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Com base nas reflexões desenvolvidas até aqui, chegamos, finalmente, ao conceito de marketing contra-hegemônico defendido pelo professor e pesquisador Jorge Almeida. De acordo com ele:

falar em marketing de contra-hegemonia significa falar em estratégias de alteração de cenários e de CRPs [Cenários de Representação Política] com vistas a uma alteração na correlação de forças na superestrutura e na estrutura, na sociedade e no Estado, portanto em consonância com os objetivos estratégicos (a missão) contra-hegemônicos mais gerais, amplos e globais, que incidam sobre o conjunto da articulação hegemônica (ou seja, o Bloco de Poder) e contribuam para a transformação social e política (ALMEIDA, 2002, p. 240).

E prossegue:

falar em marketing de contra-hegemonia significa pensar em usar as técnicas de marketing (como as de pesquisa, planejamento estratégico, administração de demanda, publicidade, além da contratação de especialistas) num processo permanente de acúmulo de forças, fora ou dentro dos governos, dentro e fora da mídia, visando a resultados eleitorais vitoriosos e à transformação social... (ALMEIDA, 2002, p. 242).

Acreditamos que marketing e contra-hegemonia se contradizem por uma séria de fatores, alguns já mencionados no decorrer deste capítulo, tais como:

1. Como vimos, os meios de comunicação possuem, por um lado, limitações técnicas e, por outro, potencial democrático e pedagógico, ainda que em diferentes níveis. Portanto, os meios de comunicação são o que é feito deles. Eles podem tanto ser utilizados para vender produtos, como para informar de forma plural e alimentar o debate público. Sendo assim, a depender da forma como os meios de comunicação são utilizados e geridos em uma sociedade, eles podem ser guiados pela lógica instrumental ou pela lógica da razão comunicativa, para utilizar os conceitos habermasianos.

O marketing, ao contrário, promove um tipo de comunicação orientada pela razão instrumental, pois busca o êxito e a eficácia para alcançar um determinado fim. Portanto, a lógica do marketing é a mesma do sistema (Habermas), que é orientado pela razão instrumental, ou seja, estrutura-se no uso não comunicativo do saber em ações dirigidas a fins.

As estratégias utilizadas pelo marketing são essencialmente baseadas em elementos emocionais para persuadir e não se preocupam com a veracidade ao elaborar os seus discursos. Aceitar que é possível fazer um “marketing contra- hegemônico” é o mesmo que afirmar que o marketing é “neutro” no sentido de poder ser aplicado sob diferentes lógicas e pontos-de-vista. Obviamente, é possível construir uma comunicação pautada na transparência e no fortalecimento do debate público, mas este não é o objetivo central de campanhas e ações de marketing.

2. A disputa contra-hegemônica se dá através do diálogo com a sociedade dentro de esferas públicas ativas, e não por meio de campanhas de marketing. Tal como afirma Gramsci, é necessário antes conquistar a direção moral na sociedade civil para depois conquistar, legitimamente, o poder do Estado.

Apesar de serem dois autores de tradições diferentes (sendo marxista, Gramsci é descritivo, enquanto Habermas é normativo), tanto em Gramsci como em Habermas, a racionalidade tem importância central em suas teorias. Para o primeiro, é através do debate e da troca de argumentos que é possível conquistar mentes e mudar as visões de mundo hegemônicas na sociedade; enquanto para o segundo, o elemento argumentativo é fundamental para o funcionamento da esfera pública.

Portanto, as ações dos grupos e partidos contra-hegemônicos devem ser orientadas pela razão comunicativa, promovendo o diálogo em busca do entendimento para solucionar problemas comuns, seja dentro do próprio grupo ou

partido, seja entre estes e a sociedade. E que fique claro que a busca pelo entendimento não implica em negociações e concessões. (SAFATLE, 2012)

3. Promover uma comunicação argumentativa, transparente e orientada para o entendimento faz parte do compromisso pedagógico dos grupos e partidos contra- hegemônicos. Ou seja, a comunicação neste caso deve ser vista como algo mais amplo, como parte de um longo processo que visa “conquistar mentes”, ou seja, transformar a cultura hegemônica, além de promover o aprendizado da democracia.

Conviver com as diferentes opiniões, sabendo respeitar e ouvir o outro através de um diálogo transparente é algo que precisa ser vivenciado, experimentado nos mais diversos espaços na sociedade. Portanto, trata-se de um processo de aprendizagem e mudança de valores, que deve ser estimulado e promovido pelos grupos e partidos de esquerda.

4. Acreditamos que o marketing faz parte do processo de colonização do sistema e sua lógica instrumental sobre os partidos que, conforme a teoria de Habermas, são organizações que deveriam fazer parte do mundo da vida. Um exemplo disto foi o processo de “domesticação” pelo qual passou o PT desde a primeira candidatura de Lula à Presidência da República, em 1989, até 2002, quando ele finalmente foi eleito.

A campanha do PT em 89, durante o primeiro turno da eleição, construiu um programa eleitoral para a televisão que parodiava a programação da maior e mais poderosa rede de telecomunicações do país, a Rede Globo. A “Rede Povo” criada pela campanha petista era uma TV que, conforme explica Paulo de Tarso (coordenador da campanha) no documentário “Arquitetos do Poder”, queria mostrar os problemas e questões do país sob a visão do povo brasileiro. “Tomei a decisão de radicalizar um pouco a linguagem”, diz Tarso, para fazer uma televisão esteticamente idêntica a que era feita no Brasil, copiando, inclusive, toda a padronização da TV Globo. Dentre os programas da “Rede Povo” estavam “Povo de Ouro”, “Povo Repórter”, dentre outros. “A gente brincava dizendo que se é para escolher um adversário vamos escolher logo o principal que era a TV Globo”, declarou Tarso.

Portanto, em 1989, a campanha petista começou fazendo um forte enfrentamento à rede de comunicação que representa os interesses das elites políticas e econômicas do país. Mas, já no segundo turno da eleição, a campanha optou por amenizar o tom e passou a apresentar uma versão engravatada de Lula.

De 89 a 2002, este processo de “colonização” só se aprofundou não apenas no discurso das campanhas, mas também nas posições e relações políticas. Em 2002, o PT venceu e Lula chegou à presidência, mas, para isso, o partido aderiu ao projeto hegemônico colocado.

Portanto, quando a prioridade é invertida e ganhar a eleição passa a ser mais importante que disputar a sociedade, rapidamente, o marketing é aceito e utilizado sem constrangimentos como parte de um processo chamado por Habermas de “colonização” que nada mais é do que a contra-hegemonia sendo vencida pela hegemonia, ou o mundo da vida sendo vencido pelo sistema.

5. Não acreditamos que seja possível a contra-hegemonia utilizar as técnicas do marketing em um processo de acúmulo de forças como afirma o cientista político Jorge Almeida. Acreditamos sim que é possível utilizar as ferramentas dos meios de comunicação sob uma lógica completamente diferente da do marketing, para construir uma comunicação pautada na transparência, pluralidade e no diálogo.

Capítulo 3:

A INTERNET E AS REDES SOCIAIS

Neste capítulo, trataremos mais especificamente das implicações entre o campo da política e a internet: as expectativas trazidas pelo novo ambiente comunicacional; as promessas de revitalização da esfera pública; o uso que tem sido feito das ferramentas online pela classe política; as características do caso de sucesso da campanha de Barack Obama; e, finalmente, uma apresentação da ferramenta analisada neste estudo, o Twitter.