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O ELR como Política de Pleno Emprego e Estoque Regulador de Preços

CAPÍTULO 2. A POLÍTICA FISCAL EM ECONOMIAS EMISSORAS DE MOEDA

2.3 POLÍTICA FISCAL E INFLAÇÃO

2.3.1 O ELR como Política de Pleno Emprego e Estoque Regulador de Preços

Vamos retomar as características essenciais do programa ELR, que foram sucintamente apresentadas no primeiro capítulo. Ressaltamos ao leitor, que essas são apenas as características gerais do ELR, sendo suas características específicas definidas de acordo com as instituições, estrutura do mercado de trabalho e forma de organização do Estado. Essas características foram apresentadas em vários trabalhos MMT, como Wray (1998a, 1998b), Mitchell (1998), Mitchell e Wray (2005), Mosler (1998), Tcherneva (2012a), mas não limitados a estes.

1) O ELR é um programa que disponibiliza emprego a todos aqueles que estejam aptos, dispostos e disponíveis a trabalhar, porém, não conseguem emprego no setor privado e/ou setor público tradicional.

2) O governo central é responsável pelo pagamento dos salários e dos custos envolvidos nas atividades do programa, mas não necessariamente pela organização das atividades desenvolvidas pelos contratados no programa.

3) O governo fixa, exogenamente, o salário pelo qual se dispõe a contratar todos os elegíveis ao programa. O governo pode, eventualmente, reajustar o salário conforme acreditar ser adequado, porém, a recomendação é que não haja uma indexação do salário do programa à inflação.

4) O ELR atua residualmente, ou seja, contrata somente aqueles indivíduos que não conseguiram emprego no setor privado e/ou setor público tradicional e permite a saída imediata quando o indivíduo conseguir emprego fora do programa. Dessa forma, o ELR não disputa a força de trabalho com o setor privado, pois contrata apenas aqueles que foram rejeitados.

5) O programa não significa o abandono de políticas de transferência e/ou de assistência social. Todos aqueles não estejam aptos ao trabalho, por qualquer razão, continuariam recebendo assistência governamental. Destacamos que é provável que em decorrência do ELR, políticas de transferência e de assistência seriam menos necessárias.

6) O ELR não é um substituto do Estado de bem-estar. Na realidade, é possível pensar em uma complementariedade entre serviços típicos do Estado de bem-estar e as atividades desenvolvidas pelos participantes do programa. Caso o governo considere o Estado de bem- estar social inadequado (por qualquer razão), o ELR pode continuar existindo de maneira independente, porém, destacamos veementemente que não se trata de políticas excludentes entre si.

A abordagem da MMT, assim como as demais vertentes Pós Keynesianas, entende o desemprego involuntário como resultado de insuficiência de demanda. Entretanto, diferentemente do que foi sugerido por Sawyer (2003, p. 884), o pleno emprego através do ELR não pressupõe incremento da demanda agregada. Mitchell e Wray (2005, p. 239) explica que “ELR can achieve and sustain noninflationary full employment at any level of aggregate

demand.” Esclarecemos que mantidas todas as demais condições constantes (inclusive outros

aumento da demanda agregada. Após o aumento inicial, no entanto, o nível de demanda agregada pode flutuar, mesmo sendo mantido o pleno emprego. Além disso, o governo pode optar por realizar uma redução em seus outros gastos simultaneamente à implementação do ELR, compensando o potencial aumento da demanda agregada. Ressaltamos que esta não é a recomendação dos autores MMT, porém, uma forma possível de condução da política fiscal que impediria um aumento da demanda agregada como resultado do ELR.

O ELR funciona como um estabilizador automático, ampliando ou reduzindo os gastos do governo de maneira inversa ao nível de demanda agregada da economia, suavizando o ciclo econômico. O programa ajustaria residualmente a contratação de trabalhadores, garantindo o pleno emprego dada qualquer variação do nível de demanda agregada. Conforme destacado por Wray (1998a), mesmo com o ELR, a economia continuaria tendo flutuações do nível de atividade econômica, com os gastos do programa suavizando tais flutuações, mas não compensando-as inteiramente.

Em sua crítica, Sawyer57 (2003) utiliza o conceito de NAIRU (ainda que não necessariamente a NAIRU constante, como a neoclássica) para argumentar que o ELR é inflacionário. Ao final do artigo, reconhece que possivelmente o programa não implique inflação mais alta do que aquela verificada no arranjo atual, porém, considera que isso não equivale à estabilidade de preços, ao mesmo tempo em que acusa a MMT de afirmar que o ELR implicaria inflação menor do que o arranjo atual. Uma leitura atenta dos primeiros trabalhos MMT, porém, deixa claro que a principal argumentação é justamente que uma economia com o ELR não seria mais inflacionária que o arranjo atual, como em Wray (1998a, p. 133): “[i]t is

hard to imagine that true full employment with an ELR programme would be more inflationary than the current system.” Há uma divergência entre a MMT, que considera que há atualmente

estabilidade de preços, e Sawyer (2003) que considera que o arranjo atual não confere estabilidade de preços.

Em políticas baseadas na NAIRU, o desemprego involuntário é necessário para estabilizar salários e preços. Diferentemente, no ELR o salário é fixado exogenamente e a quantidade de trabalho contratado flutua de acordo com as decisões de contratação do setor privado e do setor público tradicional (em direção inversa) (Mitchell, 1998). Nessa abordagem, a estabilização dos salários “ancora” o nível de preços, pois são o principal componente de

57 Nos atemos à crítica de Sawyer direcionada ao possível efeito inflacionário do ELR. Não detalhamos sua crítica

sobre o financiamento do programa, generosamente classificada por Mitchell e Wray (2005, p. 235) como “muddled.” Sawyer demonstra amplo desconhecimento sobre a determinação da taxa de juro e financiamento de gastos do governo em uma abordagem de moeda endógena. Seus questionamentos se assemelham à uma visão à la Friedman ao relacionar gastos do governo, quantidade de moeda e inflação.

custo de produção de bens e serviços, que por sua vez determinam o nível de preços. O salário fixado pelo programa estabeleceria a base comparativa para os demais salários da economia, pago aos trabalhadores não-ELR.58

Assim, a estabilidade do salário do ELR torna-se um elemento central na estabilização dos salários do setor não-ELR e, consequentemente, do nível geral de preços da economia. Quanto maior for o conjunto de trabalhadores empregados no ELR, maior a capacidade do salário fixado pelo governo influenciar o salário do setor não-ELR. Uma base menor de contratados no programa, por sua vez, reduz sua capacidade de influenciar o salário dos trabalhadores não-ELR. De certa forma, substitui-se a NAIRU por uma relação entre a quantidade de trabalhadores ELR e o total de trabalhadores. Conforme essa relação se aproxima da unidade, a capacidade de o governo fixar os preços da economia cresce enquanto quando a proporção se aproxima de zero, menor é a capacidade do governo estabilizar os preços. A proporção mínima que garante a estabilidade de preços é a Non-Accelerating Inflation Buffer

Employment Ratio (NAIBER) (Mitchell, 1998).

Consideremos, agora, o caso de uma economia com o ELR em funcionamento e pressão inflacionária oriunda de outras fontes. Como se daria o controle da inflação? O governo continuaria tendo os mesmos instrumentos que possui no arranjo atual para estabilizar os preços. A diferença, nesse caso, é que uma possível desaceleração da atividade econômica em decorrência da política de controle da inflação não resultaria em desemprego involuntário, mas sim, em aumento da proporção entre trabalhadores ELR e trabalhadores não-ELR, o que confere ao programa uma capacidade maior de auxiliar na estabilização dos salários da economia.

Em um primeiro momento da implementação do programa, é esperado que haja um aumento pontual do nível de salários da economia, pois as firmas que remuneram abaixo do salário do programa seriam forçadas a elevar a remuneração dos seus trabalhadores ou teriam sua atividade produtiva inviabilizada pela falta de força de trabalho. As firmas que antes da implementação do programa pagavam salário menor do que aquele oferecido pelo ELR e que optassem por continuar com sua produção, teriam que pagar o salário do ELR adicionado de um prêmio (Wray, 1998b). Esse aumento pontual dos salários deve se refletir em aumento igualmente pontual sobre os preços, o que não configura pressão inflacionária. Conforme sugerido por Mitchell e Wray (2005), o programa poderia ser implementado em fases, procurando diluir esse efeito pontual sobre o nível de preços.

58 A partir daqui, com intuito de abreviação, trabalhadores do setor privado e do setor público tradicional são