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Delimitação de regiões em Portugal: uma breve síntese

CAPÍTULO II | ESPAÇO RURAL

2.3 Conceitos de delimitação

2.3.1 Delimitação de regiões em Portugal: uma breve síntese

No início do século XX, a definição de Região, referida por Vidal de la Blache (1910) no seu artigo “Régions Françaises”15, determinou uma mudança substancial no

enquadramento espacial dos territórios que, até então, não tinha em conta os factores político-administrativos e legais que estão na base dos modelos de governança territo- rial. Mais recentemente, e em linha com a perspectiva de natureza relacional, delineada por Vidal de la Blache, o termo Região passou a ser utilizado para definir as áreas da superfície terrestre, que apresentam padrões distintos e internamente consistentes, no que concerne aos aspectos da Geografia física ou humana, que lhe conferem uma uni- dade significativa e as distinguem das áreas envolventes (Goodall, 1987). Esta noção é complementada por Bailly e Beguin (1998) que sublinham que a Região é, ao mesmo tempo, um espaço económico organizado, um espaço natural e um espaço existencial (Medeiros, 2013). No entanto, a questão da delimitação de regiões, dependendo da na- tureza do contexto espacial e da escala de análise, resulta dum processo holístico, por vezes ambíguo, que pode assentar em vários factores de índole geográfica, histórica, económica, física, social, administrativa, política ou funcional.

15Neste artigo, Vidal de la Blache avança com uma proposta de divisão regional da França em 17 regiões

salientando a necessidade de delimitar áreas em torno de núcleos, capazes de estabelecer sistemas de relações que permitam a identificação das futuras áreas de influência dos grandes centros urbanos (Brennetot e Ruffray, 2014).

A este respeito, de acordo com Lopes (1995: 31), refere-se como “a região é para alguns uma entidade real, objectiva, concreta, que pode ser facilmente identificada, quase que uma região natural; para outros não é mais do que um artifício para classifi- cação, uma ideia, um modelo que vai facilitar a análise permitindo diferenciar espacial- mente o objecto de estudo”. De acordo com este autor, a região não tem de ser o resul- tado de restrições de factores associados à dimensão, mas a razões de contiguidade, ou seja os elementos que a compõem têm de se localizar necessariamente de forma contí- gua (Cabugueira, 2000). Do mesmo modo, Reis, (2013) salienta que a delimitação de região, entendida como forma de territorialização16, visa à identificação de recursos, ca-

pacidades e acções ligados ao território. Na perspectiva territorialista está assim em causa uma noção de região que não é apenas uma partição tecnicamente justificada de um território nacional, mas uma unidade de sentido definido pela existência de laços de pertença (Cabugueira, 2000). No intuito de aferir uma classificação de síntese, em rela- ção aos diferentes tipos de região que se encontram na literatura da especialidade e seguindo as indicações de vários autores (Boudeville, 1968; Richardson, 1973; Lopes, 1995; Cabugueira, 2000; Ferrão et al., 2012; Reis, 2013), é possível apresentar o es- quema da Figura 8.

Figura 8: Quadro classificativo conceptual das regiões

Como enquadramento ao presente trabalho, mostra-se pertinente referir o con- teúdo de cada uma das regiões acima referidas, uma vez que poderão ser tidas em conta

16Segundo Reis (2013), o termo territorialização identifica os processos socioeconómicos localizados, as-

sentes em dinâmicas e em actores cuja acção é possibilitada por interacções de proximidade, às quais estão também associados os respectivos desenvolvimentos, mesmo quando se passam a integrar em contextos mais vastos. As ci- dades, e os sistemas urbanos, os distritos industriais, os sistemas nacionais e regionais de inovação e as regiões são exemplos de territorializações.

no quadro de desenvolvimento e planeamento a nível do município, objecto desta in- vestigação. Deste modo, é importante referir a existência de duas fases distintas que, segundo Lopes (1995), determinaram a forma de construir regiões.

À primeira fase corresponde o conceito de regiões formais, ou seja, áreas geo- gráficas dotadas de uniformidade relativa ou uniformidade face a determinado atributo ou variável, que começou por ser predominantemente físico para, mais tarde, ser de ordem económica e, ainda mais tarde, de ordem social e política. Numa segunda fase as preocupações orientam-se para o funcionamento das regiões no sistema e procuram-se as regiões funcionais, áreas geográficas dotadas de coerência funcional a avaliar a partir das relações de interdependência (Lopes, 1995).

Na definição de regiões formais dominam preocupações de homogeneidade. As- sim, e de acordo com Cabugueira, (2000) e Lopes (1995), surgem três critérios funda- mentais para a definição destas regiões, nomeadamente:

• O critério da homogeneidade; • O critério da polarização;

• O critério de planeamento ou programação.

A “Região Homogénea” é definida através de requisitos analíticos, que agrupam unidades territoriais de menor dimensão e de acordo com critérios de homogeneidade, que exigem que a variabilidade dos elementos que a compõem se contenha dentro de determinados limites (Lopes, 1995). No referente ao conceito de região homogénea, parece relativamente consensual entre os diversos autores, que as áreas geográficas podem estar ligadas como uma região única quando partilham características uniformes (Boudeville, 1968; Richardson, 1973). Essas características podem ser económicas (es- truturas de produção semelhantes, por exemplo), geográficas (tais como topografia ou clima semelhantes) ou mesmo sociais ou políticas (como uma “identidade” regional ou uma fidelidade partidária tradicional) (Cabugueira, 2000).

Por outro lado, a “Região Polarizada” pode ser definida “como uma área na qual as relações económicas internas são mais intensas do que as estabelecidas entre regiões exteriores a elas” (Lopes, 1995). Um aspecto característico das regiões polarizadas é o

facto de serem compostas por unidades heterogéneas, mas funcionalmente ligadas en- tre si através de fluxos. Estes fluxos podem referir-se a dados relativos a comunicações (contactos telefónicos e transportes), a movimentos da população, a transacções co- merciais, etc. (Cabugueira, 2000). Segundo Boudeville, (1968) o espaço polarizado pode ser definido como um conjunto de unidades ou pólos que mantêm relações com um pólo próximo de hierarquia superior ou da mesma ordem. A este propósito, (Richardson, 1973) afirma que as regiões polarizadas são compostas por unidades heterogéneas (uma hierarquia de centros populacionais – grandes cidades, pequenas cidades, aldeias e áreas mais ou menos povoadas), mas que se encontram estreitamente interrelaciona- das de forma funcional.

No critério da homogeneidade e da polarização encontram-se as bases do crité- rio de planeamento ou programação. Assim, e segundo Boudeville (1968), quando os objectivos estão associados ao controlo da evolução do sistema, através da formulação de políticas ou acções de planeamento, é necessário adoptar o critério de planeamento ou programação, devendo as regiões-plano revelar coerência ou unidade perante as de- cisões adoptadas (Boudeville, 1968 5:33). Deste modo, a definição de “Regiões-Plano” constitui um compromisso entre as vantagens dos critérios de homogeneidade e de po- larização com o intuito de estabelecer um quadro espacial mais adequado às políticas territoriais de âmbito regional (Mafra e Silva, 2004). É de realçar como o modelo de re- gião-plano é baseado em divisões espaciais pré-definidas e ligadas às formas de delimi- tação que visam à recolha e compilação de informação estatística de natureza econó- mica e demográfica (Poggi e Amado, 2014).

De índole morfológica (manchas contíguas com características morfológicas idênticas) e, sobretudo, funcional (espaços integrados através de relações, fluxos e sis- temas naturais ou humanos, físicos ou imateriais), a designação mais abrangente utili- zada para este tipo de abordagem é a de ´Região Funcional` (Ferrão et al., 2012). O con- ceito de região funcional, não resultando das restrições de factores ligados a limites ad- ministrativos mas sim a razões de contiguidade, surge como um quadro territorial de referência que pode englobar vários tipos de realidades (Mafra e Silva, 2004). A impor- tância das regiões funcionais do ponto de vista analítico (formulação de diagnósticos e

cenários prospectivos) e de intervenção (estratégias de desenvolvimento, políticas pú- blicas) tem vindo a ser alvo de um reconhecimento crescente por parte da União Euro- peia e da OECD (OECD, 2002; Ferrão et al., 2012). A região funcional nestes estudos é geralmente definida por critérios relativos ao mercado de trabalho e aos movimentos pendulares. Na base da definição e delimitação de regiões funcionais estão ainda preo- cupações de natureza e intensidade das interacções, sobretudo de ordem económica, traduzidas no espaço pela existência de polos (industriais), nós (de comunicações) ou centros (de serviços), ou seja, pontos ou núcleos de elevada intensidade de relações (Mafra e Silva, 2004). A região funcional, enquanto veículo de suporte de políticas e pro- gramas, pode tornar-se um modelo com grande relevância para englobar a perspectiva da energia no território tendo em conta as suas características físicas, administrativas e políticas (Poggi e Amado, 2014).

No que se refere à região, considerada do ponto de vista puramente administra- tivo, a definição corrente utilizada em diferentes estudos da OCDE assenta em três dife- rentes níveis territoriais de delimitação político-administrativa: as NUTS - Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins Estatísticos (OECD, 2014). As NUTS, definidas ao nível comunitário, são hierárquicas e subdividem o território económico dos Estados Mem- bros em unidades territoriais, de acordo com as regiões administrativas dos países e com a população. Deste modo, referem-se as NUTS1 (entre 3 7 milhões de pessoas) cada uma das quais é subdividida em unidades territoriais NUTS2 (entre 800.000 e 3 milhões de pessoas), sendo estas, por sua vez, subdivididas em unidades territoriais NUTS3 (en- tre 150.000 e 800.000 de pessoas) (DGAEP, 2009).

Como as regiões compreendem, habitualmente, comunidades urbanas e comu- nidades rurais, a OCDE identifica ainda três diferentes tipologias de regiões, consoante a proporção da população residente (OECD, 2014). No entanto, e dada a sua importân- cia, a classificação acima referida será aprofundada com mais detalhe no âmbito da re- flexão sobre o espaço urbano e espaço rural, como se verá mais à frente.

Não cabendo no âmbito da presente investigação desenvolver uma caracteriza- ção detalhada da delimitação de regiões em Portugal, considera-se, contudo, impor- tante evidenciar alguns aspectos sobre a diversidade geográfica do território e a sua divisão administrativa. A influência das condições naturais, os factores determinados

pela evolução económica e a forma de ocupação humana, permitem enquadrar e dis- tinguir na área continental um conjunto de três regiões: Norte Atlântico, Norte Interior, e Sul (Medeiros, 2000). A uma escala mais detalhada, é possível ainda identificar várias regiões circunscritas, com características próprias determinadas pela diversidade climá- tica, geológica, os diferentes tipos de produção agrícola e florestal etc. Neste contexto as condições de aproximação à delimitação de cada região dependem do quadro de análise, podendo este ter várias acepções. Ocorrem também divisões administrativas de âmbito territorial que se interligam com a escala da região e que são: as NUTS, as Regi- ões e Zonas Agrárias e as CCDR.

Em Portugal, as NUTS, foram adoptada em 1984, correspondendo a uma malha regional mais homogénea que a dos distritos, que em geral se tomavam como referência para diversos fins (Medeiros, 2000). As NUTS constituem a matriz que estrutura a deli- mitação da recolha e compilação de informação estatística de base regional, sendo apre- sentadas do seguinte modo (MPAT, 1989):

• Nível I ­ constituído por três unidades, correspondentes ao território do continente e de cada uma das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;

• Nível II ­ constituído por sete unidades, correspondentes, no continente, às áreas de actuação das comissões de coordenação regional (Figura 9­a);

• Nível III ­ constituído por 30 unidades, das quais 28 no continente e duas correspondentes às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (Figura 9­b).

Por outro lado, as regiões e zonas agrárias, compreendidas nas Direcções Regio- nais de Agricultura, são fixadas do seguinte modo (MPAT, 1989):

• Regiões agrárias ­ constituídas por sete unidades, correspondentes ao território do continente (Figura 9­c);

• Zonas agrárias ­ constituídas por 66 unidades, correspondentes ao território do continente.

Figura 917: a) NUT 2; b) NUT 3; c) Regiões e zonas agrárias

Fonte: Direcção Geral do Território, (2014)

As CCDR’s - Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, são servi- ços periféricos da administração directa do Estado, dotados de autonomia administra- tiva e financeira. De acordo com o ponto 6, artigo 1 do DL n.º 228/2012, de 25 de Outu- bro, são instituídas: CCDR Norte, CCDR Centro, CCDR LVT, CCDR Alentejo, CCDR Algarve (MAMAOT, 2012). As CCDR’s têm por missão assegurar a coordenação e a articulação das diversas políticas sectoriais de âmbito regional, bem como executar as políticas de ambiente, de ordenamento do território e cidades, e apoiar tecnicamente as autarquias locais e as suas associações, ao nível das respectivas áreas geográficas de actuação, que correspondem às NUT 2. Da análise dos exemplos de regiões, existentes em Portugal, emerge que apesar da dificuldade quanto às suas delimitações, há contudo alguma uni- formidade em relação aos conceitos de região homogénea e região administrativa.

A uniformidade (homogeneidade) relativa deixa pois de ser uma preocupação passando a interessar os fluxos e as relações de interdependência da rede urbana in- terna à região, fluxos e relações que, por definição, podem ser mais facilmente estuda- dos e relacionados com o factor da energia e suas componentes (produção, consumo, transporte, armazenamento) (Poggi e Amado, 2014). No entanto, como afirma Ferrão

et al. (2012), as regiões de natureza político-administrativa ignoram, e por isso segmen-

tam de forma artificial, realidades ecológicas, socioeconómicas e culturais com Geogra- fias que ultrapassam e cruzam esses espaços. Deste modo, a região funcional, enquanto veículo de suporte de políticas e programas que visam englobar a perspectiva da energia no território, pode tornar-se um contributo com grande relevância para o modelo teó- rico desta investigação.