• Nenhum resultado encontrado

Hipótese da Instabilidade Financeira e a Hierarquia de Dívidas

1.3 HIPÓTESE DA INSTABILIDADE FINANCEIRA: CASO ESPECÍFICO OU

1.3.3 Hipótese da Instabilidade Financeira e a Hierarquia de Dívidas

Como procuramos apresentar nas duas subseções anteriores, a HIF pode assumir características distintas ao lidar com diferentes tipos de gastos – investimento e consumo – e com diferentes contextos institucionais. Assim, argumentamos que a HIF não possui uma forma definitiva, pois é sempre histórica e institucionalmente determinada, ou seja, o ciclo derivado do endividamento das unidades econômicas privadas não se repete sempre da mesma maneira, pois depende das instituições prevalecentes no período, da política econômica adotada pelo governo, da legislação existente, entre outros fatores. Contudo, a HIF possui uma lógica que se aplica aos diversos cenários, seja de uma expansão liderada pelo investimento ou pelo consumo, e que independe de mudanças institucionais (Dymski e Pollin, 1992).

Para apresentar essa versão mais abstrata da HIF, aplicável a qualquer economia capitalista, é necessário retomar a ideia da hierarquia de dívidas e a distinção entre a liquidez da moeda e a liquidez dos demais ativos financeiros, discutidas nas subseções 1.1.2 e 1.2.1, respectivamente. As dívidas emitidas pelas diferentes unidades econômicas são utilizadas para mobilizar recursos reais, porém, uma marcada hierarquia diferencia quais dívidas possuem maior aceitabilidade (Minsky, 1986, Bell, 2001, Tcherneva, 2016). Na ocasião de financiamento de seus investimentos, as firmas emitem dívida em seus balanços, a qual é recebida como um ativo no balanço do credor, de modo semelhante ao que as famílias fazem para financiar consumo. As dívidas emitidas por essas unidades econômicas, no entanto, estão nas posições mais baixas dentro do espectro da hierarquia de dívidas, pois são as de menor aceitabilidade.

Diferentemente da moeda estatal, cuja liquidez não é dependente da conversibilidade em outros ativos ou mercadorias, as dívidas emitidas pelas firmas e famílias têm a liquidez dependente da rapidez de conversão em moeda estatal sem perda relevante de valor. A liquidez dessas dívidas, então, se altera de acordo com a expectativa de conversibilidade dos credores, que por sua vez é determinada pelas condições econômicas correntes (Wray, 1994).

Conforme a economia passa por um período de estabilidade (expansão econômica), a expectativa de conversibilidade rápida e sem perda de valor das dívidas emitidas por firmas e famílias se torna mais otimista. Assim, os credores têm uma expectativa reduzida sobre a liquidez da qual estão abrindo mão ao aceitarem dívidas de firmas e famílias em seu balanço, e acabam reduzindo a taxa de juro cobrada – reduzindo também sua margem de segurança (Wray, 2010). A própria expansão econômica é alimentada pelo crescimento do endividamento

privado, que é apenas validado por novas decisões de endividamento que ocorrem continuamente. Esse movimento foi observado por Minsky:

Once euphoria sets in, they accept liability structures — their own and those of borrowers — that, in a more sober expectational climate, they would have rejected. Money and Treasury bills become poor assets to hold with the decline in the uncertainty discount on assets whose returns depend upon the performance of the economy. The shift to euphoria increases the willingness of financial institutions to acquire assets by engaging in liquidity-decreasing portfolio transformations (1982, p. 122-123).

As dívidas emitidas que lideram a expansão econômica se acumulam crescentemente nos balanços dos credores, que diante desse cenário, passam a elevar suas próprias margens de segurança (elevando a taxa de juro cobrada pelos empréstimos). Destacamos que não é necessário que a taxa de juro cobrada se eleve para todas as unidades econômicas que procurem financiamento, mas apenas que uma parcela do financiamento não ocorra para que as condições de validação do endividamento passado deixem de se concretizar. Em outras palavras, conforme a viabilidade de novos empréstimos se reduz, tanto para novos gastos quanto para refinanciamento de dívidas passadas, devido ao aumento da margem de segurança do credor para conceder novos empréstimos, as condições de validação do endividamento passado deixam de existir e a fase de expansão pode se encerrar (Keen, 1995).

Interpretada à luz da hierarquia de dívidas, a HIF significa um movimento cíclico em que dívidas na base da hierarquia crescem simultaneamente com o otimismo trazido pela estabilidade econômica e alimentam a expansão que se processa. Posteriormente, devido às próprias condições criadas durante a expansão (acúmulo de dívidas de firmas e famílias no balanço dos credores), a conversibilidade das dívidas próximas à base da hierarquia se torna mais incerta para os credores, que passam a exigir uma margem de segurança maior para a concessão de novos empréstimos. A própria exigência de maiores margens de segurança, em uma situação de predomínio de posições financeiras frágeis, é suficiente para esgotar as condições de validação das dívidas já contratadas. Wray ressaltou essa ideia, ao dizer que:

[…] what happens if something goes wrong nearer the bottom of the pyramid14 […]?

That is indeed what happened in the Global Financial Crisis (GFC). Typically those lower in the pyramid issue IOUs that are convertible on some conditions to bank IOUs, that in turn are convertible to government (central bank reserve) IOUs. When something goes wrong, the nonbanks and shadow banks turn to banks for finance (lending against the nonbank’s IOUs); the banks in turn go to the central bank. But

14 O termo pirâmide é referente à ideia da hierarquia de dívidas. Essa hierarquia é apresentada, usualmente, como

when expectations turn ugly, the banks won’t lend, so the nonbanks cannot make good on promises (2015a, p. 79-80).

Expansão econômica, a partir da dinâmica dos gastos privados pode levar a economia para uma situação de predomínio de posições financeiras frágeis devido à baixa posição hierárquica e consequente necessidade de conversibilidade das dívidas emitidas por firmas e famílias.