• Nenhum resultado encontrado

3 DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ADICIONADO (DVA)

3.3 Estrutura da Demonstração do Valor Adicionado

3.3.10 Evidenciação dos investimentos socioambientais na DVA

Este tópico tem por objetivo mostrar como são tratados os investimentos socioambientais atualmente na DVA, mostrar como a mudança no tratamento (redução ou distribuição de valor adicionado) altera o valor da riqueza gerada pela empresa e apresentar o modelo de DVA proposto pelo GRI.

Qualquer investimento socioambiental realizado pela empresa, que não se inclua em seu processo produtivo, será contabilizado como uma despesa e assim será tratado na DRE. Entretanto, conforme já citado, a DRE reflete a visão do acionista. O valor adicionado entregue aos empregados e ao governo também é considerado despesa quando contabilizado. Isso mostra que a contabilização, realizada conforme o plano de contas da empresa, segue a ótica do acionista.

Atualmente, no Brasil, a DVA é realmente um rearranjo da DRE porque todas as receitas e despesas que aparecem nesta demonstração estarão somadas também naquela. Assim, se os investimentos socioambientais privados são despesas, eles já aparecem na DVA das empresas que a publicam. Os modelos FIPECAFI e CFC não preveem uma linha específica para evidenciar esses investimentos, nem na parte de formação do valor adicionado nem em sua

distribuição. Isso significa que os investimentos sociais vêm sendo somados aos insumos adquiridos de terceiros.

Este trabalho estuda se os investimentos socioambientais poderiam figurar como distribuição de valor adicionado, como algumas empresas já o fazem. Questiona-se: faz diferença? O exemplo apresentado na Tabela 5 mostra o impacto dos investimentos socioambientais no valor adicionado bruto, valor correspondente ao PIB, ou à riqueza bruta adicionada pela empresa para a sociedade.

Tabela 5 – Simulação de DVA com investimentos sociais destacados como distribuição de VA

Demonstração do Valor Adicionado A B

1. RECEITAS 15.520,00 15.520,00

1.1 Vendas de mercadoria, produtos e serviços 16.000,00 16.000,00 1.2 Provisão para devedores duvidosos –

Reversão/(Constituição) (480,00) (480,00) 1.3 Não operacionais - - 2 INSUMOS ADQUIRIDOS DE TERCEIROS 6.810,00 6.760,00 2.1 Matérias-primas consumidas - - 2.2 Custos das mercadorias e serviços vendidos 6.640,00 6.640,00 2.3 Materiais, energia, serviços de terceiros e outros 170,00 120,00 2.4 Perda / Recuperação de valores ativos - - 3 VALOR ADICIONADO BRUTO (1 – 2) 8.710,00 8.760,00

4 RETENÇÕES 600,00 600,00

4.1 Depreciação, amortização e exaustão 600,00 600,00 5 VA LÍQUIDO PRODUZIDO PELA ENTIDADE (3–4) 8.110,00 8.160,00 6 VA RECEBIDO EM TRANSFERÊNCIA 150,00 150,00 6.1 Resultado da equivalência patrimonial - - 6.2 Receitas financeiras 150,00 150,00 7 VA TOTAL A DISTRIBUIR (5 + 6) 8.260,00 8.310,00 8 DISTRIBUIÇÃO DO VALOR ADICIONADO (8 = 7) 8.260,00 8.310,00 8.1 Pessoal e Encargos 3.240,00 3.240,00 8.2 Impostos, taxas e contribuições 2.455,00 2.455,00

Investimentos Sociais - 50,00

8.3 Juros e aluguéis 250,00 250,00 8.4 Juros sobre capital próprio e dividendos 926,00 926,00 8.5 Lucros retidos / prejuízo do exercício 1.389,00 1.389,00 A. DVA conforme modelo FIPECAFI

B. DVA com Investimentos Socioambientais como distribuição de valor adicionado

Os valores destacados (circunscritos com linhas pontilhadas) representam a contribuição da empresa fictícia para o PIB brasileiro (considerando a ótica de valor adicionado contábil). A diferença entre os dois valores é exatamente o valor dos investimentos socioambientais privados realizados no período (também circunscrito). A empresa realizou investimento de aproximadamente 0,3% da receita de vendas, e o impacto no valor adicionado bruto foi superior a 0,5%.

Em 2004, as empresas investiram 4,7 bilhões de reais no atendimento de comunidades carentes, o que representou aproximadamente 0,3% do PIB brasileiro no mesmo ano (IPEA, 2006, p. 17). Então, esse seria o tamanho da diferença no cálculo do PIB pela soma das DVAs devido à classificação dos investimentos sociais de maneira incoerente com a metodologia de cálculo do PIB.

Conforme já mencionado, os investimentos sociais privados recebem incentivos do governo por meio de benefícios tributários. O governo permite deduzir parte dos investimentos realizados do valor devido de imposto de renda. Essa postura é coerente com a postura de um Estado menos centralizador e mais regulador. Ou seja, o Estado transfere para o mercado tarefas relacionadas à sua função de prover o bem-estar social. O mercado assume essa função e se beneficia disso melhorando sua imagem perante a sociedade.

Se o governo oferece incentivos fiscais para algumas atividades de responsabilidade social empresarial, ele reconhece os benefícios trazidos para o bem-estar da sociedade. Então, no caso dos benefícios fiscais para incentivo a atividades de esporte, cultura e assistência social, qual o tratamento contábil a ser dado para esses benefícios? O benefício em questão é um redirecionamento de uma despesa que a empresa tem independente do investimento social. Explica-se: uma empresa que teria R$5.000 de imposto de renda a pagar pode destinar R$50 para Fundos Municipais dos Direitos das Crianças e Adolescentes (FMDCA). Se ela optar por destinar o valor ao fundo municipal em questão, o imposto recolhido passa a ser R$4.950. Então, a despesa total é R$5.000, independente da opção da empresa.

Entretanto, a contabilização é diferente. Na opção 1 (empresa não destina valor ao FMDCA), a empresa contabiliza R$5.000 como despesa de imposto de renda contra imposto de renda a pagar no encerramento do exercício contábil. Na opção 2 (empresa destina valor ao FMDCA), a empresa deve realizar o pagamento para o fundo dentro do exercício contábil. Assim, durante o exercício, a empresa contabiliza R$50 como despesa com investimentos sociais contra caixa ou banco e, no encerramento do exercício, contabiliza R$4.950 como despesa de imposto de renda contra imposto de renda a pagar (CRC-SP, 2007).

Obviamente a DRE será diferente nas duas situações. Por conseqüência, a DVA também será: a opção 1 mostra distribuição de valor adicionado ao governo de R$5.000 e a opção 2,

R$4.950; a opção 1 possui valor adicionado bruto produzido pela entidade R$50 maior que a opção 2. Questiona-se: a contribuição da empresa para sociedade é maior na opção 1 que na opção 2? Em valores monetários, não.

Por outro lado, é importante pensar que a empresa poderá utilizar sua contribuição ao FMDCA (ou ao patrocínio de atividades esportivas ou culturais e outras opções) como ferramenta para melhorar sua imagem junto aos consumidores, ou seja, marketing. Assim, retoma-se a discussão: a empresa está realizando um investimento social ou uma despesa de marketing?

A Global Reporting Iniciative defende a posição dos investimentos sociais como distribuição de valor. Este tópico sobre estrutura da DVA não pode deixar de apresentar esse modelo, apesar de sua utilização estar, atualmente, restrita aos Balanços Sociais.

Conforme já exposto, o GRI apresenta indicadores de desempenho econômico, ambiental e social divididos em seis categorias: econômico, ambiental, práticas trabalhistas e trabalho decente, direitos humanos, sociedade e responsabilidade pelo produto. O primeiro dos indicadores de desempenho da categoria “econômico” (EC1) é o “valor econômico direto gerado e distribuído, incluindo receitas, custos operacionais, remuneração de empregados, doações e outros investimentos na comunidade, lucros acumulados e pagamentos para provedores de capital e governos” (GRI, 2006, p. 27).

Para cada categoria de indicadores, foi desenvolvido um conjunto de protocolos que mostra a relevância do indicador, ensina a calcular e a evidenciar o indicador e traz outras referências a serem consultadas para o desenvolvimento do indicador. É importante ressaltar a proximidade do GRI com a contabilidade. As normas contábeis do IASB são citadas como referências em diversos indicadores, e alguns princípios do desenvolvimento do relatório fazem parte da estrutura conceitual da contabilidade (relevância e materialidade, por exemplo).

O protocolo de desenvolvimento do EC1 propõe uma tabela que se aproxima da DVA em sua estrutura. O objetivo desse indicador é fornecer uma “indicação básica de como a organização gerou riqueza para seus stakeholders” (GRI, 2006, p. EC4). A tabela, intitulada Tabela de Valor Econômico Gerado e Distribuído - EVG&D – pelo GRI, está exposta no Quadro 6.

Quadro 6 - Tabela de Valor Econômico Gerado e Distribuído - EVG&D – pelo GRI

Componente Comentário

Valor econômico direto gerado

a) Receitas Vendas líquidas mais receitas provenientes de investimentos financeiros e vendas de ativos.

Valor econômico distribuído

b) Custos operacionais Pagamentos para fornecedores, investimentos não estratégicos, royalties e pagamentos de facilitação. c) Salários e benefícios de empregados Total da folha de pagamento para empregados (pagamentos atuais e não obrigações futuras). d) Pagamentos para provedores de capital Todos os pagamentos financeiros feitos aos provedores de capital da organização. e) Pagamentos ao governo (por país) Impostos brutos.

f) Investimentos na comunidade Contribuições voluntárias e investimento de fundos na comunidade como um todo (inclui doações).

Valor econômico acumulado

(calculado como Valor econômico gerado

menos Valor econômico distribuído) Investimentos, hipotecas, etc. FONTE: GRI (2006, p. EC5)

Apesar das semelhanças na estrutura, existem algumas diferenças conceituais entre o protocolo do indicador EC1 e a DVA, não obstante muitas empresas divulguem a DVA como resposta a esse requisito GRI. A primeira diferença é que não há conciliação da DVA com a DRE, isto é, a tabela EVG&D não apresenta todos os itens de resultado da empresa. A segunda diferença é a classificação de fornecedores entre os stakeholders que “recebem” a distribuição de valor, mostrando que não há relação entre o conceito econômico de valor adicionado e o conceito adotado pelo GRI. A terceira diferença é a distribuição de valor para a comunidade, questão discutida neste trabalho.

É provável que as empresas que apresentam investimentos sociais como distribuição de valor, mostradas na introdução deste trabalho, tenham sido influenciadas mais por este modelo GRI de “demonstração do valor adicionado” que por conceitos econômicos de fato.