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4 Investimentos Socioambientais

4.3 Pesquisa Empírica: Validação

A validação da tipologia de informações socioambientais foi realizada por meio de entrevista semiestruturada com duas pesquisadoras de Responsabilidade Social Corporativa. O roteiro de entrevista (Apêndice 4) foca, especialmente, as categorias Meio Ambiente e Comunidade, pois os investimentos da categoria Recursos Humanos são reconhecidamente classificados na DVA como remuneração do fator de produção trabalho. Os investimentos classificados nas categorias Empresa e Consumidor, conforme já discutido, sempre serão gastos da empresa inerentes ao seu processo produtivo e sua rentabilidade, portanto não se configuram como investimentos socioambientais.

A estrutura apresentada no roteiro de entrevista foi dividida em três partes, A, B e C. A parte A contém a estrutura de classificação das informações socioambientais conforme discutido nos resultados da pesquisa empírica. A parte B questiona o dispêndio realizado e o tipo de ativo entregue, com o objetivo de diferenciar as informações dos investimentos socioambientais. A parte C questiona o meio de transferência do recurso para a comunidade beneficiada, conforme o último quesito analisado no tópico anterior.

A primeira entrevista foi com a socióloga Anna Maria Medeiros Peliano. Ela é pós-graduada em Política Social pela Universidade de Brasília e já realizou diversas pesquisas sobre políticas sociais e segurança alimentar, inclusive o Mapa da Fome que subsidiou o trabalho de Herbert de Souza na Campanha contra a Fome. É coordenadora-geral da pesquisa Ação Social das Empresas (IPEA/DISOC, 2006) desde a primeira edição que teve início em 1999.

Após analisar a estrutura proposta, Sra. Anna Maria ressaltou que não poderia garantir que as categorias apresentadas esgotam as possibilidades de investimentos socioambientais porque precisaria de mais tempo para a análise. Dada essa limitação, a pesquisadora fez ponderações que serão analisadas a seguir.

Quanto às categorias Recursos Humanos e Empresa, ela só propôs alteração no nome da categoria Empresas e concordou que os dois grupos constituem-se investimentos com maior interesse para a empresa que para a comunidade. A sugestão foi chamar a categoria Empresa de gestão ou desempenho organizacional, porque “tudo o que está sendo analisado é empresa”. Para a estrutura final, o nome da categoria foi alterado para Perfil Organizacional, pois ficaria coerente com sua sugestão, com o Relatório GRI e com a prática observada nos relatórios quando falam da empresa. Ela fez ainda uma ponderação sobre a classificação de treinamentos em meio ambiente para empregados como Recursos Humanos. Ela colocaria essa subcategoria no grupo Meio Ambiente, mesmo sendo voltado para o empregado.

Quanto à categoria Comunidade, a primeira sugestão foi melhorar a definição de realização de projetos da sociedade, explicando o que é a participação efetiva, e a sugestão foi acatada. A segunda sugestão foi evitar usar a questão da imagem ou da troca de divulgação da marca como corte entre as subcategorias. Foi realizada uma adequação das subcategorias, e a questão da imagem ficou apenas para diferenciar doação de patrocínio. Mais duas sugestões foram acatadas: chamar os projetos do governo de programas do governo e excluir as subcategorias doações para campanhas políticas e governo. Segundo a entrevistada, essas subcategorias se enquadrariam no grupo empresa porque não são ações para a comunidade, mas ações políticas para beneficiar a empresa. Vale destacar que as ocorrências de Doações para o governo e Doações para campanhas políticas ocorridas na pesquisa empírica foram apenas declarações de não praticar tais doações. Por fim, mas fundamental para o estudo, foi sugerida a inclusão de uma subcategoria para realização de campanhas de arrecadação de donativos.

Quanto à categoria Meio Ambiente, a primeira sugestão foi separar, na subcategoria 2a (realização de projetos ambientais em parceria com outras instituições, públicas ou privadas), as parcerias com entidades públicas das parcerias com organizações privadas. Entretanto, optou-se por não realizar a alteração porque essa diferenciação já ocorrerá na forma de transferência dos recursos. A segunda sugestão foi rever a redação do item 2b e trocar políticas ambientais por diretrizes ou orientações ambientais, pois política ambiental é muito abrangente e poderia haver sobreposição com os outros itens. Como a ideia dessa subcategoria era separar as informações que não são práticas, a sugestão foi aceita.

Ela ressaltou a questão da intersecção entre Comunidade e Meio Ambiente e citou que todos os projetos de reciclagem de lixo irão se enquadrar nas duas categorias. Apesar de a afirmativa estar correta, optou-se, neste trabalho, por considerar tais projetos na categoria Comunidade sempre que em curto ou médio prazo houver impacto na renda da comunidade envolvida.

A pesquisa IPEA/DISOC (2006) categoriza qual a atividade que recebe o investimento da empresa: alimentação, assistência social, educação e saúde entre outros. Nesta pesquisa não se julgou relevante tal distribuição, já que não seria possível inferir sobre maior ou menor distribuição de renda em cada atividade. A Sra. Anna Maria corroborou e afirmou que, apesar de haver maior investimento em projetos de alimentação e assistência social, as atividades são interdependentes, o sucesso de alguns projetos de educação depende de projetos de saúde (“às vezes é melhor pra criança cuidar da saúde que saber ler: a criança sabe ler, mas não tem remédio, medicamento, está cheia de sofrimento pela saúde, mas está na escola” ... “escolher o que é melhor entre as atividades é muito complicado”).

Quanto ao dispêndio da empresa, ela ressaltou a existência de ações sociais que não envolvem dispêndio, mas não perdem o mérito de ação social. Como exemplo, pode ser citada a Celulose Irani que comprou, em 2007, os cartões de Natal que ela distribuiria da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Haveria a aquisição dos cartões de qualquer maneira na empresa, por isso ela considera uma ação social sem dispêndio, mas optar por produtos que irão financiar a ação social é um tipo de ação social. Assim, foi inserida uma subcategoria com essa ação social no item Comunidade.

Ainda quanto ao dispêndio, a entrevistada sugeriu não usar o termo ganhos líquidos ou especificar que há recuperação dos dispêndios pelos ganhos. Então, o texto foi alterado para “há dispêndios que são compensados e/ou superados pelos ganhos com a mesma atividade”. Apesar de inicialmente essa resposta ter sido incluída para atender a investimentos ambientais, conforme discussão na entrevista com a Sra. Anna Maria, há casos de ações sociais que podem se enquadrar nessa resposta.

Quanto aos meios de transferência, a Sra. Anna sugeriu usar os termos pagamento e doação, pois “transferência tem outra conotação”. Além disso, ponderou que uma ação social pode ser

entregue em serviços e sugeriu observar o benefício entregue para a comunidade durante a análise dos investimentos.

A segunda entrevistada, Profa. Dra. Maísa de Souza Ribeiro, é professora associada da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto. Contadora com mestrado, doutorado e livre-docência em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo, ela foi uma das pioneiras no estudo de contabilidade ambiental no Brasil e pesquisa responsabilidade social e a relação das empresas com o meio ambiente desde 1987. É autora do livro Contabilidade Ambiental (RIBEIRO, 2006) e coautora do livro Demonstração do Valor Adicionado: do cálculo da riqueza criada pela empresa ao valor do PIB (DE LUCA et al., 2009).

A profa. Maísa corrobora que as informações pertencentes à categoria Empresa dizem respeito a investimentos com interesse maior para a empresa que para a comunidade. Entretanto, ela alega que a categoria Recursos Humanos é tão importante para a empresa quanto para a comunidade, especialmente a parcela da comunidade que trabalha para a companhia. Ela destacou que a categoria Recursos Humanos deve ser qualificada como investimentos sociais, pois os salários e os benefícios pagos para a empresa são essenciais para a vida dessas pessoas. E ainda, ressaltou a alocação bem definida da categoria na DVA, como distribuição de valor adicionado, dispensando análises mais profundas sobre a categoria neste trabalho.

Quanto à categoria Comunidade, a professora questionou como classificar os projetos nos quais duas empresas dividem a realização de um mesmo projeto e lembrou que as empresas nem sempre mostram em seus relatórios a existência de um parceiro e mais ainda, não evidenciam qual a participação de cada envolvido. De fato, a questão levantada foi notada na análise dos relatórios de sustentabilidade. Nesse caso, os projetos seriam classificados conforme a participação da própria empresa (doação, patrocínio, realização...), e a parceria seria uma informação adicional (e imprescindível) do projeto realizado.

Quanto à categoria Meio Ambiente, sugeriu dividir a subcategoria 2e em investimentos em ativos ambientais e investimentos em ativos de produção limpa, sendo a principal diferença entre eles a essencialidade do ativo de produção limpa no processo produtivo, enquanto o

ativo ambiental visa exclusivamente à preservação, proteção e recuperação ambiental. A sugestão foi incorporada à estrutura.

Ainda sobre Meio Ambiente, profa. Maísa sugeriu maior especificação na subcategoria 2d (“Impactos dos Produtos e Processos – inclusive uso da água e energia e passivos ambientais”) para diminuir sua abrangência e eliminar sobreposições com a subcategoria Sistemas de Gerenciamento Ambiental. A nova definição ficou: “desgaste de recursos naturais durante o processo de produção de produtos e serviços [inclui uso da água e energia e passivos ambientais]”.

Quanto ao dispêndio na categoria Meio Ambiente, a professora levantou a dificuldade de separar os sistemas de gerenciamento ambiental dos sistemas de produção. Apesar de a classificação ser essencial para diferenciar os investimentos ambientais dos investimentos em processo produtivo, as empresas não deixam tais diferenças evidentes na informação divulgada.

A professora concordou com a necessidade de se classificarem as informações quanto ao dispêndio e quanto ao meio de transferência dos recursos, pois assim será divulgada a participação efetiva da empresa. Se as empresas divulgarem o tipo de dispêndio e o meio de realização do investimento, “ainda que não haja valores, haverá um cenário muito mais completo do que o de hoje que é meramente qualitativo”.

Segundo profa. Maísa, a responsabilidade social corporativa é um conceito em evolução, por isso, ela ressaltou em cada categoria que a tipologia criada atende ao conceito atual de RSC, mas com a evolução das práticas socioambientais, novas subcategorias poderão surgir.