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Para entender o surgimento do Partido Socialismo e Liberdade é necessário fazer, antes, uma incursão sobre a origem e os governos do Partido dos Trabalhadores (PT). O PT surgiu em 1980 sustentado pelos operários grevistas do ABC paulista, em um momento de grande efervescência da sociedade civil, e assumindo um programa de luta identificado num campo de esquerda, democrático e popular, de caráter anticapitalista, anti-imperialista, antilatifundiário e antimonopolista (ALMEIDA, 2008).

Mas quando o partido conquistou a Presidência da República, em 2002, depois de estabelecer amplas alianças e concessões em nome da governabilidade, simplesmente deu seguimento à política econômica neoliberal já em curso, promovendo o ajuste fiscal e cortando os gastos estatais. Somente na primeira gestão do Governo Lula ficou claro para a maioria da população a transformação pela qual o partido já vinha passando, pelo menos, desde as eleições de 1994 (COUTINHO, 2006).

Na verdade, o PT é desde a sua fundação um partido de tendências, que abarca grupos com posicionamentos bastante diferentes. Internamente, algumas tendências, como a Unidade na Luta, representavam a “direita petista”, enquanto outras como a Democracia Socialista e a extinta Força Socialista representavam a “esquerda petista”.

Além de uma política econômica de caráter continuísta, o Governo Lula e o PT passaram a lançar mão de práticas da direita, montando uma rede de corrupção que se tornou pública, no segundo semestre de 2005, com o escândalo do chamado “mensalão”9. Vale destacar que o esquema realizado pelo PT foi bastante semelhante a esquemas de governos tucanos10 e democratas11, que não tiveram a mesma repercussão na imprensa, o que revela uma falta de confiança da grande e conservadora imprensa brasileira (BIROLI; e MANTOVANI, 2013). Ou seja, apesar do processo de domesticação pelo qual passou o PT e dos seus acordos com as elites econômicas e políticas, estas não se sentem representadas pelos petistas. As elites deixam claro que a relação delas com o PT se dá do ponto de vista “administrativo”, com o intuito de manter os seus privilégios e interesses até o momento que for necessário.

Os governos Lula e Dilma também surpreendem com a intensificação do dirigismo estatal do desenvolvimentismo, realizado de uma forma muito particular, através de estratégias de gestão da desigualdade e da diferença, típicas da crise da social-democracia e do Estado-Providência (SANTOS, 2008). De acordo com ensaios recentes de Santos, podemos localizar o Brasil dentro do fenômeno que ele chama de desestatização do Estado nacional:

Consiste numa nova articulação entre regulação estatal e não estatal, entre o público e o privado, uma nova divisão do trabalho regulatório entre o Estado, o mercado e a comunidade. Isto ocorre, tanto no domínio das políticas econômicas, como sobretudo no domínio das políticas sociais, pela transformação da providência estatal (segurança social e saúde, etc.) em providência residual e minimalista a que se juntam, sob diferentes formas de complementariedade, outras formas de providência societal, de serviços sociais produzidos no mercado – a proteção contratada no mercado – ou no chamado terceiro setor, privado, mas não lucrativo, a proteção relacional comunitária. (t) Uma forma de regulação mais interdependente, menos hierárquica e mais descentralizada, mas também menos distributiva e mais precária (SANTOS, 2008, p. 289 e 290).

Em seu primeiro mandato, Lula contava com uma bancada minoritária formada pelo PT, PSB, PCB, PCdoB e PL, e para ampliá-la, fez alianças com

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Esquema ilegal de financiamento político organizado pelo PT para corromper parlamentares e garantir apoio ao governo Lula no Congresso, em 2003 e 2004.

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O “valerioduto tucano” foi um esquema de financiamento irregular - com recursos públicos e doações privadas ilegais - à campanha à reeleição, em 1998, do então governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB), articulado por Marcos Valério.

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O ‘mensalão do DEM” foi o escândalo de corrupção desmascarado em novembro de 2009 pela Polícia Federal, envolvendo diversos membros do Democratas, inclusive, José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal na época.

partidos situados mais à direita, como o PP, PTB e PMDB. Já em seu segundo mandato, ele contou com apoio de uma coalizão de doze partidos (PT, PMDB, PRB, PCdoB, PSB, PP, PR, PTB, PV, PDT, PSC e PAN).

Diante deste quadro, a oposição ao governo petista ficou restrita, de um lado, ao PSDB, PFL (atual DEM) e PPS no espectro da direita e, à esquerda, o PSTU, PCB, PCO e o recém-criado PSOL, partidos pequenos, de pouca inserção social e fraca expressividade. Ou seja, uma oposição dividida e isolada, situação, aliás, comemorada pelo PT, como se a ausência de oposição fosse um fato positivo. Para o PT e seus planos de se perpetuar no poder, pode ser, mas não para a democracia. A mudança de rumos do PT fortaleceu as ideias disseminadas na sociedade por setores conservadores de que há um “esgotamento do pensamento de esquerda”; de que “a divisão esquerda/direita não faz mais sentido”; de que “a imersão na pior política é uma fatalidade intransponível”; de que “não há mais nada a esperar da política, a não ser discussões sobre a melhor maneira de administrar o modelo socioeconômico hegemônico” (SAFATLE, 2012, p. 14). Por conta da desmoralização imposta pelo PT, Carlos Nelson Coutinho (2006, p. 161) afirmou que “o PT e o governo Lula talvez tenham feito mais mal à esquerda brasileira do que a ditadura militar”.

Se por um lado, os governos petistas implementavam políticas que interessavam diretamente as elites econômicas, por outro lado, eles colocaram as questões sociais em pauta, ampliando e dando grande visibilidade a projetos sociais, como nenhum outro governo havia feito até então. No entanto, o tipo de política social por eles praticado é focalista, ou seja, busca administrar a desigualdade e a exclusão, mantendo-as dentro de limites funcionais. Trata-se de uma política social de natureza mercantil, que concebe a redução da pobreza como um ‘bom negócio’ e que transforma o cidadão portador de direitos e deveres sociais em consumidor, através da transferência direta de renda (DRUCK; FILGUEIRAS, 2006, p. 29). Ou seja, os projetos sociais são pensados, primeiro, como forma de aquecer a economia interna, e a inclusão social é resolvida através do consumo.

Uma política social que, pela sua própria origem e natureza, busca se implementar e se tornar hegemônica a partir da negação dos direitos e das políticas sociais universais, através de um discurso que ataca diretamente a seguridade e a assistência social públicas – aposentadorias, pensões, seguro desemprego, etc. – bem como a universidade pública e as políticas de subsídios ao consumo de bens básicos, como no caso da energia elétrica. Uma política social que divide, canhestramente, os trabalhadores

em categorias do tipo: miseráveis, mais pobres, pobres, não pobres e privilegiados – estes últimos identificados como aqueles que têm acesso à seguridade social incompleta e limitada (DRUCK & FILGUEIRAS, 2007, p. 26 e 27).

Outro golpe desferido contra a esquerda brasileira foi o processo de cooptação dos movimentos sociais levado a cabo pelo PT e seus governos. Ao invés de respeitar-lhes a autonomia, os petistas abriram espaço para os movimentos sociais no interior do próprio governo, tirando-os das ruas, colocando-os dentro de instituições estatais e transformando-os em colaboradores do governo. Um exemplo disto foi a nomeação do presidente da CUT – Central Única dos Trabalhadores para o Ministério do Trabalho (COUTINHO, 2006; ALMEIDA, 2008; TOLEDO, 2007).