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3 REDEMOCRATIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO: A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ATÉ OS DIAS ATUAIS

3.1 Democracia e Participação no Capitalismo

Antes de iniciarmos a discussão é de suma importância levarmos em consideração que no contexto atual de neodesenvolvimentismo presenciamos um constante embate quando o assunto remete-se à democracia e participação social nas instâncias participativas, dentre elas os conselhos gestores de políticas públicas54.

Nesse sentido, tem chamado a atenção para a discussão em torno da ausência dos atores sociais nesses processos democráticos que consequentemente os exclui dos processos decisórios e, ao mesmo tempo, legitima o governo em prol de interesses particulares de determinados grupos específicos. Essa discussão vem nos revelando cotidianamente que o bem comum na sociedade moderna consiste na soma dos interesses pessoais, que vem se sobrepondo aos interesses coletivos.

Com isso, entendemos que refletir sobre democracia e participação social na contemporaneidade é indispensável numa sociedade com diferentes grupos e projetos societários distintos e até antagônicos, para que diante da pluralidade de interesses e valores a serem negociados nos processos decisórios das instâncias democráticas, as questões de âmbito público respeitem a diversidade cultural, social, econômica entre os sujeitos55, de modo a atender os interesses do coletivo (SEMERARO,1999).

Desse modo, para a realização desse debate acerca da democracia e participação social iremos analisarmos as perspectivas dos autores clássicos que abordam essas categorias, tais como: Rosseau, Bobbio, Touraine, bem como as perspectivas de autores críticos - que se baseiam em Marx, tais como: Gramsci, Wood, Dias, Neves, dentre outros - as quais serão utilizadas como fundamento desse trabalho - pois partimos do pressuposto que esses autores trabalham essas categorias a partir de uma reflexão crítica, além de abrangê-la em sua totalidade e complexidade.

54Nessa direção, Faria (2001, p.70) concorda com Avritzer e Santos (2002) que “o século XX foi um século

de intensa disputa em torno da questão democrática”.

55 Segundo Silva (2008, p.25) “o individuo efetua sua passagem para sujeito quando se põe como ator e

criador de sua vida, como capaz de interferir e transformar seu meio e de combinar razão instrumental e imaginação criadora, rompendo com a sobreposição de uma e outra”. Para aprofundar a discussão em torno do indivíduo, ator e sujeito. Ver Alain Touraine – Crítica da Modernidade (1994).

Rousseau – em sua obra Contrato Social - nos traz elementos para refletirmos sobre a democracia, visto que a manutenção da propriedade privada – objetivo do contrato social - é considerada por esse autor - obstáculo ao próprio desenvolvimento da democracia.

Com base nesse pensamento, Rousseau vai além nessa discussão, acerca da democracia, ao abordar a vontade individual (o interesse particular) e a vontade geral (bem comum) – elementos esses que permanecem em constante tensão nos processos e espaços caracterizados como participativos e democráticos, e que vem sendo alvo das discussões acadêmicas atuais. Visto que, essa tensão - entre os interesses particulares e coletivos - é constantemente presente nas relações de poder56 estabelecidas em muitas instâncias consideradas democráticas, como: conselhos, fóruns, dentre outros.

Nesse sentido, concordamos com Correia (2005, p.36) quando a mesma ressalta que um outro elemento trabalhado por Rousseau acerca da democracia é “a garantia do interesse público sobre o interesse privado nos negócios públicos para evitar-se a corrupção”. Dessa forma, Rousseau afirma que: “Nada mais perigoso que a influência dos interesses privados nos negócios públicos; o abuso da lei pelo governo é mal menor que do que a corrupção do legislador, conseqüência infalível dos desígnios particulares” (ROUSSEAU, 1978, p.84).

Portanto, em toda sua obra – Contrato Social – o autor perpassa a ideia do poder como algo pertencente ao povo e que deve estar sob o controle do povo, além de mostrar à tensa e conflituosa relação que ocorre entre o interesse particular (privado) e o interesse coletivo (público) presente nos processos democráticos, revelando que esses processos apesar das suas características democráticas trazem consigo contradições e limitações. Assim, alguns autores, a exemplo Monteiro (1987) afirma que o pensamento defendido por Rosseau é democrático, visto que o mesmo atribui a soberania do Estado a partir da vontade do povo, ou seja a soberania popular, onde o povo é o soberano e representa a vontade geral (interesse do coletivo). Logo, concordamos com Correia

56 No que diz respeito às relações de poder, Faria (2001, p.72) afirma: “o poder é uma capacidade coletiva

e, como tal, deve ser adquirido, desenvolvido e mantido, inserindo-se os indivíduos em suas relações a partir de funções que desempenham no âmbito coletivo, de forma orgânica ou não, podendo influir, coordenar, liderar, representar, organizar e conferir legitimidade. Sendo assim, as relações de poder não são apenas resultado de práticas racionais conscientes voltadas ao interesse coletivo”. Desse modo, Faria se apoia nas análises de Tragtenberg, o qual “explicita-se com clareza tanto como o exercício da democracia supõe responsabilidade política, quanto como, no cumprimento das suas atribuições, deve-se garantir a função social do universal e do particular acima de quaisquer interesses específicos” (Faria, 2001, p.73). Com isso, Telles (1987) afirma que é a partir das relações de poder que é construída uma noção de participação, ação e decisão coletiva que articula sentido político e pode constituir-se em força coletiva frente ao Estado.

quando a mesma ressalta que “[...] na perspectiva de Rosseau, o povo controla o Estado, já que esse é expressão da vontade geral. O controle social é o povo sobre o Estado para a garantia da soberania popular” (CORREIA, 2005, p.38). Portanto, em Rousseau, o que existe é “o controle total do povo – enquanto vontade geral – sobre o Estado, ou seja, o limite do poder do Estado está na sua essência de representar a vontade geral” (CORREIA, 2005, p. 38).

Já para Bobbio (2000, p.7) a democracia57 é “uma das formas de governo em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou da maior parte”. Esse autor ainda nos leva a pensarmos, acerca da democracia, que: “[...] a atuação da sociedade civil só se dá pela descentralização do poder e das atividades políticas, fato que promoveria a participação popular e daria maior transparência das ações políticas à população” (BOBBIO, 1982, p.36).

Esse pensamento de Bobbio em torno de como se define, bem como se promove a democracia, através da participação dos sujeitos nas ações de ordem política, nos revela que à medida que entendemos participação social como meio de expressão e visibilidade das demandas sociais, através do exercício dos direitos pelos cidadãos, percebemos sua intrínseca relação com a democracia.

A partir dessa ótica, Bobbio nos leva a refletir que a democracia é contraria a todas as formas de governo autocrático, dessa forma, para que essa se efetive é de suma importância que os cidadãos participem das instâncias consideradas democráticas em prol da efetivação dos seus direitos. A partir disso, esse autor acrescenta que, também, faz parte do processo democrático, que o sujeito escolhido para representar e defender os interesses coletivos de determinada categoria seja eleito pela vontade da maioria e autorizado dentro de um conjunto de regras e procedimentos para tomar as decisões coletivas de forma democrática. Logo, partindo dessas análises de Bobbio, podemos afirmar que democracia e participação social são intrínsecas e necessárias nos espaços caracterizados como democráticos para que se faça prevalecer os interesses do coletivo.

Nessa direção política democrática, Bobbio deixa claro que, o povo tem o poder de escolher o seu representante através do voto. Para isso, faz-se necessário a garantia dos

57De acordo com esse autor, a democracia tem origem no grego demokratía que é composta por demos (que

significa povo) e kratos (que significa poder). Ver Bobbio, Norberto et.al. Dicionário de Política. pp .319- 329.

direitos de liberdade, de opinião, dentre outros que divergem da doutrina liberal58. Nesses termos, Bobbio (2000, p. 30-31) alega:

Todo o grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas até as decisões de grupos são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isso, para que uma decisão seja tomada como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos.

Esse pensamento de Bobbio acerca da democracia nos mostra a relevância dos indivíduos, dentro das instâncias participativas, possuírem o poder de decisão de escolher quem os represente. O autor ainda ressalta que a consolidação da democracia se deu de maneiras diversas, e que o seu desenvolvimento diz respeito à qualidade dos espaços nos quais os cidadãos podem exercer o seu direito, e não pelo quantitativo de pessoas que tem o direito de participar das decisões que lhe dizem respeito. Com isso, Bobbio (2000, p.46) assevera que “a democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo”.

A partir dessa perspectiva defendida por Bobbio (2000, p.37), o mesmo ressalta que “é muito difícil encontrar representantes que não sobreponha os seus interesses particulares aos coletivos59”. Esse autor ainda elenca que, ao tratar-se de democracia - o cidadão independente do seu grau de instrução tem o direito de participar da tomada de decisões que se fazem presente nas instâncias democráticas, que por sua vez possam interferir na sua vida como um todo (social, econômica, política, dentre outras dimensões da vida social). Nessa direção, Silva (2008, p.29) menciona que “a força principal da

58 Segundo Bobbio (2000, p.7) em sua obra - Liberalismo e Democracia - podemos compreender que o

liberalismo “é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções, e que se contrapõe ao Estado absoluto quanto ao Estado que denominamos social”. Desse modo, a noção corrente a essa doutrina é que sem individualismo não há liberalismo. Nesse sentido, Mondaini (2011, p.249) menciona que é preciso compreendermos que “ liberalismo e democracia não são interdependentes: um Estado liberal não é necessariamente democrático e um governo democrático não dá vida obrigatoriamente a um Estado liberal. Isto porque, enquanto o ideal do primeiro é limitar o poder, o do segundo é distribuir o poder”.

59De acordo com Dagnino e Tatagiba (2007, p.16) “O autor Faria chama atenção para as formas de relação,

combinação e tensão entre os mecanismos participativos e os sistemas representativos colocados em curso nessas novas experiências: É possível afirmar, portanto, que as dimensões participativas e públicas valorizadas por este experimento [...] ampliaram o debate e o controle entre e dentro de poderes constituídos neste estado [...]. Se, de fato, elas não respondem a todos os problemas colocados á operacionalização da prática deliberativa em contextos complexos, eles remodelam esta discussão ao apresentarem espaços adicionais e regulares de participação”.

democracia está na vontade dos indivíduos agirem como sujeitos, com responsabilidade na vida pública”.

Pois, não podemos afirmar que existe democracia:

se as classes dominantes não consentem em abrir a via da participação do poder às classes chamadas inferiores a não ser sobre a base de uma adesão destas mesmas classes aos princípios que regem o sistema social, que disciplinam a ordem constituída, onde justamente foi escrito que a democracia vive quando há consenso quase universal em torno dos princípios fundamentais do sistema e exista dissenso somente quanto à particularidades, o que impede que o próprio sistema seja colocado em questão a cada eleição. Ou seja, a democracia pressupõe um tecido social em larga medida homogêneo e a aceitação de uma única tábua de valores fundamentais (BASSO, 1976, p.12-13).

Com isso, Bobbio acrescenta que para existir a democracia o consenso da maioria também é crucial, que por sua vez implica com uma minoria que diverge60. Nesses termos, Bobbio (2000, p. 74-75) levanta diversos questionamentos, tais como:

[...] que valor tem o consenso onde o dissenso é proibido? onde não existe opção entre consenso e dissenso, onde o consenso é obrigatório e até mesmo premiado, e onde o dissenso não apenas é proibido mas também é punido? é ainda consenso ou é pura e simples aceitação passiva do comando do mais forte? se o consenso não é livre, que diferença existe entre o consenso e a obediência ao superior tal qual prescrita por todos os ordenamentos hierárquicos?

Em torno dessa discussão elencada por Bobbio sobre o consenso como elemento crucial da democracia, alguns autores divergem dessa opinião, tomamos como exemplo o autor clássico Touraine, visto que o mesmo, de acordo com Silva (2008, p. 27):

não estabelece a participação e a produção do consenso como elementos que definem a democracia [...] notadamente, formas de participação e mecanismos para a geração de consenso podem ser encontradas em várias sociedades, o que não significa que haja respeito à diversidade e liberdade.

Nessa direção, entendemos que para Touraine a participação e o consenso da vontade da maioria reflete apenas uma parcela da sociedade e que, no entanto a vontade da minoria não desaparece quando o poder e a vontade da maioria se instalam. A partir disso, concordamos com Touraine (1996, p. 95) que:

60 Segundo Mondaini (2011, p.251) Bobbio ao abordar a questão democrática “partiu da premissa de que o

permanente estado de transformação é o que marca a democracia – a democracia é dinâmica e o despotismo é estático -, porque ela não se funda apenas no consenso nem tampouco no dissenso, mas na simultânea presença do consenso e do dissenso”.

Democracia não é compatível com a rejeição das minorias nem tampouco com a rejeição da maioria pelas minorias e com a afirmação de contraculturas e sociedades alternativas que já não se definem pela sua posição conflitante, mas pela sua rejeição dessa sociedade considerada como o discurso da dominação.

Com isso, Touraine (1996, p.94) afirma que “é desejável que as minorias sejam reconhecidas em uma sociedade democrática, com a condição de que reconheçam a lei da maioria e não sejam absorvidas pela afirmação e defesa de sua identidade61”. Desse modo, para Touraine (1996, p.24) é posto como desafio a democracia “defender e produzir a diversidade em uma cultura de massa.” No entanto, para superar esse desafio entendemos que “a presença efetiva dos sujeitos individuais e coletivos nos diferentes níveis decisórios torna-se indispensável para a consolidação do espaço público democrático” (SILVA, 2008, p.32).

A partir disso, compreendemos - outro elemento considerado crucial - para a existência da Democracia, quando Silva afirma que “os atores políticos devem representar os interesses sociais e não os seus próprios” (SILVA, 2008, p.30). Sendo assim, uma das dimensões que Touraine (1996) associa a Democracia é o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais, a partir da consciência da cidadania, a qual se vincula a ideia de pertencimento a uma coletividade baseada no direito. Assim como Silva, entendemos que o autor Touraine “não nega propriamente a participação como um componente da democracia [...], mas o que se depreende é que ele reivindica um dado conteúdo para a participação, sem o qual esta não passaria de um mero procedimento ou de uma regra formal” (SILVA, 2008, p.27).

Outro elemento destacado por Touraine acerca da Democracia é a representação dos sujeitos, que para o autor “é um mecanismo legitimo de canalização dos interesses e demandas da sociedade civil para a sociedade política e desta para o Estado, desde que mantidas relações permanentes de proximidade, de agregação e de prestação de contas” (SILVA, 2008, p. 29). Assim, de acordo com Silva, podemos afirmar que segundo a perspectiva de Touraine “estamos vivendo uma crise da representação política, expressa pela discrepância entre os representantes, que monopolizam informações e decisões, e os representados que, excluídos da participação política, têm o direito à autodeterminação

61Benevides (1994, p.12) concorda com a perspectiva de Touraine (1996) quando afirma que por

democracia entende-se “como o regime político baseado na soberania popular, com respeito à regra da maioria, porém com pleno reconhecimento dos direitos das minorias e, portanto, respeito integral aos direitos humanos”.

suprimida e a capacidade de cuidar de seus interesses postos em risco” (SILVA, 2008, p. 29).

Desse modo, a partir dessa discussão, podemos afirmar que para os autores (BOBBIO e TOURAINE) a democracia é um regime político que defende a liberdade, a maior diversidade possível, bem como os interesses sociais do coletivo. No entanto, Bobbio ressalta a participação e o consenso como elementos que definem a democracia. Já Touraine discorda de Bobbio nesse aspecto, ao mencionar que a efetivação da participação bem como a produção de consenso nos espaços de gestão democrática, como, por exemplo, nos conselhos - necessariamente não garante ou significa que exista um respeito à liberdade e a diversidade.

A partir disso, compreendemos que, quando nos referimos à democracia e participação social é necessário entendermos o que os autores clássicos salientam em torno da temática, visto que, é de suma relevância para analisarmos essas categorias nos seus termos gerais. No entanto, acreditamos que quando tratamos desse assunto levando em consideração a sociedade capitalista e o modelo econômico atual que a rege (Neodesenvolvimentismo) - democracia e participação social - ultrapassam e vão além do que os autores clássicos elencam nas suas discussões em torno dessas categorias. Dessa forma, concordamos com Silva (2008, p. 22) que:

no imaginário popular, a democracia, via de regra está associada à presença de eleição de governantes ou de representantes. Isso por si só não expressa seu conteúdo e requer irmos além desse procedimento formal que é inerente a democracia.

Com isso, pretendemos “levar a ideia de participação para além do voto eleitoral periódico, buscando encontrar espaços, institucionalizados ou não, de participação política, além da busca por um maior controle das decisões estatais” (PEREIRA, 2007, p.426). Assim, iremos nesse momento discutirmos e adotarmos como fundamento desse trabalho os autores que se baseiam em Marx, a fim de analisarmos essas categorias (Democracia e Participação) através de um viés crítico, na tentativa de desmistificar as contradições e limites inerentes aos processos caracterizados como participativos e democráticos.

Para isso, iremos partir do entendimento de que ao tratarmos da relação democracia e capitalismo duas perspectivas se fazem presentes:

Num extremo, ficariam aqueles para quem a democracia é compatível com um capitalismo reformado, em que empresas gigantescas são mais socialmente conscientes e responsáveis perante a vontade popular, e certos serviços sociais são ditados por instituições públicas e não pelo mercado, ou no mínimo regulados por alguma agência pública responsável. É possível que essa concepção seja menos anticapitalista que antineoliberal ou antiglobalização. No outro extremo, estariam aqueles que acreditam que, apesar da importância critica da luta em favor de qualquer reforma democrática no âmbito da sociedade capitalista, o capitalismo é, na essência incompatível com a democracia. E é incompatível não apenas no caráter óbvio de que o capitalismo representa o governo de classe pelo capital, mas também no sentido de que o capitalismo limita o poder do “povo” entendido no estrito significado político (WOOD, 1995, p.8).

Nessa discussão, defendemos a segunda concepção abordada pela autora Wood, pois partimos do entendimento de que democracia e capitalismo são duas categorias com valores e princípios distintos, pois, o próprio caráter definidor do capitalismo o contrapõe e o contradiz com o conceito de democracia, visto que “a separação formal entre o econômico e político”, ou a transferência de certos poderes políticos para a “economia” e para a “sociedade civil” [...] reduz a ênfase na cidadania e o alcance da responsabilização democrática” (WOOD, 1995, p.23). Dessa forma:

Em certo sentido, então, a diferenciação entre o econômico e o político no capitalismo é mais precisamente a diferenciação das funções políticas e sua alocação separada para a esfera econômica privada e para a esfera pública do Estado. Essa alocação separa as funções políticas imediatamente interessada na extração e apropriação de mais-valia daqueles que tem um propósito mais geral ou comunitário (WOOD, 1995, p.36).

Dentre os vários elementos que diferenciam capitalismo e democracia, iremos adotar, assim como a autora Wood, a categoria cidadania para exemplificar as diferenças entre ambas. Em torno dessa discussão, entendemos que na democracia a cidadania é considerada como elemento constitutivo e partícipe dos processos democráticos; já no capitalismo há uma tendência de “[...] desvalorização da cidadania decorrente das relações sociais capitalistas [...]” (WOOD, 1995, p.183), as quais estão relacionadas à forma que o capitalismo interpreta a cidadania.

Nesse sentido, Dias (1997, p. 53) afirma que a cidadania sob a ótica burguesa “dispensa a participação ativa dos cidadãos, exigindo das massas apenas uma postura, a mais absoluta possível, de indiferença, inércia e conformismo. Basta-lhe obediência”. Diferente da democracia que entende a cidadania “[...] como espaço de luta” (DIAS, 1997, p.55), ao defender que “a qualidade da democracia, portanto, estaria relacionada à

ampliação das possibilidades de participação e deliberação política pelos cidadãos” (CUNHA, 2007, p.27).

Desse modo, é relevante ressaltarmos que Wood (1995, p.7) “parte da premissa de que “democracia” significa o que diz o seu nome: o governo pelo povo ou pelo poder do povo”. Assim, neste sistema político, o poder é exercido pelo povo através do sufrágio universal, ou seja, “a democracia é reduzida à vigência do sufrágio - garantia única da igualdade política entre todos os cidadãos” (MARTORANO, 2011, p.13).

No entanto, é importante ressaltarmos que “a igualdade política na democracia capitalista não somente coexiste com a desigualdade econômica, mas a deixa