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Demanda por Trabalho Infinitamente Elástica: uma ideia pioneira

1.4 MINSKY ALÉM DA INSTABILIDADE FINANCEIRA

1.4.1 Demanda por Trabalho Infinitamente Elástica: uma ideia pioneira

O tema do combate à pobreza e ao desemprego surge, primeiro, no trabalho intitulado “Poverty and Unemployment” de 1964, em que Minsky atribuiu ao desemprego involuntário a causa última da pobreza, mesmo diante da grande capacidade produtiva de economias capitalistas.16 Não apenas a ausência de renda devido ao desemprego, mas também a discriminação que impede oportunidades semelhantes a todos os membros da sociedade deve ser entendida como uma importante fonte de pobreza. A discriminação de oportunidades, por sua vez, está diretamente relacionada ao nível de emprego, pois a manutenção de oportunidades desiguais arrefece quando a economia se aproxima do pleno emprego (Minsky, 1964).

15 No caso de Stabilizing an Unstable Economy, os capítulos 12 e 13 são aqueles em que o tema de combate à

pobreza e ao desemprego aparecem mais explicitamente.

16 Em seus trabalhos com a temática de pobreza e desemprego, Minsky dialogava com o plano de redução da

pobreza que ficou conhecido como “War on Poverty.” Esse plano se caracterizava por ser uma tentativa de qualificar a força de trabalho, com o intuito de reduzir o desemprego. Para mais detalhes, ver Wray (2015b).

Em trabalhos subsequentes, ainda com a mesma temática, o argumento acerca da urgente necessidade de reconhecimento do desemprego involuntário como um fenômeno sistêmico, que independe das características (ou ausência delas) da força de trabalho e da crescente automação da produção, ganhou corpo. A partir dessa perspectiva, políticas de qualificação da força de trabalho apenas redistribuem a pobreza, mas não são capazes de reduzi- la de modo generalizado (Minsky, 1965).

Ao constatar que políticas de oferta17 não são capazes de reduzir o desemprego, Minsky

entendia a política fiscal como o instrumento mais relevante em uma estratégia de política de pleno emprego. Não se tratava, no entanto, de um clamor por políticas que estimulassem o crescimento econômico ou de gerenciamento de demanda agregada, como Minsky deixou claro ao ressaltar que “[e]conomic growth is a false objective of economic policy”18 (1964, p. 2).

Wray, sinteticamente, esclareceu o argumento:

The economic theories on which the War on Poverty was based misunderstand the nature of poverty. The notion that economic growth, together with supply-side policies to upgrade workers and provide proper work incentives, would be enough to eliminate poverty was recognized by Minsky at the time to be fallacious (2013, p. xi).

Distinguimos entre duas estratégias principais de política fiscal, com o objetivo de atingir o pleno emprego: (1) de estímulo ao investimento privado através da elevação da taxa de retorno do capital, para acelerar o crescimento econômico e, assim, aumentar o nível de emprego e; (2) de criação direta de empregos públicos (Minsky, 1973). A escolha de Minsky pela segunda estratégia está relacionada ao seu entendimento sobre o funcionamento do sistema capitalista, como exposto na subseção seguinte. Por ora, apresentamos a estratégia sugerida por Minsky (1986): criar demanda por trabalho infinitamente elástica. A proposta de política sugerida recebeu o nome de Empregador de Última Instância (ELR).19

A ideia básica por trás do programa é que o governo se disponha a contratar toda a parcela da força de trabalho que esteja apta, disposta e disponível a trabalhar, mas que, por alguma razão, não consiga um emprego no setor privado ou no setor público tradicional (empregos públicos que não sejam aqueles criados pelo programa ELR). Um segundo aspecto importante do programa é que o governo fixa o salário pelo qual está disposto a contratar a

17 Políticas de oferta são referentes ao receituário de políticas econômicas do supply-side economics.

18 A percepção de que o crescimento econômico não é o melhor objetivo de política econômica, para reduzir o

desemprego e a pobreza, aparecem em diversos outros trabalhos de Minsky. Ver, por exemplo, (1986, p. 325, 1973, p. 93).

19 A sigla ELR é referente ao nome original em inglês: Employer of Last Resort. Outros nomes frequentemente

força de trabalho ociosa, estabelecendo, dessa maneira, um salário mínimo efetivo – uma vez que o salário mínimo é zero quando há desemprego involuntário (Minsky, 1986, p. 345) – que serve como uma referência para os demais salários da economia. O governo não determina uma quantidade específica de trabalhadores que está disposto a contratar, mas, ao contrário, assume a contratação daqueles trabalhadores não absorvidos pelo setor privado. Assim, o governo fica em posição de determinar exogenamente o preço mínimo do trabalho, sem pressionar constantemente os salários pagos pelo setor privado (Wray, 1998a). Cabe ao setor privado pagar uma margem suficiente sobre o salário fixado no âmbito do ELR, mas não há razões para que o programa seja entendido como um competidor pela força de trabalho.

Outra característica essencial do programa é o seu caráter permanente, pois não se trata de uma política de recuperação econômica em períodos de crise ou estagnação, mas de manutenção de pleno emprego independentemente da fase do ciclo econômico (Tcherneva, 2012a). Os gastos com o ELR, então, são contra cíclicos, pois quando o desemprego no setor privado cresce, em razão de alguma crise ou estagnação, a quantidade de trabalhadores contratados pelo ELR deve crescer, ao passo que durante a fase de expansão a contratação do programa deve diminuir (Wray, 1998a). Não há pretensão que o ELR acabe com o ciclo econômico, apenas que suavize as flutuações inerentes ao capitalismo (Wray, 1998a).

Por fim, “a program for full employment, price stability, and greater equity is not a

simple one-shot affair. There is no magic economic bullet; no single program or particular reform will set things right forever” (Minsky, 1986, p. 326). Assim como Minsky, não devemos

depositar em um programa ELR a expectativa de solução para todos os problemas econômicos e/ou sociais. Ademais, não há conflito entre a existência de um Estado de bem-estar social, nos moldes do modelo europeu, e o programa ELR. A escolha se o Estado deve ofertar serviços públicos gratuitos e universais não depende da implementação do ELR, apesar da possível complementariedade entre os serviços públicos gerados pelo programa e os demais serviços, normalmente associados ao Estado de bem-estar. À medida em que apenas os indivíduos aptos, dispostos e disponíveis ao trabalho são elegíveis para o programa, aqueles que não estejam em condições de trabalhar devem ter acesso a políticas de assistência social (Minsky, 1965).

Essas são as principais características da política sugerida por Minsky para lidar com o desemprego sistêmico, apesar de possíveis variações no programa, como, por exemplo, estabelecimento de faixas salariais para diferentes níveis de qualificação dos trabalhadores. No capítulo 2, tratamos mais detidamente sobre as características estruturais que definem o ELR proposto atualmente por autores da MMT. Na subseção seguinte, apresentamos como o

programa ELR está integrado à perspectiva de Minsky sobre o funcionamento das economias capitalistas.