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3 DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ADICIONADO (DVA)

3.1 Demonstração do Valor Adicionado em outros países

Este tópico trata de estudos que abordam o surgimento da DVA e sua utilização em outros países. A intenção não é fazer uma lista exaustiva de países que utilizam ou já utilizaram a demonstração em estudo, mas traçar um panorama sobre sua criação e situação atual.

Apesar de referências anteriores serem encontradas na literatura contábil sobre valor adicionado (por exemplo, Suojanen, 1954, e Ball, 1968), foi após a publicação do The Corporate Report pela ASSC que emergiu a prática de divulgação da DVA. As primeiras DVAs foram divulgadas no Reino Unido em meados da década de 1970 (PONG; MITCHELL, 2005, p. 173).

No Reino Unido, a Demonstração do Valor Adicionado já teve ascensão e declínio. Conforme já mencionado, em 1975, a ASSC publicou o documento que recomendava, entre outras coisas, a demonstração de valor adicionado. Com isso, muitas empresas passaram a publicar a DVA. Entretanto, no final da década seguinte, diversas empresas deixaram de publicar a DVA (HOPWOOD, BURCHELL e CLUBB, 1994).

Burchell, Clubb e Hopwood (1985, p. 390-399) estudaram o contexto e as teorias sociais da contabilidade para o súbito interesse na DVA na década de 1970. Os autores delinearam três arenas para entender o movimento social por trás do processo de adoção da DVA no Reino Unido.

A primeira arena é definida pelo processo de padronização contábil. A publicação do The Corporate Report foi uma resposta da ASSC à ameaça de intervenção governamental ao processo de padronização contábil. A proposta de DVA colocada no relatório continha algumas inconsistências, e o ASSC encomendou quatro estudos sobre a demonstração às organizações parceiras.

Os relatórios apresentados por ambos, The Institute of Chartered Accountants in England and

Wales (Renshall et al., 1979) e The Institute of Chartered Accountants in Scotland (Morley, 1978)

concluíram em favor da demonstração de valor adicionado, mas adicionaram uma ressalva que a “padronização de práticas é condição necessária para qualquer exigência formal” (Renshall et al.,

1979, p. 38) e também “para conferir comparabilidade à Demonstração do Valor Adicionado e ainda resguardar a confiabilidade dos usuários da demonstração” (Morley, 1978, p. 141). O estudo preparado por The Institute of Cost and Management Accountants foi notavelmente menos entusiástico e apresentou o valor adicionado como apenas mais uma adição para a sacola de ferramentas gerenciais que poderia ser bem empregado em conexão com sistemas de remuneração dos empregados e relações públicas (Cox, 1979). A questão da padronização não foi levantada no relatório. O estudo da The Association of Certified Accountants investigou a necessidade de informações dos potenciais usuários da demonstração de valor adicionado e revisou as práticas corporativas anteriores na área discutindo políticas de mensuração e evidenciação (Gray & Maunders, 1980). Foram identificadas duas abordagens para mensuração do valor adicionado e, embora o estudo tenha afirmado que “conceitualmente seria desejável que fosse adotada uma abordagem consistente de uma maneira ou da outra” (p. 28), ele também argumentou que a demonstração do valor adicionado deveria ser “colocada fora das restrições estabelecidas por convenção” com o intuito de facilitar seu “desenvolvimento imaginativo” de acordo com as necessidades da decisão dos potenciais usuários (p. 37). (BURCHELL; CLUBB; HOPWOOD, 1985, p. 392, tradução livre)10.

A segunda arena é definida pela gestão macroeconômica. Durante o período de 1974 a 1979, o chamado Labour Government, foi marcado por proeminentes e recorrentes políticas de renda. Foram fixadas normas para aumento de salários, atrelando-o ao aumento de produtividade. Isso criou um importante papel para o valor adicionado que passa a compor os esquemas de remuneração dos empregados. Por conseguinte, a DVA passa a ser uma importante ferramenta de comunicação entre a empresa e seus colaboradores.

A terceira arena é definida pelas relações industriais e pela evidenciação de informações. A década de 1970 foi marcada por um período de “democracia industrial”. Os sindicatos ficaram mais fortes e a relação empresa-empregados passou por uma redefinição na distribuição de poder. Com isso, sindicatos e empregados passam a exigir maior volume de informações, e o lucro assumiu uma conotação mais negativa. Nesse contexto, a DVA se ajustava melhor às necessidades de evidenciação dos resultados para a sociedade.

10 The reports issued by both the Institute of Chartered Accountants in England and Wales (Renshall et al., 1979)

and the Institute of Chartered Accountants in Scotland (Morley, 1978) conclude in favour of value added reporting but add the caveat that “Standardization of practice is a necessary precondition to any formal requirement” (Renshall et al., 1979, p. 38) so as “to bring comparability to Value Added Statements and so safeguard the confidence of readers in the Statement” (Morley, 1978, p. 141). The study prepared for the Institute of Cost and Management Accountants was notably less enthusiastic and presented value added as just one more addition to the kitbag of management tools which may be usefully employed in connection with employee payment systems and public relations (Cox, 1979). The issue of standardization was not raised in the report. The Association of Certified Accountants’ study investigated the information needs of potential users of value added statements and reviewed existing corporate practice in the area before discussing measurement and disclosure policy (Gray & Maunders, 1980). Two approaches to the measurement of value added were identified, and although it was stated that “conceptually it would seem desirable that a consistent approach be adopted one way or the other” (p. 28), it also was argued that value added reporting should be “placed outside the restrictions established by convention” in order to facilitate its “imaginative development” according to the decision requirements of its potential users (p. 37).

Burchell, Clubb e Hopwood (1985) perceberam que a redução no interesse pela DVA coincidiu com a mudança do governo britânico em 1979 que gerou transformações no ASSC. Com isso, as três arenas discutidas foram repentinamente rompidas e transformadas. A política de governo mudou, as relações industriais passaram a ser conduzidas de outra maneira, e a possibilidade de intervenção do governo nas práticas contábeis tornou-se uma possibilidade remota. O ASSC mudou seu foco e acabou removendo o tema valor adicionado da agenda de discussões. A partir de então, as empresas pararam, descompassadamente, de publicar a DVA.

Pong e Mitchell (2005) também analisaram o “fenômeno” DVA no Reino Unido. Eles afirmam que Burchell, Clubb e Hopwood (1985) inovaram as pesquisas acadêmicas sobre o assunto porque incluíram a vertente social em suas análises, mas sua ênfase exclusiva às questões sociais levou-os a desconsiderar aspectos contábeis importantes, já que não é valorizado o conteúdo das informações trazidas pela DVA nem sua relação com as expectativas e necessidades dos usuários (p. 183).

O papel das três arenas referenciadas por Burchell, Clubb e Hopwood (1985) parece ter sido mais significante para descrever a DVA como produto do tempo e lugar na agenda daqueles que decidem sobre as evidenciações corporativas (decisão política) do que uma tentativa de conduzir uma mudança universal de fato (PONG; MITCHELL, 2005, p. 193).

Gray, Kouhy e Lavers (1995a, p. 61-67) relacionam o contexto político do Reino Unido nas décadas de 1970, 1980 e 1990 com os padrões de evidenciação social das companhias britânicas. Os autores definem o período como uma época de “re-empoderamento” do capital com o apoio do Estado, pois ocorre a transição para o Estado Mínimo, e o governo transfere para o mercado funções tradicionais relacionadas ao bem-estar da sociedade. Ainda segundo os autores, o governo aprovou leis que incentivavam a evidenciação de informações sobre o emprego de deficientes e estimulavam maior participação dos empregados nas decisões e na propriedade da empresa. O mercado “aceita” as responsabilidades adicionais e responde com maior envolvimento com a comunidade. Esses autores colocam a necessidade de uma nova roupagem para a relação empresa-sociedade no final desse período. O relatório anual reflete isso em ampla evidenciação de esquemas de distribuição de ações, consultas aos empregados, treinamento, oportunidades iguais e maior envolvimento com a comunidade, enquanto as

antigas áreas de confronto do relatório – demonstração do valor adicionado e informações para os sindicatos – “silenciosamente desapareceram”.

[…] entre 1979 e 1991, a totalidade do UK CSR [Relatório Social Corporativo no Reino Unido] aumentou em quatro vezes, evidenciações relacionadas aos empregados caíram de aproximadamente 90 por cento do total para cerca de 78 por cento, e informações sobre relação com a comunidade e meio ambiente aumentaram de aproximadamente 10 para 32 por cento do total do relatório. Informações relacionadas à relação com os clientes permaneceram em um nível muito baixo. A única área do CSR que caiu sistematicamente foi a evidenciação da demonstração do valor adicionado. (GRAY; KOUHY; LAVERS, 1995a, p. 62, tradução livre)11.

O conteúdo da DVA no Reino Unido não ofereceu a atratividade necessária para obter apoio nem daqueles que voluntariamente publicaram a DVA (administradores das empresas) nem daqueles que supostamente seriam os maiores interessados (outros empregados e suas representações sindicais). Essa ausência de apoio parece ter contribuído significativamente para o desaparecimento dessa demonstração (PONG; MITCHELL, 2005, p. 193).

As informações contidas na DVA não sugerem que esse era um mecanismo adequado para resolver as disputas de natureza trabalhista. Ao examinar a distribuição de valor adicionado para empregados, geralmente, esse parecia ser o grupo de stakeholder mais favorecido da empresa. Isso em nada ajudaria em negociações sindicais e ainda poderia ter um reflexo ruim para a administração na avaliação dos acionistas. Então, a evidenciação da distribuição do valor adicionado não seria necessariamente uma estratégia para estimular a cooperação entre os stakeholders, ao contrário, seria uma propensão para fomentar conflitos de interesses entre eles, pois além de conhecer as participações relativas no valor adicionado, ainda seria possível perceber a mudança nessas proporções ao longo do tempo (PONG; MITCHELL, 2005, p. 193-194).

Haller e Stolowy (1998) fizeram um estudo comparativo entre França e Alemanha. O objetivo do trabalho era comparar o papel da informação “valor adicionado” nos relatórios e análises contábeis desses países. Eles analisaram os relatórios anuais de 1993 das 100 maiores empresas de cada país. O estudo concluiu que as empresas são relutantes em evidenciar informação de valor adicionado, ou mesmo a demonstração do valor adicionado, de modo a

11 […] between 1979 and 1991, total UK CSR [Corporate Social Reporting] rose by over four times, employee-

related disclosure fell from approximately 90 per cent of total to about 78 per cent, and community and environmental reporting rose from approximately 10 per cent to 32 per cent of total disclosure. Customer-related disclosure remained at a very low level. The only area of CSR which fell systematically was the disclosure of the value added statement.

ser comparável com outras empresas. Os autores mostram-se surpresos e afirmam que o resultado é espantoso porque Alemanha e França são internacionalmente consideradas como países em que o conceito de valor adicionado tem um papel considerável na contabilidade financeira.

Meek e Gray (1988) estudaram a utilidade da DVA para as companhias norte-americanas e propõem que o uso dessa demonstração como informação suplementar poderia evidenciar implicações mais amplas da atividade corporativa. Eles também avaliaram a adequação da DVA aos padrões contábeis americanos (Statement of Financial Accounting Concepts – SFAC) e relataram a adequação ao SFAC no. 2, cujo conteúdo traz a necessidade das informações contábeis serem relevantes, confiáveis e compreensíveis ao usuário, e ao SFAC no. 5 que traz a necessidade das informações contábeis serem articuladas entre si. Os autores colocaram ainda a questão da auditoria da Demonstração do Valor Adicionado: justamente pela adequação aos SFACs, não haverá novos problemas para os auditores nem aumentará o potencial de reclamações de negligência contra eles.

Evraert e Riahi-Belkaoui (1998) também estudaram a utilidade do valor adicionado e afirmam que o custo de publicar a DVA pode ser imaterial dada a disponibilidade de todas as informações que a compõem. E ainda que, dado o baixo custo relativo aos benefícios potencialmente muito maiores mostrados em seu artigo, emitir relatórios de valor adicionado ou evidenciar os dados necessários para calcular o valor adicionado parece ser uma melhoria ao atual sistema de publicação americano.

Diversos estudos empíricos comparando valor adicionado, fluxo de caixa e lucro foram conduzidos com empresas norte-americanas. Bao e Bao (1989), Karpik e Riahi-Belkaoui (1989), Bannister e Riahi-Belkaoui (1991), Riahi-Belkaoui (1993), Riahi-Belkaoui e Fekrat (1994), Riahi-Belkaoui e Picur (1994), Bao e Bao (1996), Riahi-Belkaoui (1997), Bao e Bao (1998) e Riahi-Belkaoui (1999) realizaram estudos sem a publicação da DVA, isto é, os trabalhos calcularam o valor adicionado com base nas remunerações dos fatores de produção (salários, dividendos, juros, aluguéis, impostos e lucros retidos). Apesar das limitações dos estudos (esses estudos serão mais detalhados no tópico 2.4), a maior parte deles conclui que há superioridade na qualidade da informação de valor adicionado em relação ao lucro e ao fluxo de caixa.

Apesar dos estudos de Meek e Gray (1988), da recomendação da American Accounting Association (1990) e dos estudos empíricos relacionados, Picur (2007), após um intervalo de quase vinte anos, mostra a baixa relevância nos EUA da divulgação de informações de valor adicionado até aquela data.

A África do Sul é o único país que se equipara ao Brasil atualmente com relação à divulgação da DVA. Em 1998, aproximadamente metade das companhias listadas na Bolsa de Valores de Joanesburgo publicava a DVA, voluntariamente, como parte integrante das demonstrações financeiras, e esta proporção vinha crescendo de maneira sustentável (VAN STADEN, 1998, p. 44; VAN STADEN, 2003, p. 225). Esse país incentiva a publicação da demonstração e há diversos estudos acadêmicos sobre a DVA.

Van Staden (2000, p. 5) pesquisou junto a uma amostra de 94 empresas sul-africanas as cinco principais razões pelas quais elas publicavam a DVA. São elas, em ordem de importância: 1. para ser usada como forma de comunicação com os empregados;

2. para ganhar pontos na premiação anual para relatórios financeiros; 3. para indicar responsabilidade social por parte da companhia; 4. para facilitar negociações salariais e acordos coletivos e 5. para condicionar as expectativas dos empregados.

Van Staden questiona a utilidade da DVA em dois artigos (1998 e 2003). Em 1998, na África do Sul, concluiu que mais de 50% dos usuários da contabilidade entrevistados não pretendiam usar a DVA para obter informações. Em 2003 concluiu que o alto nível de publicação da DVA na África do Sul, apesar de não ser útil aos usuários como concluiu anteriormente, é suportado pela Teoria da Legitimidade e pela Teoria da Economia Política da Contabilidade. O autor mostra a importância da DVA, mas critica a informação fornecida por ela, pois, por muitas vezes, a DVA não ser auditada como as demais demonstrações financeiras, as companhias podem fornecer apenas as “boas notícias”, omitindo as más, o que torna a informação não confiável.

Oliveira (2008) pesquisou uma amostra de 50 países (PIB total da amostra era US$ 38,2 trilhões de dólares no ano 2006) que adotam ou permitem as normas internacionais elaboradas pelo IASB com o objetivo de verificar se existe divulgação da DVA. Foram observadas 10 empresas de capital aberto por país. A DVA foi encontrada em 19 dos 50 países, e apenas

13% das empresas analisadas divulgaram a demonstração. Das empresas que publicaram a demonstração, 76% o fizeram no relatório anual e 24%, no Relatório Social. A Tabela 3 mostra um resumo dos países em que foram encontradas DVAs.

Tabela 3 – Número de DVAs encontradas por tipo de apresentação Países PIB 2006 (em US$

milhões)

Relatório

Anual Sustentabilidade Relatório de Forma Gráfica Total de DVA

África do Sul 257.894 6 1 - 7 Alemanha 2.914.988 - 1 - 1 Áustria 323.071 - - 1 1 Botsuana 11.298 3 - - 3 Brasil 1.089.301 8 - - 8 França 2.271.280 - - 2 2 Ilhas Maurício 6.317 3 - - 3 Índia 874.771 1 - - 1 Inglaterra 2.435.699 - 2 - 2 Irlanda 222.609 - 1 - 1 Malta 6.442 - - 1 1 Nepal 9.034 1 - - 1 Peru 92.306 - 1 - 1 Portugal 195.186 - 1 - 1 Sri Lanka 28.280 7 - - 7 Tanzânia 14.351 2 - - 2 Total 10.752.827 32 8 4 42

FONTE: OLIVEIRA; 2008, p. 45, adaptado12.

Percebe-se, com essa revisão da literatura internacional, que, atualmente, a prática de evidenciar a demonstração de valor adicionado não é comum. Entretanto, é interessante perceber que vários desses autores, ainda que a prática não corresponda às expectativas de seus trabalhos, defendem a divulgação das informações de valor adicionado e enfatizam a qualidade e a utilidade dessa informação para a sociedade.

Com isso, o Brasil tem um diferencial por impor a divulgação da DVA às companhias de capital aberto. Muitas pesquisas deverão se realizar doravante para comprovar as vantagens e desvantagens da publicação da DVA. É válido notar, conforme colocado no estudo de Burchell, Clubb e Hopwood (1985), que o contexto social é importante para entender a divulgação da demonstração no país. Assim, devem ser evitados estudos futuros que sejam apenas replicações de estudos internacionais e não considerem o contexto brasileiro.

12 Foi incluída a coluna com o Produto Interno Bruto de cada país, informação que não constava no texto

original. Os relatórios analisados pela autora se referiam ao ano 2006, e os valores de PIB coletados referem-se ao mesmo período. As informações foram obtidas no site do Fundo Monetário Internacional acessado em 05/09/09 (http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2009/01/weodata/weoselgr.aspx).