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Tornou-se lugar comum a exaltação do potencial democrático da internet, como se os demais meios de comunicação também não o tivessem. O dramaturgo e teórico alemão Bertold Brecht escreveu, entre 1927 e 1932, uma série de análises e sugestões, reunidas sob o título “Teorias do Rádio”, nas quais ele destacava o potencial democrático e interativo do, então, novo veículo de comunicação (BOLAÑO, 2003). Brecht via o rádio como um meio político e educativo, que pode e deve ir além de simplesmente transmitir um fato ou notícia limitada ao relato do acontecimento.

Para fazer do rádio um veículo de comunicação voltado ao interesse público, Brecht sugeriu, entre outras coisas, realizar conferências e entrevistas com especialistas que apresentassem diferentes pontos de vista, ou seja, formas de informar com pluralidade e fomentando o debate (ZUCULOTO, 2005). E ele foi ainda mais além, defendendo uma comunicação circular e não linear, que fosse capaz de abrir canais de participação ativa dos ouvintes.

É preciso transformar o rádio, convertê-lo de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação. O rádio seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, um fantástico sistema de canalização. Isto é, seria se não somente fosse capaz de emitir, como também de receber; portanto, se conseguisse não apenas se fazer escutar pelo ouvinte, mas também pôr-se em comunicação com ele. A radiodifusão deveria, conseqüentemente, afastar-se dos que a abastecem e constituir os radiouvintes como abastecedores (ZUCULOTO apud BRECHT, 2005, p. 8).

Outro autor que concorda com Brecht é Marshall McLuhan (2005). Depois de assumir que a sua “obsessão pelos valores literários” quase o levou a fazer “uma defesa da cultura do livro contra os novos meios”, ele afirmou que a imprensa, o rádio e a televisão tornaram o ambiente urbano “agressivamente pedagógico”. E, mais ainda, ele não acreditava que os meios de massa estivessem predestinados a serem meros canais de entretenimento e diversão.

O grande ponto positivo dos meios de massa destacado por McLuhan é que eles foram capazes de retomar o hábito do discurso oral, inclusive, como método de aprendizado, enfraquecido após o surgimento do livro que teria criado o “estudante solitário”, estabelecendo “o predomínio da interpretação particular sobre o debate público”.

O rádio em particular estimulou o retorno à discussão em grupo seleto e em mesa-redonda. Mas a imprensa e a fotografia auxiliaram também o movimento espontâneo em direção à adoção do seminário e da discussão em aula como processo de aprendizado, à medida que desafiaram o monopólio do livro (MCLUHAN, 2005, p. 148).

Para compreender o potencial democrático dos diferentes meios, vale a pena rever a análise apresentada por José Eisenberg (2003), a partir da lista de atributos feita pelo teórico John B. Thompson. Ele destaca quatro características fundamentais dos meios técnicos: 1. Fixação; 2. Reprodução; 3. Distanciamento espaço-temporal; 4. Competências cognitivas.

O primeiro atributo, o da fixação, permite que mensagens superem a efemeridade ao produzir registros que substituem a memória. Por ser um elemento de poder do ponto de vista estratégico da comunicação, quanto mais socialmente difundido for o meio técnico de fixação, maior o seu potencial democrático. O mesmo ocorre com o segundo atributo, o da reprodução, ou seja, da capacidade de produzir cópias de uma mensagem. Se somente o emissor possui o controle sobre a reprodução, ele detém o elemento de poder decidindo, inclusive, quem terá acesso à mensagem e quem não terá. Por outro lado, se o receptor também puder reproduzir a mensagem, interferindo no nível de disseminação da informação, maior potencial democrático terá o meio.

O terceiro atributo é o distanciamento espaço-temporal ocasionado pelo meio técnico, que também está relacionado e pode ser medido pelo grau de fixação e reprodução, ou seja, o quão distante a mensagem pode ser deslocada e em quantos diferentes momentos a mensagem pode ser recebida. Sendo assim, quanto maior o distanciamento espacial e temporal, maior potencial democrático tem o meio. Por fim, o quarto e último atributo apontado por Thompson diz respeito às diferentes capacidades cognitivas que cada meio requer dos receptores. A comunicação oral e a comunicação escrita, por exemplo, exigem diferentes capacidades (ouvir e ler, respectivamente), sendo que a primeira é mais inclusiva.

Eisenberg (2003) concluiu que “é impossível julgar a politicidade delas (das diferentes mídias) com chaves binárias progressista ou conservadora”, pois “todas contêm ambigüidades do ponto de vista de seu impacto democratizante”. Assim, a imprensa tem maior controle sobre a reprodução, pequeno distanciamento espaço- temporal, é excludente do ponto de vista cognitivo, pois exige leitura, mas, por outro lado, tem alta fixação. O rádio e a televisão, por sua vez, são mais inclusivos com

relação às capacidades cognitivas, grande distanciamento espaço-temporal e grande capacidade de reprodução, mas, no quesito fixação, são meios fracos. Já a internet é forte nos atributos fixação, reprodução e distanciamento espaço-temporal, mas é altamente excludente devido às suas exigências cognitivas.

Portanto, do ponto de vista técnico, os meios de comunicação de massa possuem, assim como a internet, ainda que em diferentes graus, potencial democrático. Sendo assim, o problema não reside nos meios, mas do modo como eles são utilizados, como destaca José Eisenberg:

Essa análise da relação entre a técnica e a política dos meios de comunicação ficaria incompleta, no entanto, se não introduzíssemos também o fato de a política no mundo contemporâneo ser, antes de tudo, um conjunto de interações sociais mediadas por instituições responsáveis pela produção e difusão da informação que é considerada pública. Em outras palavras, a mídia não é meramente uma técnica constituinte de um setor do mercado capitalista, ela é um conjunto de agentes político- estratégicos responsáveis pela produção e difusão de informação (EISENBERG, 2003, p. 503).

Aliás, no início do século passado, o próprio Brecht fez um alerta com relação ao rádio que vale para os demais meios de comunicação. Ele afirmou que apesar do enorme potencial democrático, o rádio estava “limitado às condições objetivas de sua existência numa sociedade que não admite a efetivação com todas as suas conseqüências desse potencial” (BOLAÑO, 2003, p. 17).

Portanto, não apenas a internet, mas todos os meios de comunicação devem ser utilizados pelos grupos contra-hegemônicos em suas campanhas de modo a explorar os seus potenciais pedagógicos e democráticos, pois todos os têm ainda que em níveis diferentes. E mais, promover uma comunicação política preocupada com o debate público e com a democracia faz parte do compromisso pedagógico dos grupos contra-hegemônicos, afinal, para se construir uma democracia sólida, estável e ativa é preciso empregar meios igualmente democráticos.

Vale destacar, ainda, que as características técnicas por si só não tornam o potencial da internet imune ao mercado, nem garantem que não acontecerá com a rede o mesmo processo de comercialização que destruiu o potencial democrático da imprensa, do rádio e da TV. Em 1998, a professora Olga Guedes (1998, p. 22) já alertava sobre o processo de comercialização na internet ao afirmar que “a discussão das indústrias que lidam com novas tecnologias gira mais em torno dos lucros a serem obtidos, do que com preocupações com a liberdade humana”.

Na verdade, este processo de comercialização já começou e está sendo disputado. De um lado, estão empresas e governos interessados em controlar, monitorar e cobrar; do outro, estão grupos de ativistas a favor da liberdade na rede. Na arena da disputa política e eleitoral mais especificamente, a comercialização da internet se dá, justamente, através da utilização das ferramentas online sob a lógica do marketing, que busca forjar relações e esvaziar as possibilidades de diálogo e debate público.

Depois de vermos com base neste levantamento bibliográfico que o marketing preocupa-se mais com a emoção que com o argumento; possui uma lógica intrínseca que também é própria do mercado capaz de anular o potencial democrático dos meios de comunicação, vejamos algumas considerações sobre o conceito de marketing contra-hegemônico.