as disputas por uma nova concepção de solução de um problema, pela negociação da agenda

51

É interessante considerar, no entanto, que os casos sugerem também a existência de algumas práticas de gestão popularizadas a tal ponto que já foram incorporadas a muitos tipos de projetos ou políticas. Assim, processos de planejamento, de participação e de avaliação são hegemônicos pelo menos no discurso, ainda que em substância e na consistência de sua aplicação possam variar muito de uma experiência a outra.

pública sistêmica ou institucional ou ainda pela justificativa em retrospectiva de atos já realizados.

Por último, existem os processos de institucionalização, quando movimentos políticos se concretizam em leis, em novas organizações, em conselhos, ou até mesmo na infusão de valores. Representam, em princípio, o resultado mais perene da política, ainda que seja dos mais custosos52.

Considerar a importância da política para a continuidade enquanto negociação de condições de ação e de percepções sobre tais ações permite derivar duas suposições. A primeira é que a continuidade política tende a favorecer a continuidade administrativa, pois se reduz o gasto de energia ao evitar novas rodadas de negociação, de justificativa e de assimilação das políticas existentes. A segunda é que o capital social de uma comunidade ou região pode ser importante justamente na medida em que facilita as negociações políticas pela força dos laços de confiança que estabelecem entre os diversos membros daquela localidade.

A quarta e última hipótese diz respeito à existência de condições ambientais que podem favorecer ou constranger o desenvolvimento de uma iniciativa ou de uma organização. Assim,

argumenta-se que a existência de coalizões minimamente desenvolvidas no subsistema político em que a ação ou a instituição está inserida é positiva para suas chances de continuidade. É razoável supor que essa hipótese fica mais robusta se o projeto em questão

for considerado referência em seu campo, conferindo-lhe mais visibilidade e poder de mobilização.

Coalizões estabelecidas são significativas por promover a mediação entre um projeto ou uma organização e seu ambiente, permitindo processos mais estruturados e familiares de negociação de melhores condições de ação por meio de fóruns de debate aceitos como legítimos.

Ainda como uma complementação dessa hipótese, é também plausível supor que a continuidade tende a ser fortalecida na medida em que o projeto ou a organização estejam

alinhados com a coalizão dominante em seu subsistema. Entretanto, os casos vistos sugerem que é melhor a existência de coalizões maduras – mesmo que não alinhadas – do que a não- existência de alguma coalizão. Há, no mínimo, uma abertura ao diálogo e à negociação que as coalizões possibilitam, pelo menos em torno de aspectos e crenças políticas e secundárias.