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Processos de planeamento: quadro conceptual

CAPÍTULO II | ESPAÇO RURAL

2.4 Planear e intervir no espaço

2.4.2 Processos de planeamento: quadro conceptual

Esta subsecção procura analisar e sistematizar os diferentes processos e respec- tivas etapas fundamentais, que suportam os modelos de planeamento existentes, le- vando em conta a racionalidade objectiva e instrumental de cada um destes. Este en- tendimento é de facto essencial para a correcta inclusão do reforço da eficiência ener- gética e da implementação das energias renováveis no processo de planeamento, em todas as suas escalas e campos de acção. As abordagens teóricas do planeamento dão, de um modo geral, um lugar de destaque ao processo de planeamento, no que respeita à conceptualização das finalidades da acção, à identificação e à caracterização de meios/instrumentos a utilizar e à avaliação de possíveis alternativas.

A importância do processo - fonte indispensável de operacionalidade – está bem patente nalguns dos modelos adoptados do passado, cujos objectivos e passos funda- mentais a seguir se sintetizam. A evolução do processo de planeamento, tal como o seu conceito, foi acompanhando as diversas circunstâncias económicas e, como referido, as mais recentes questões sociais e ambientais. Cronologicamente, ao longo dos séculos XIX e XX, o crescimento da actividade industrial, as novas necessidades da população e sobretudo a concorrência do desenvolvimento urbano com o espaço rural, conduziram à necessidade de dar respostas espaciais e jurídicas aos fenómenos críticos em curso. Citando Chadwick (1978), a vertente do planeamento nas suas diferentes escalas, é as- sumida como uma forma de optimização antecipada da afectação dos recursos que é

inerente à própria condição humana. Para tal o discurso do processo é tomado rapida- mente como um elemento essencial para a operacionalidade da acção de planeamento (Amado, 2009).

Os fenómenos de transformação das cidades no início do seculo XX, a reconcili- ação entre a ciência, a moral e a estética, representam o enquadramento no que teve papel de relevo o trabalho de Patrick Geddes, um dos principais precursores do planea- mento regional (Sarmento, 2004). Para este autor, as cidades localizam-se no campo e são o seu produto (Geddes, 1915), perspectiva esta, que promove o levantamento dos recursos da região natural, seguido pelas respostas humanas a esses mesmos elemen- tos, e finalmente pela análise das complexidades das paisagens culturais resultantes (Sarmento, 2004). Surge assim o seu famoso processo de planeamento que possui uma estrutura em três etapas, simples, objectiva e de fácil aplicabilidade (Figura 21).

Figura 21: Esquema de síntese do processo de planeamento de Patrick Geddes, (1915)

É possível afirmar que a partir da abordagem regionalista de Geddes, as teorias e processos de planeamento têm vindo a evoluir com base a sua aplicabilidade e eficá- cia, na resolução dos problemas originados pelo desenvolvimento da sociedade. A partir da década de 1930, surge o modelo de planeamento racional-estratégico, dominado pelo desenho e interpretação da figura do plano, não como produto mas como processo de decisões (Fera, 2002). O primeiro processo relacionado com este modelo de planea- mento foi aplicado por Harlow Person em 1937, durante a elaboração do plano de água

do Mississípi (Friedmann, 1987). Este processo desenvolve-se em 5 diferentes fases que demostram uma grande objectividade e racionalidade científica.

Figura 22: Esquema de síntese do processo de planeamento de Harlow Person, (1937) Fonte: adaptado de Fera, (2002)

A construção teórica-metodológica do processo de planeamento como ciência racional continuou a evoluir ao longo dos anos focando sobretudo as questões econó- micas dos sistemas urbanos. Deste modo, surge a abordagem sistémica que começa a ser desenvolvida e aplicada na formulação de objectivos, construção de modelos e ava- liação de alternativas diferentes, considerando a cidade como um sistema dinâmico composto de várias vertentes: a espacial (habitação, produção, consumo), as redes (re- lações entre os diferentes sistemas espaciais, distribuição de bens e meios e os fluxos: energia, matérias primas, pessoas (Fera, 2002). O modelo ilustrado corresponde ao pro- cesso de planeamento sistémico preconizado por dois autores: McLoughlin (1969) e Chadwick (1978). Este processo considera o plano como um processo cíclico de acções- efeitos no território, que necessitam da avaliação da situação proposta para avançar com a sua implementação ou, caso contrário, reformular os objectivos e redefinir o pro- cesso de planeamento (Fera, 2002).

O planeamento sistémico, difere da abordagem top-down de Geddes, sendo esse um processo contínuo, que se concentra nos objectivos do plano e nas formas alterna- tivas de alcançar os objectivos (Hall, 1992). Deste modo, é posta ênfase na formulação de alternativas, a partir das quais as consequências podem ser avaliadas para a tomada de decisão futura (Figura 23).

Figura 23: Esquema de síntese do processo de planeamento de McLoughlin (1969) e Chadwick (1978) Na década de 1970, a natureza e os determinantes da urbanização entraram no debate sobre qual o papel do planeamento face a estas questões. Neste contexto, Fried- mann (1969), salienta o facto de o modelo de planeamento racional ser tipicamente estruturado de acordo com uma sequência linear de etapas ou fases que são abordadas de forma progressiva. Ainda de acordo com este autor, no processo de planeamento racional existe uma tendência para separar a fase da concepção do plano da fase da sua implementação, facto este, que constitui a seguir, uma grande fragilidade em relação à eficácia da própria implementação.

A este propósito Friedmann desenvolve um modelo de planeamento onde o pro- cesso se centra entre o conhecimento e a acção organizada. A acção e o planeamento são assim unidos numa única etapa, ultrapassando a clássica distinção conceptual do planeamento entre DECISÃO-IMPLEMENTAÇÃO-ACÇÃO (Figura 24).

Figura 24: Esquema conceptual do processo de planeamento de Friedmann, (1987)

Mas se a fase da implementação assume assim grande relevância, como se im- plementa de forma prática um plano? De acordo com Barrett e Fudge (1981), a imple- mentação concretiza-se através da formulação de políticas. Por outro lado, Bardach (1977) refere que o sucesso da fase de implementação decorre da elaboração de políti- cas mas também de acções específicas. De facto, é possível afirmar que estes autores antecipam as bases do modelo de planeamento como forma de comunicação. Neste sentido, é na década de 1980 que o processo de planeamento começa a preocupar-se não só com o “como fazer as coisas”, mas também com o “como fazer para que as coisas aconteçam”. Resulta interessante como o tema da comunicação entre actores para en- contrar as condições que possibilitam, a seguir, a implementação do plano, surge da crítica da sociedade capitalista do filósofo e teórico social Habermas (1979). A teoria deste autor é importante para ter em conta o papel da participação, entendida como comunicação essencial entre actores e diversos stakeholders de um território, e da ne- gociação como tipo de comunicação de natureza interpessoal, desenvolvida a nível pú- blico-privado e institucional.

A evolução do processo de planeamento foi assim acompanhando as diversas circunstâncias económicas, desenvolvendo ao mesmo tempo preocupações associadas às questões sociais e ambientais. Neste contexto interessa referir o célebre processo de planeamento ecológico desenvolvido por McHarg (1969), que teve uma enorme impor- tância para a elaboração de futuras abordagens à temática do planeamento e recente- mente à interligação com o conceito de desenvolvimento sustentável (Amado, 2009). É

de salientar que as etapas deste processo apresentam uma maior preponderância da análise e caracterização do meio, introduzem a participação da população e valorizam a fase da gestão/administração (Figura 25).

Figura 25: Esquema de síntese do processo de planeamento de McHarg, (1969)

Da análise dos modelos apresentados de matriz respectivamente regiona- lista/evolutiva, sistémica/estratégica, activa e ecológica, é possível verificar que o pro- cesso de planeamento tem vindo a adoptar etapas comuns, tais como a definição de objectivos e a avaliação das soluções em face de cenários e de alternativas, transpor- tando para o processo um potencial que não seria possível obter com os métodos tradi- cionais.

A partir da segunda metade da década de 1970, os processos de planeamento têm vindo a desenvolver uma modificação radical na sua base operativa decorrente da relação conflituosa entre o crescimento da população humana, a exploração de recursos naturais e os problemas ambientais (Meadows e Club of Rome, 1972). No entanto, de- corrente do início da crise ecológica global em 1980, e do surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, a protecção do ambiente natural começa a ser conside- rada como um aspecto a promover através da formulação de um processo de planea- mento, direccionado para as comunidades e as suas necessidades, que tem em conta as consequências sociais, ecológicas, económicas entre outros aspectos (Slocombe, 1993).

De acordo com Fidélis (2001), a evolução da integração da componente ambiental no processo de planeamento não foi um processo linear. Neste contexto, Selman (2002) salienta que o planeamento ambiental começa a se afirmar como processo formal de gestão do território que orienta e controla o ambiente construído, as infra-estruturas e as alterações do uso do solo, e como actividade genérica que envolve a previsão do fu- turo e a alocação estratégica dos recursos físicos e humanos. O mesmo autor refere que o processo de planeamento ambiental é alicerçado numa base de matriz racionalista, que implica uma sequência cíclica de 6 fases (Figura 26) (Selman, 2002).

Figura 26: Esquema de síntese do processo de planeamento de Selman, (2002)

Neste processo, a ênfase em cada etapa é posta nas questões ambientais, que são tratadas como condicionantes para a garantia de eficácia do processo, e nos meca- nismos particulares de participação da população. Decorrente da integração da compo- nente ambiental e da sua promoção através do planeamento, torna-se importante refe- rir o surgimento de uma interpretação mais conservadora e focada no desenvolvimento e protecção dos recursos no meio rural (Van der Vlist, 1998; Selman, 2002). Esta posição é particularmente importante para a presente investigação porque permite introduzir, de forma coerente, a questão do planeamento rural que até agora ainda não foi referida. De facto, o planeamento rural é uma disciplina que tem evoluído de forma lenta e pon- tual ao longo dos anos. Entre os países industrializados, os Países Baixos e o Reino Unido são conhecidos por ter os sistemas mais desenvolvidos em termos de planeamento rural e regional (Lassey, 1977). Contudo, os fenómenos à grande escala, como a expansão das cidades, a afirmação dos modelos de vivência urbana e a crescente necessidade de ac- tividades de lazer e habitação, têm vindo a repercutir-se na forma de gestão e planea- mento dos espaços rurais, acentuando assimetrias bem notórias, suportadas pelos con- flitos de interesses em jogo (Firmino, 1999).

É neste sentido que surge uma das mais valias do processo de planeamento que se pretende desenvolver nesta investigação, ou seja, um processo de planeamento que ponha em especial relevo o papel das áreas rurais e a sua função de suporte ao modelo de desenvolvimento dos territórios. Desta afirmação, e porque intervir na temática do

LEVANTAMENTO e ÁNALISE

CONSULTA

planeamento pressupõe o relacionamento dos objectivos do desenvolvimento susten- tável, é a seguir analisada a integração da sustentabilidade no processo de planeamento. Segundo Shorten, citado por Amado (2009:42), os princípios do desenvolvimento sus- tentável devem ser apoiados num processo de integração holística de análises e acções tendo como visão a integração do ambiente de acordo com o esquema seguinte (Figura 27).

Figura 27: Desenvolvimento sustentável: processo de integração holística de análises e acções Fonte: adaptado de Amado (2009:42)

Em síntese pode-se referir que no campo teórico os métodos do planeamento ambiental dão resposta no seu conjunto à quase totalidade das questões do desenvol- vimento sustentável. Segundo Amado (2009), a pertinência de o planeamento enqua- drar o desenvolvimento sustentável faz com que os seus instrumentos, que controlam a localização, a construção, o nível de qualidade dos espaços e, por último, a qualidade de vida das populações, se tornem adaptáveis para que, com a integração da compo- nente ambiental no processo, se possa prevenir a perturbação que as acções de plane- amento possam causar ao equilíbrio ecológico e permitam considerar o deferimento das perturbações entre os diferentes espaços temporais e geracionais.

O processo que possibilita dar resposta às questões acima referidas apresenta diferentes etapas e acções complementares a cada uma destas (Figura 28), devendo es- tas acções ser combinadas da forma mais adequada ao problema a abordar (Amado, 2009).

• Distribuição das consequências das acções pelas presentes e futuras gerações. • Participação individual e dos

diferentes interessesados no processo de tomada de decisão e implementação.

• Totalidade dos custos ambientais. • Consequências a longo

termo para as gerações futuras.

FUTURO AMBIENTE

IGUALDADE

Figura 28: Estrutura do processo de planeamento urbano sustentável Fonte: Amado, (2009)

O processo desenvolvido por Amado coloca em primeiro plano a necessidade de as intervenções do planeamento terem de passar a corresponder a exigência teórica e competência técnica, e que, o momento da tomada de decisão tenha sido suportado por um método que define os pressupostos de desenvolvimento sustentável inerentes a cada acção. Neste sentido, o processo procede a uma caracterização e análise multi- disciplinar da situação de referência, considera diferentes cenários-bases face a combi- nação dos diagnósticos de base local e global e avalia por antecipação as consequências da implementação das acções definidas.