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A definitude no Déficit Específico de Linguagem e nas Desordens do Espectro Autista

No documento A noção de definitude na Síndrome de Down (páginas 93-109)

C RIANÇAS TÍPICAS EM INÍCIO DE AQUISIÇÃO DO SISTEMA DE DETERMINANTES TENDEM A APRESENTAR DOIS TIPOS DE ERROS NO USO DESTA CATEGORIA EM SUAS ELOCUÇÕES O ERRO MAIS COMUM É O USO EXAUSTIVO

III. A AQUISIÇÃO DA DEFINITUDE E O USO DO DETERMINANTE

3.1 A definitude no Déficit Específico de Linguagem e nas Desordens do Espectro Autista

O processo de aquisição do sistema de determinantes ocorrendo em crianças com DEL é bastante relatado na literatura, abordando a aquisição de diferentes línguas; inglês (Leonard, 1998), holandês (Blom, Vasic & Baker, 2015) e sueco (Hanssom, Nettelbadt & Leonard, 2003), são apenas alguns exemplos.

Uma pesquisa atual comparando a aquisição da definitude em crianças com autismo de alto funcionamento (AAF) e DEL, todas falantes da língua holandesa, foi desenvolvida por Schaeffer et al. (2014). A intenção das autoras, ao comparar estes dois grupos de crianças, foi colocar à prova ou trazer evidências para a hipótese de que certos aspectos pragmáticos podem estar desvinculados de outros níveis linguísticos.

Com base na teoria de Stalnaker (1974) e Heim (1982), Schaeffer et al. (2014) afirmam que a escolha do determinante no discurso depende do chamado campo comum. As autoras supõem que tal escolha seja de natureza pragmática, o que justifica optarem por essas duas patologias da linguagem.

A AAF é uma Desordem do Espectro Autista (DEA ou ASD, do inglês Autism

Spectrum Syndrome), um termo „guarda-chuva‟ que abriga desde os diferentes níveis do

autismo à Sindrome de Asperger e as Desordens do Desenvolvimento Não Identificadas, dentre outras desordens raras que acometem o desenvolvimento infantil.

As DEAs são caracterizadas, essencialmente, por três traços que podem aparecer em diferentes níveis de severidade: déficit na interação social, alteração na comunicação (incluindo a fala) e presença de interesse e comportamento repetitivo e restrito (Luyster & Lord, 2012; Hale & Tager-Flusberg, 2005; Hill & Frith, 2003; Frith, 2001; dentre tantos outros).

O processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem nas DEAs é bastante heterogêneo entre os indivíduos com o espectro autista, sendo possível encontrar uma criança autista com habilidades linguísticas com nível semelhante à de seus pares típicos de mesma idade, assim como crianças com atraso severo na aquisição da linguagem, configurando quadros não verbais (ver Tager-Flusberg, 1989; Kjelgaard & Tager-Flusberg, 2001, para um panorama mais detalhado). Ainda assim, a maioria dos pesquisadores (Tager-Flusberg, 2004; Hill & Frith, 2003; Happé & Frith, 1996, são apenas alguns exemplos) assume que os níveis estruturais da linguagem (como sintaxe e fonologia) encontram-se relativamente intactos, enquanto que as habilidades para o uso apropriado da linguagem, como a pragmática, encontram-se debilitadas.

Segundo Hill & Frith (2003), o Autismo de Alto Funcionamento (AAF) e a Síndrome de Asperger são frequentemente confundidos na literatura, uma vez que ambos representam facetas mais leves das DEAs, no que concerne à severidade do espectro e às alterações no desenvolvimento cognitivo.

O que caracteriza a Síndrome de Asperger é a ausência de atraso ou inadequações na linguagem, por outro lado, na AAF é possível observar alterações leves na morfossintaxe da língua. Contudo, apesar da existência de possíveis déficits linguísticos, as crianças acometidas pela AAF adquirem linguagem e, ainda que existam alterações estruturais, as principais inadequações linguísticas encontram-se no nível pragmático (ver Tager-Flusberg, 1989, e Luyster & Lord, 2012, para uma revisão e maior caracterização do quadro linguístico).

Já o Déficit Específico de Linguagem (DEL) representa uma desordem do desenvolvimento infantil estritamente linguística em que os seus indivíduos não apresentam qualquer outra inadequação como rebaixamento cognitivo, lesão neurológica ou perda auditiva (Leonard, 1998; Bishop, 1999).

A dificuldade na aquisição da morfossintaxe representa a principal marca do DEL, desta forma, a criança acometida pelo déficit consequentemente apresentará importantes alterações na gramática em aquisição. Segundo Leonard (2007), crianças pré-escolares com DEL apresentam grande dificuldade na aquisição da morfossintaxe, embora apresentem déficits em outras áreas da linguagem, como a fonologia.

Mesmo as dificuldades sintáticas são variáveis entre os indivíduos, podendo ser encontrada uma criança com dificuldades tão severas que a impossibilitem de construir enunciados complexos com mais de dois itens; e outra com dificuldades morfossintáticas extremamente sutis e que se restringem ao uso inadequado e assistemático de algumas categorias funcionais, principalmente flexão verbal. Esta variabilidade de manifestações no DEL, segundo Tomblim (2012), é resultado de um acometimento em diferentes níveis linguísticos subjacentes.

Sendo assim, enquanto na AAF, a principal alteração encontra-se no nível pragmático, ainda que possam ocorrer atrasos em outro nível, como na sintaxe; no DEL, o déficit atua essencialmente sobre o nível sintático, podendo, todavia, haver alterações na fonologia, no acesso lexical, ou mesmo em nível pragmático.

Com base nesta distinção entre as duas patologias de linguagem e supondo a escolha do determinante como um fenômeno de natureza pragmática, Schaeffer et al. (2014) acreditavam encontrar erros nas escolhas do determinante definido apenas nas crianças com AAF. Se esta ocorrência se confirmasse, ela seria, segundo as autoras, evidência da desvinculação da pragmática de outros componentes linguísticos, como ocorre com a morfossintaxe que aparece mais afetada nos quadros de DEL.

Retomando a pesquisa de Schaeffer & Mattewson (2005), apresentada na seção 1.2, deste capítulo III, o uso exaustivo do determinante definido em crianças pequenas típicas (com menos de 4 anos de idade) ocorre em função de uma falha no conceito pragmático CNSA, sendo que a escolha correta do determinante durante uma elocução exige que este conceito esteja devidamente adquirido e intacto.

À vista disso, Schaeffer et al. (2014) assumem que, em função de um déficit no nível pragmático, as crianças acometidas pela AAF, possivelmente, devem apresentar uma falha no CNSA. No entanto, como veremos mais adiante, esta hipótese não se confirma nos

resultados obtidos pelas autoras, os quais foram favoráveis apenas para as hipóteses para crianças com DEL.

As autoras supunham que as crianças com DEL deveriam apresentar nível pragmático e consequente conhecimento do CNSA semelhantes ao do grupo controle composto por crianças típicas de mesma idade; os resultados foram favoráveis a esta suposição.

O grupo de pesquisa de Schaeffer (2014) aproximou a pesquisa de Schaeffer & Matthewson (2005) de outra proposta para as dificuldades com a aquisição do sistema de determinantes em crianças típicas. Van Hout et al. (2010) trazem uma explicação para a suposta discrepância entre a compreensão do sistema de determinantes pelas crianças típicas em início de aquisição e aquela realizada pelos adultos, supondo que este fenômeno seja decorrente de uma falha no cálculo da implicatura escalar, o que levaria a uma intepretação do determinante definido em crianças em início de aquisição, diferente daquela realizada pelo adulto.

O grupo de pesquisa de van Hout (2010) assume a Teoria de Otimalidade (a saber, TO) para a escolha do determinante, com base na ideia de implicatura escalar proposta por Horn (2006), como uma alternativa para a análise semântica clássica de Heim (1982).

Van Hout et al. (2010) explicam que, durante a seleção do determinante no DP, o falante precisa aplicar as regras semânticas de existência e unicidade, além de checar as condições pragmáticas para este DP dentro do discurso, como, por exemplo, o fato da escolha do determinante definido só ser autorizada na existência de apenas um referente no discurso que seja familiar, tanto para o falante como para o ouvinte.

Quando o falante usa o determinante indefinido, o ouvinte conclui que a intenção do falante é introduzir um novo referente no campo comum. Este raciocínio do ouvinte, segundo as autoras, reflete na implicatura escalar. A relação entre o determinante definido e o indefinido resulta nesta implicatura, onde o sintagma nominal forma um elo forte com o determinante definido e um elo fraco com o indefinido.

As autoras assumem uma TO bidirecional, uma vez que ela é limitada por duas restrições: Referência Determinada (Determined Reference) e Evite Indefinidos (Avoid

Indefinites).

Como vimos anteriormente, o determinante indefinido introduz novos itens no discurso, enquanto que o determinante definido seleciona um referente já existente; sendo assim, o DP definido carrega a pressuposição de existência e de unicidade e, tipicamente, introduz um referente familiar a todos os participantes do discurso. A restrição Referência

Determinada prevê que o determinante definido corresponde a um item referente determinado.

Segundo as autoras, a restrição Referência Determinada é ranqueada na implicatura escalar em uma posição alta na perspectiva do ouvinte, contudo, no início da aquisição, ela pode aparecer como não marcada e, apenas mais tarde vir a ser marcada como na gramática alvo.

Outro fator que influencia a escolha do determinante é se o referente está ou não presente no discurso; se a resposta for afirmativa, então, ele deve ou não ser identificável por um ou por todos os participantes do discurso. Para o uso do determinante definido, por exemplo, o referente deve ser identificável tanto pelo falante como pelo ouvinte; esta característica do referente infere na restrição Evite Indefinidos.

Essa restrição é aplicada apenas na produção, enquanto que a Referência Determinada atua em ambos os processos, tanto na produção como na compreensão. Vejamos os quadros 6 e 7, a seguir, onde a interação entre as duas restrições é apresentada.

Quadro 6: Expressão do significado de um referente determinado (van Hout et al., 2010: 1977) Significado no input

Referente determinado

Restrição Referência Determinada Restrição Evite Indefinidos

Determinante Indefinido

*!

Determinante Definido

Quadro 7: Expressão do significado de um referente não determinado (van Hout et al., 2010: 1977) Significado no input Referente

não determinado

Restrição Referência Determinada Restrição Evite Indefinidos

Determinante Indefinido

*

Determinante Definido

*!

As restrições na TO são violáveis e, em ambos os quadros (6 e 7), podemos observar que o determinante indefinido viola a restrição Evite Indefinidos, tanto na produção de um referente determinado quanto na produção de um não determinado, já que indefinidos não são permitidos para esta restrição. Para a produção do referente determinado (quadro 6), a única violação é a da restrição Evite Indefinidos ocorrida com o determinante indefinido.

Desta forma, o definido é o melhor candidato de escolha, pois não viola nenhuma das restrições.

A restrição Referência Determinada possui posição alta no ranking da implicatura escalar, por este motivo, a violação desta restrição, por parte do determinante definido, para a expressão do referente não determinado, é fatal, fazendo com que o determinante indefinido, ainda que viole Evite Indefinidos, seja a melhor escolha (quadro 7).

Os quadros 8 e 9, a seguir, apresentam o mapeamento para a compreensão dos determinantes com base nas duas restrições.

Quadro 8: Interpretação do determinante definido (van Hout et al., 2010: 1977)

Input do determinante definido Restrição Referência Determinada Restrição Evite Indefinidos

Referente determinado

Referente não determinado

*!

Quadro 9: Interpretação do determinante indefinido (van Hout et al., 2010: 1977)

Input do determinante indefinido Restrição Referência

Determinada

Restrição Evite Indefinidos

Referente determinado Referente não determinado

A restrição Evite Indefinidos não é aplicada em nenhum dos dois quadros de compreensão apresentados anteriormente (quadros 8 e 9), por se tratar de uma restrição que atua apenas na compreensão. A melhor escolha para a compreensão do determinante definido é a de um referente determinado, uma vez que o referente não determinado realiza uma violação grave ao infringir a restrição Referência Determinada.

Esta restrição, Referência Determinada, não é aplicada para a interpretação do determinante indefinido por ser relevante apenas para o definido, consequentemente, os dois significados, referente determinado e não determinado, podem ser escolhidos, havendo uma ambiguidade entre ambos na escolha do determinante indefinido. Neste caso, o falante deve levar em conta a perspectiva do ouvinte no processo de compreensão para realizar a escolha do determinante e acabar com a ambiguidade.

A melhor opção de escolha é sempre aquela que realiza o menor número de violações, como podemos observar no quadro 10, em que as autoras apresentam o par <forma/significado> para a produção e compreensão.

O par marcado com uma única flecha representa um candidato „super ideal‟ porque não realiza qualquer violação. A primeira rodada de seleção possui ainda dois efeitos: a forma „determinante definido‟ é parte do par „super ideal‟, enquanto que outros pares com a mesma forma são menos adequados e, então, são bloqueados (riscados no quadro 10 e apresentados como <det.definido, referente não determinado>).

O significado „referente determinado‟ é parte do par „super ideal‟, enquanto que outros pares com este mesmo significado são bloqueados por serem menos adequados (riscados no quadro e apresentados como <det.indefinido, referente determinado>).

Quadro 10: Par ideal forma/significado para produção e compreensão (van Hout et al., 2010: 1978)

<Forma/ significado> Restrição Referência Determinada Restrição Evite Indefinidos <det.definido, referente determinado> <det.indefinido, referente determinado>

*

<det.definido, referente não

determinado>

*

<det.indefinido, referente não

determinado>

*

Na segunda rodada de seleção, há um „vencedor‟ assinalado por duas flechas; ainda que haja uma violação, o par <det. indefinido, referente não determinado> representa o melhor candidato para o determinante indefinido e o referente não determinado. O processo completo de otimização leva a dois pares „super ideais‟ forma/significado: <det.definido, referente determinado> e <det.indefinido, referente não determinado>.

Van Hout et al. (2010) afirmam que a TO e o cálculo de implicatura escalar apresentam menos ambiguidade para a compreensão do determinante indefinido do que a teoria semântica proposta por Heim (1982). Com base na TO e na implicatura escalar, o ouvinte busca o melhor significado e o compara com algumas possibilidades de interpretação, chegando a um resultado final não ambíguo e não determinado.

O problema, seguem as autoras, estaria no processo de aquisição, uma vez que o cálculo da implicatura escalar para o determinante indefinido exige maturidade pragmática. Van Hout et al. (2010) explicam que, enquanto o adulto bloqueia um significado para o DP indefinido, aceitando apenas a referência não determinada, a criança se mantém vinculada aos

dois significados, como apresentado no quadro 9, deixando a seleção do melhor candidato sujeita à adivinhação.

Em função de uma imaturidade pragmática, a criança, então, apresenta um conhecimento ou uma perspectiva unidirecional. No processo de produção do sistema de determinantes, a escolha é unidirecional (ver quadros 7 e 8), ou seja, há apenas um „vencedor‟ a ser selecionado pelo cálculo entre as restrições, logo, a criança não deveria apresentar inadequações na escolha do determinante.

Van Hout et al. (2010) assumem que as dificuldades na produção apresentadas pelas crianças em aquisição ocorrem em função do não ranqueamento das duas restrições para o determinante definido e indefinido. Durante o processo de aquisição do sistema de determinantes, a criança precisa descobrir que a restrição Referência Determinada ocupa as posições mais altas no ranking, enquanto que Evite Indefinidos ocupa a mais baixa e só ocorre na produção.

No tocante à compreensão, as possíveis assimetrias entre as interpretações do adulto e da criança em aquisição são decorrentes das implicações da imaturidade pragmática ou do conhecimento unidirecional apresentado pela criança, como podemos observar no quadro 11.

Quadro 11: Predições para o conhecimento bidirecional (adulto) e unidirecional (criança) (van Hout

et al., 2010: 1979)

Produção Adultos Criança

Referente determinado Determinante definido Determinante definido

Referente não determinado Determinante indefinido Determinante indefinido

Compreensão

Determinante definido Referente determinado Referente determinado

Determinante indefinido Referente não determinado Referente determinado e não determinado

Embora as autoras considerem a falha no cálculo da implicatura escalar apenas para a compreensão da definitude, Schaeffer et al. (2014) estendem esta hipótese para a produção, supondo que a ausência deste cálculo repercute na escolha do determinante indefinido, mas não, do definido.

Em função do déficit no nível pragmático, crianças com AAF, possivelmente, devem apresentar falhas no cálculo da implicatura escalar, o que levaria ao uso do determinante indefinido em contextos onde se espera o uso do definido. Por outro lado,

supondo que crianças com DEL não apresentem inadequações severas no nível pragmático, elas, consequentemente, não devem apresentar dificuldades com o cálculo da implicatura escalar.

As autoras, então, formularam dois conjuntos de hipóteses e previsões para ambas as patologias, na intenção de verificar qual das duas hipóteses teóricas seria a mais compatível com as dificuldades linguísticas possivelmente apresentadas. Vejamos o quadro 12.

Quadro 12: Predições para a escolha do tipo de determinante

Para crianças com AAF Para crianças com DEL30

CNSA: apresentarão uso exaustivo do determinante definido em contextos de indefinido referencial, uma vez que apresentam falha no CNSA;

Implicatura escalar: apresentarão uso

exaustivo do determinante indefinido em contextos em que se espera o uso do definido, uma vez que apresentam falha no cálculo da implicatura escalar.

CNSA: não apresentarão uso exaustivo do determinante definido em contextos de indefinido referencial, pois não possuem falha no CNSA;

Implicatura escalar: não apresentarão uso exaustivo do determinante indefinido em contextos em que se espera o uso do determinante definido, já que se supõe que sejam capazes de realizar o cálculo da implicatura escalar.

A fim de verificarem qual das duas hipóteses seriam válidas para ambas ou cada uma das patologias, Schaeffer et al. (2014) fizeram alguns ajustes no experimento desenvolvido por Schaeffer & Matthewson (2005), apresentado na seção 1.2.

Tomando como base a proposta de referencialidade (Heim, 1982) e assumindo o contraste entre referencial e não referencial, as autoras identificaram as condições do experimento como Definido, Indefinido Referencial e Indefinido Não referencial, estes dois últimos em substituição a Indefinido Existente e Indefinido Não existente, os quais eram propostos por Schaeffer & Matthewson (2005).

Vejamos o exemplo apresentado em (61).

30

As predições realizadas para o DEL foram propostas com base no que se espera para crianças típicas com idades acima de 4 anos, ou seja, que já não apresentam dificuldades com o uso do sistema de determinantes. Isso porque, crianças com DEL apresentam o mesmo percurso do desenvolvimento dos aspectos pragmáticos da linguagem, ainda que possuam inadequações específicas no nível sintático. Por conseguinte, apenas crianças com DEL, mais novas que as pesquisadas por Schaeffer et al. (2010), devem apresentar dificuldades na escolha do determinante, semelhante ao que ocorre com crianças típicas com idades entre 3 e 4 anos.

(61)

Eu comprei um bolo na padaria ontem à tarde. O bolo estava cheio de formigas.

Como vimos no capítulo anterior, sentenças, como a primeira apresentada em (61), possuem o NP [bolo] que é introduzido ao ouvinte enquanto ainda representa um referente desconhecido apenas pelo falante, o que justifica a escolha do determinante indefinido. Já na segunda sentença, o referente faz parte do conhecimento tanto do falante quanto do ouvinte, em função da sentença anterior, permitindo o uso do determinante definido em um contexto anafórico. Neste caso, o falante indica a que bolo está se referindo na primeira sentença, um bolo comprado na padaria, daí o uso do determinante indefinido referencial. Alguns autores como Chondrigianni & Marinis (2015) tratam este tipo de determinante como Indefinido Específico Referencial.

Quando o referente é desconhecido tanto para o ouvinte como para o falante, a escolha pelo determinante indefinido representa a mais adequada, como ocorre na sentença apresentada como exemplo (56), e retomada aqui, como exemplo (62).

(62)

Eu sinto como se estivesse vivendo um livro.

Em (62), o falante está se referindo a um livro qualquer, não específico, portanto, não referencial. O determinante indefinido não referencial não sinaliza no discurso um membro em específico de uma dada classe, como faz o indefinido referencial, mas se refere meramente a um item qualquer da classe, como ocorre nesta sentença em (62), em que o livro referido não é conhecido nem pelo falante nem pelo ouvinte, e sinaliza um livro não específico que possui as características pertencentes ao conjunto ou classe de livros.

As autoras mantiveram as mesmas situações e os mesmos três tipos de contextos, utilizados por Schaeffer & Matthewson (2005), para o conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte apresentados na seção 1.2. Contudo, alteraram a nomenclatura do tipo de determinante eliciado em cada contexto, como mostra o quadro 13, a seguir.

Quadro 13: Comparação entre tipos de determinante apresentados por Schaeffer & Matthewson (2005) e

Schaeffer et al. (2014)

Condição Schaeffer & Matthewson (2005) Schaeffer et al. (2014)

Condição A Determinante definido Determinante definido

Condição B Determinante indefinido existente Determinante indefinido referencial Condição C Determinante indefinido não existente Determinante indefinido não referencial

O grupo de pesquisa de Schaeffer (2014) observou 16 crianças, com idades entre 6 e 13 anos, acometidas pela AAF, outras 16 crianças com DEL, na faixa etária dos 5 aos 13 anos, e um grupo controle composto por 16 crianças com desenvolvimento típico, de mesma faixa etária.

O experimento utilizado consistia em 6 diferentes itens para cada condição, sendo no total 18 elocuções eliciadas variando com relação ao objeto aparente ou não, conforme a condição do experimento.

As crianças, semelhante ao que ocorria no experimento de Schaeffer & Matthewson (2005), eram convidadas a descrever uma figura ou vídeo curto contendo uma ação completa, ambos, tanto figura como vídeo, eram apresentados em um computador. As figuras e o vídeo podiam ser observados apenas pela criança, sendo que o pesquisador ficava posicionado de maneira que não pudesse enxergar o que acontecia no vídeo; a criança, então, era encorajada a contar ao pesquisador o que estava acontecendo. O segundo pesquisador anotava as respostas da criança e conduzia o experimento.

Tabela 16: Condições do experimento (Schaeffer et al., 2014: 117)

Condição Número de itens

Definido 6 itens

Indefinido Referencial 6 itens

Indefinido Não Referencial 6 itens

Total 18 itens

Diferentemente do que esperavam as autoras, nenhum dos grupos de crianças observados apresentou dificuldades para lidar com ambas as condições que induziam o uso do determinante indefinido. Os dois grupos pesquisados tiveram baixo índice de acerto apenas

No documento A noção de definitude na Síndrome de Down (páginas 93-109)