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Moeda endógena e taxa de juro exógena na economia aberta: o princípio da

No documento A macroeconomia do pleno emprego na periferia (páginas 111-114)

CAPÍTULO 2. A POLÍTICA FISCAL EM ECONOMIAS EMISSORAS DE MOEDA

3.2 HIERARQUIA INTERNACIONAL DE MOEDAS, CICLO INTERNACIONAL DE

3.2.4 Moedas Periféricas, Assimetria Macroeconômica e a Dualidade Impossível

3.2.4.2 Moeda endógena e taxa de juro exógena na economia aberta: o princípio da

O princípio da compensação85 estende a abordagem da moeda endógena, um dos

elementos comuns a todas as vertentes Pós Keynesianas, e da taxa de juro exógena, também uma característica de grande parte das vertentes Pós Keynesianas (porém, não todas), para a economia aberta (Lavoie, 2001). Este princípio não só se contrapõe a vários argumentos

84 Sobre uma teoria Pós Keynesiana de racionamento de crédito, ver Wolfson (1996).

85 Também recebe o nome de “compensation view”, “compensation thesis” e “banque de France view” (Lavoie,

recorrentemente utilizados pela HIM, como também permite uma crítica à adoção do trilema pela MMT como forma de tratar a autonomia da política monetária em uma economia aberta.

Fluxos de entrada ou saída de moeda estrangeira não afetam a capacidade do BC de determinar a taxa de juro de curto prazo da economia, seja em um regime de câmbio fixo ou em regime de câmbio flutuante. O argumento central do princípio da compensação, então, lida com o caso em que há substancial intervenção da autoridade monetária no mercado de câmbio, com o objetivo deliberado de atingir uma paridade fixa ou, simplesmente, com o objetivo de reduzir flutuações cambiais indesejadas. Nesse sentido, é um princípio relevante para lidar com a determinação da taxa de juro na grande maioria dos países, especialmente países periféricos que mesmo com regimes de flutuação cambial executam substanciais intervenções no mercado de câmbio.

Para simplificar, vamos considerar uma economia que opera com uma taxa de câmbio fixa,86 ou seja, em que o BC possui uma meta para a taxa de conversão da moeda doméstica em moeda estrangeira. Quando a economia apresenta superávit no resultado global do BP, significa que há uma entrada líquida de moeda estrangeira no país. O resultado desse fluxo de entrada,

ceteris paribus, significa uma pressão de apreciação da moeda doméstica. Como o BC fixa uma

taxa de câmbio, a intervenção no mercado cambial torna-se inevitável – nesse caso específico, com a compra de moeda estrangeira. Para comprar moeda estrangeira no mercado de câmbio, o BC realiza pagamentos creditando reservas bancárias, ampliando a disponibilidade de reservas no mercado interbancário. Por fim, normalmente o BC utiliza a moeda estrangeira adquirida para comprar ativos (quase sempre títulos do Tesouro dos EUA) que paguem juro.

Do outro lado, o sistema bancário doméstico registra um acréscimo na quantidade de reservas disponíveis no mercado interbancário. Como vimos no capítulo anterior, um acréscimo na quantidade de reservas poderia ocasionar uma pressão de baixa sobre a taxa de juro de curto prazo. O efeito do fluxo de entrada líquida, nesse caso, é similar ao déficit orçamentário do governo. O BC opera com uma postura defensiva, de comprador e vendedor residual de títulos do governo, de acordo com a demanda do setor privado. Na abordagem de moeda endógena, a ampliação das reservas bancárias não se converte em ampliação do crédito doméstico, que é endogenamente liderado pela demanda. Bancos não concedem empréstimos baseados na disponibilidade de reservas bancárias, mas sim de acordo com sua perspectiva de o potencial

86 Não é necessário que se trate de um regime de câmbio fixo necessariamente. O princípio da compensação é

válido para regimes cambiais ainda mais rígidos, como o currency board, ou mais flexíveis como o regime de flutuação suja. Basta que haja intervenção da autoridade monetária no mercado de câmbio, no sentido de esterilizar o impacto dos fluxos de moeda estrangeira na taxa de câmbio, para que o mecanismo da compensação esteja em funcionamento.

tomador de empréstimo honrar os pagamentos. Em outras palavras, bancos emprestam antes e obtêm as reservas bancárias necessárias apenas posteriormente (Lavoie, 2001, 2014).

Isso significa que as reservas bancárias adicionadas pela intervenção do BC no mercado de câmbio não são multiplicadas através de concessão de crédito, pois os bancos comerciais já concederam todo o crédito que seus clientes (considerados bons pagadores) solicitaram. A preferência dos bancos, então, é utilizar os ativos que não rendem juro (reservas bancárias) para adquirir ativos que pagam juro (títulos do governo) ou para pagar dívida com o BC, a depender da institucionalidade entre BC e bancos comerciais nessa economia. No caso de economias

asset-based, o comum é que bancos comerciais não estejam endividados com o BC, portanto,

utilizam as reservas bancárias para comprar títulos da dívida pública. No caso de economias

overdraft, bancos comerciais acumulam dívida com o BC e, por isso, utilizam as reservas

bancárias adicionais para reduzir seu estoque de dívida.87

Independentemente de asset-based ou overdraft, a essência do princípio da compensação é a mesma. Possíveis alterações na base monetária devido a fluxos de moeda estrangeira são esterilizadas por iniciativa do próprio setor privado, cabendo ao BC apenas um papel acomodacionista, e tendo como resultado uma alteração na composição do seu balanço. A figura 5, abaixo, ilustra as possíveis modificações no balanço do BC no caso de uma entrada líquida de moeda estrangeira.

Figura 5 – Balanço Simplificado do BC no Princípio da Compensação

Ativo Passivo

Reservas Internacionais

Base monetária =

Títulos do Tesouro em carteira

Títulos do BC

Dívidas dos Bancos Comerciais

Compromissadas

Compulsório

Fonte: Elaboração própria

A figura 5 mostra o resultado esperado para o balanço do BC, a partir da perspectiva da compensação, em uma economia que tem uma entrada líquida de moeda estrangeira. Diferentemente do entendimento oferecido pelo modelo Mundell-Fleming, a esterilização das reservas bancárias, que alterariam a base monetária, não depende de uma iniciativa do BC. Na

realidade, o BC atua passivamente acomodando a demanda do setor privado por reservas bancárias ou por ativos que rendam juro (títulos públicos), impedindo desvios para cima ou para baixo da taxa de juro de curto prazo, relativamente à meta estabelecida. Como ilustrado, a base monetária permanece inalterada pela acumulação de reservas internacionais, portanto, não há impacto sobre o mercado interbancário e sobre a taxa de juro de curto prazo (política monetária), ao mesmo tempo em que outros itens do balanço do BC compensam o aumento das reservas internacionais. A figura 5 ilustra as principais possibilidades de compensação, sendo pouco provável que todas elas se verifiquem (ou que sejam possíveis no mesmo BC, devido a diferenças de institucionalidade) simultaneamente.

A literatura empírica sobre o princípio da compensação não é extensa, mas conta com importantes evidências de confirmação do princípio em algumas economias da Ásia, como Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul, Malásia e China (Angrick, 2017, Lavoie e Wang, 2012) e na Europa, como Macedônia (Bozhinovska, 2015). A confirmação empírica se dá pela ausência de cointegração entre a base monetária e o estoque de reservas internacionais. Ainda é possível identificar quais são as contas de compensação procurando identificar cointegração entre as reservas internacionais e os outros itens do balanço do BC.

Lavoie (2001) destacou que o mecanismo da compensação é igualmente válido para economias que apresentam como resultado fluxos líquidos de entrada e de saída de moeda estrangeira. Porém, o último caso implica uma importante limitação que não se constata para o primeiro. Enquanto não há limite para que uma economia acumule reservas internacionais, a saída líquida de moeda estrangeira pode levar à exaustão das reservas internacionais previamente acumuladas. Nessas condições, é possível que a própria autoridade monetária decida elevar a taxa de juro, para tentar atrair fluxo de moeda estrangeira e, principalmente, para elevar o custo de saída. Caso a saída de moeda estrangeira persista, antes que haja uma completa exaustão das reservas internacionais, é provável que o BC recorra a empréstimos no exterior – caso tenha acesso a canais de crédito – ou que, como última alternativa, rompa a paridade cambial (Wray, 2006a, Tcherneva, 2016). Nesse caso, haveria um esgotamento do próprio regime cambial, não um rompimento com a lógica da compensação. Como Lavoie (2001, p. 235) explicou: “[t]he increase in the rate of interest is not the endogenous result of

the capital outflow. Rather, it is an economic and political decision of the central bankers. The central bank does have a choice.”

No documento A macroeconomia do pleno emprego na periferia (páginas 111-114)