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2.1 Responsabilidade Social Corporativa

2.1.3 Teorias Integrativas

O terceiro grupo teórico definido por Garriga e Melé (2004, p. 52), nomeado pelos autores “teorias integrativas”, inclui teorias que consideram papel da empresa integrar as demandas sociais. Argumenta-se que os negócios dependem da sociedade para sua continuidade e crescimento e até mesmo para sua existência. As demandas sociais são derivadas da maneira como a sociedade interage com a empresa e dá a ela legitimidade. Então, o conteúdo da responsabilidade social é limitado a cada situação, dependendo dos valores da sociedade.

Quatro abordagens são relacionadas neste grupo: (i) administração de demandas, (ii) responsabilidade pública, (iii) gestão de stakeholders e (iv) desempenho social corporativo.

A primeira abordagem, administração de demandas (issues management), surgiu da década de 1970. Inicialmente essa abordagem era restrita à compreensão social, isto é, as empresas reagiam às questões colocadas pela sociedade. Depois a empresa passa a desenvolver tais “reações”, e isso se torna um processo de gestão. Alguns assuntos relacionados a esse processo foram estudados posteriormente, como identificação, avaliação e categorização das respostas à sociedade, formalização dos estágios das demandas sociais, resposta corporativa para a mídia com relação às atitudes tomadas, entre outros (GARRIGA; MELÉ, 2004, p. 58).

Ackerman (1973) chama “zona de entendimento” (zone of discretion) o espaço de tempo entre o sinal emitido pela sociedade e ação da empresa. O intervalo existe porque a empresa precisa compreender a demanda social e decidir como agir sem prejudicar seus objetivos principais. Depois da decisão, a empresa passa por um processo de institucionalização, quando ocorre a implantação da decisão, e assume a responsabilidade por suprir uma demanda social.

Sethi (1975) desenvolve uma estrutura para facilitar as decisões sobre ações sociais corporativas. O texto sugere uma racionalização do processo decisório, de modo que a companhia analise as alternativas em termos de relevância social. O comportamento corporativo é descrito como um fenômeno com três estágios baseados na evolução da noção de legitimidade:

obrigação social é o comportamento corporativo como resposta às forças de mercado ou aos requisitos legais;

responsabilidade social implica em elevar o comportamento corporativo para o nível de congruência com as normas, valores e expectativas de desempenho social prevalecentes e

compreensão social direciona o comportamento corporativo para os impactos sociais de longo prazo, isto é, a empresa passa a se antecipar e prevenir possíveis problemas sociais.

Com isso, o autor sugere que as ações da empresa sejam planejadas por esses três estágios com o objetivo de atingir o terceiro nível de legitimidade.

Jones (1980) defende ser impossível definir responsabilidade social empresarial por ações ou decisões específicas da empresa e afirma que a RSC deve ser analisada como um processo. As companhias “precisam analisar o impacto social de suas decisões antes de tomá-las e incluir medidas para minimizar os custos sociais dessas decisões quando apropriado” (p. 65). Na implementação dessa visão, o autor ressalta a necessidade de dar ênfase às variáveis sociais já na tomada de decisão, portanto, a questão social passa a ser uma variável de entrada no processo decisório e não apenas uma variável de saída ou uma consequência da decisão. Por fim, o próprio autor coloca uma importante limitação da sua proposta: a mudança no processo não implica necessariamente em mudança de comportamento.

Wartick e Rude (1986) mostram a transição da discussão de reação da empresa para a definição da administração de problemas. A proposta dos autores é que a empresa passe de uma posição reativa para uma postura pró-ativa, minimizando as “surpresas” trazidas pelas demandas sociais. A mudança acontece com a formalização das respostas dadas aos problemas sociais. As decisões passam a ser sistematizadas, de modo que estejam coordenadas e integradas com todo o processo decisório da companhia.

A segunda abordagem, responsabilidade pública, é focada apenas na “discussão” de Jones (1980) com Preston e Post (1975, 1981). Preston e Post (1975, apud Jones, 1980, e apud Preston e Post, 1981) analisam a responsabilidade dos administradores em dois níveis de envolvimento com os problemas sociais: primário e secundário. O envolvimento primário está relacionado com as atividades essenciais da empresa: empregar pessoas, contratar fornecedores, transportar produtos, comprar matéria-prima, obter licença de funcionamento, etc. O nível secundário está relacionado aos efeitos indiretos das decisões das empresas que os administradores contemporâneos devem ter consciência, como impactos na comunidade local com a entrada ou saída de uma fábrica, desemprego gerado pela automação da linha de produção, desenvolvimento de produtos com efeitos colaterais, poluição gerada no transporte das mercadorias, etc.

Preston e Post (1975, apud Preston e Post, 1981, p. 57) argumentam que o estabelecimento desses dois níveis de responsabilidade ajudou as empresas a definir uma agenda de responsabilidades sociais, mostrando que não há uma agenda comum a todas as corporações, ao contrário cada empresa desenvolve a sua agenda baseada em princípios éticos. E ainda enfatizou a importância de se estabelecerem limites para a RSC, pois a empresa não deveria

se envolver com problemas que desconsideram suas características e suas causas. Para estabelecer esses limites, os autores sugerem que as empresas acompanhem as políticas públicas, não apenas as políticas públicas formais, mas também questões emergentes e padrões sociais definidos pela opinião pública.

Jones (1980, p. 62-64) critica os autores porque sua definição das responsabilidades com base em políticas públicas não pode ser adotada como critério para tomada de decisão. As políticas públicas formais, muitas vezes, não são claras, e as informais, geralmente, são permeadas de conflitos sociais e por isso não obtiveram formalização. Além disso, as políticas públicas podem apresentar conflitos inclusive nas apresentações formais, por exemplo, legislação versus código de conduta moral formalizado. Por fim, Jones apresenta quatro exemplos mostrando que a proposta de Preston e Post acaba levando a empresa de volta ao conflito dos limites da RSC.

No ano seguinte, Preston e Post (1981) devolvem a crítica. Preston e Post (1981) usam os exemplos dados por Jones (1980), os quais eles criticam por serem “extremamente simplistas” e diferentes do “mundo real” (p.58), para mostrar que sua teoria é válida para tomada de decisão e sugerem aos críticos o desenvolvimento de uma nova abordagem, incluindo os possíveis conflitos com as políticas públicas.

Não havia necessidade de Garriga e Melé (2004) criarem uma abordagem específica para esses textos, a ideia inicial de Preston e Post (1981), assim como as discussões que seguem, enquadram-se na abordagem anterior em que as empresas buscam administrar as demandas sociais.

A próxima abordagem, gestão dos stakeholders, traz uma das teorias mais utilizadas na literatura de RSC, a teoria dos stakeholders. Emshoff e Freeman (1978) apresentaram o trabalho seminal que trazia dois princípios básicos sobre a administração dos stakeholders: (i) o objetivo maior é atingir a máxima cooperação entre o sistema formado por todos os grupos de stakeholders e os objetivos da empresa e (ii) as estratégias mais eficientes envolvem esforços que tratem simultaneamente demandas relacionadas a múltiplos stakeholders (GARRIGA; MELÉ, 2004, p. 59).

Freeman e Reed (1983, p. 88-95) mostram como surgiram esses princípios, durante trabalho desenvolvido no Instituto de Pesquisa de Stanford. Os autores analisam também a relação de poder e interesse entre os diversos grupos de stakeholders. O Quadro 4 mostra um resumo desta análise.

Quadro 4 – Mapa dimensional dos stakeholders: poder x interesse

Poder

Formal ou Votante Econômico Político Propriedade (Equity) Acionistas Diretores Minoritários Acionistas dissidentes Fornecedores Credores Clientes Econômico Sindicatos Governo local Governo estrangeiro Grupos de Consumidores Sindicatos Influências Governo SEC Outside Directors

EPA/OSHA Nader’s Raiders Governo

Associações de Comércio FONTE: FREEMAN; REED, 1983, p. 94, tradução livre (Quadro original está exposto no Anexo C).

Recentemente, as corporações têm sido pressionadas por organizações não governamentais (ONGs), ativistas, comunidades, governo, mídia e outras forças institucionais. Esses grupos reivindicam o que eles consideram ser práticas socialmente responsáveis. Algumas corporações têm procurado respostas para as demandas sociais por meio de diálogos estabelecidos com um amplo grupo de representantes dos stakeholders (GARRIGA; MELÉ, 2004, p. 59).

Diversas teorias tentaram integrar as abordagens vistas nesse grupo. A abordagem do desempenho social corporativo é fruto dessas tentativas. Essa abordagem inclui a busca pela legitimidade social (GARRIGA; MELÉ, 2004, p. 60).

Legitimação envolve não somente o tipo de atividade corporativa, mas também o processo interno de tomada de decisão; a percepção do ambiente externo; a manipulação do ambiente externo – físico, social e político – para torná-lo mais receptivo às atividades corporativas; e a natureza da prestação de contas para outras instituições sociais do sistema.9 (SETHI, 1975, p. 60, tradução livre).

9 Legitimization involves not only the type of corporate activities, but also the process of internal decision

making; the perception of external environment – physical, social and political – to make it more receptive to corporate activities; and the nature of accountability to other social institutions in the system (SETHI, 1975, p. 60).

Carroll (1979) desenvolveu um modelo conceitual, sugerindo três aspectos fundamentais do desempenho social corporativo: uma definição básica de responsabilidade social, uma enumeração de demandas pelas quais a responsabilidade social existe e uma descrição da “filosofia de resposta” das companhias, que pode variar de reativa à pró-ativa (p. 499). A definição de responsabilidade social dada pelo autor nesse texto inclui quatro dimensões que devem existir simultaneamente nas organizações:

responsabilidade econômica – antes de tudo, a empresa é uma unidade econômica na sociedade com a responsabilidade de produzir bens e serviços, conforme a demanda, e operar com lucros;

responsabilidade legal – a empresa deve atender totalmente às normas legais estabelecidas pela sociedade, é uma parte do “contrato social” que permite a operação da firma como unidade econômica no sistema social;

responsabilidade ética – a empresa deve respeitar as normas éticas da sociedade, mesmo que não estejam estabelecidas legalmente (o que dificulta sua ação responsável, pois as normas éticas nem sempre são claras e unânimes);

responsabilidade discricionária – a empresa pode atender voluntariamente a demandas discricionárias da sociedade, deve-se considerar a existência de expectativas com relação às ações sociais da companhia, apesar de não haver obrigações legais nesse quesito.

Mais de uma década depois, Carroll (1991) retoma essas definições e transforma a responsabilidade discricionária em cidadania corporativa. O autor transforma o discurso do texto anterior (CARROLL, 1979) para a visão de legitimação perante os stakeholders e coloca a pirâmide de RSC como uma ferramenta de orientação para a tomada de decisão (Ilustração 2). Além disso, o autor defende a administração moral em contraposição à imoral e à amoral.

Wartick e Cochran (1985) revisam a literatura e propõem um novo modelo, buscando integrar os princípios de responsabilidade social com os processos de resposta da empresa às demandas sociais e ainda com as políticas sociais desenvolvidas na companhia para “fornecer uma visão distinta de todos os esforços da empresa para satisfazer suas obrigações com a sociedade” (p. 758). Os autores sintetizam as visões de Davis (1967), Carroll (1979) e Preston e Post (1981) para propor mais um modelo. Nesse, a responsabilidade social é vista como uma base filosófica e ética de orientação da empresa; o sistema de respostas às demandas

sociais é um processo de aprendizagem para desenvolver a “filosofia de respostas”; e a administração de demandas é a prática efetiva da responsabilidade social.

Ilustração 2 – Pirâmide da Responsabilidade Social de Carrol

FONTE: CARROLL, 1991, p. 42, tradução livre.

Wood (1991) propõe mais um modelo. Essa proposta articula princípios, práticas e resultados para entender o desempenho social corporativo. Os princípios são divididos em três níveis: (i) institucional, baseia-se na busca de legitimidade; (ii) organizacional, busca atender à ideia de responsabilidade pública; (iii) individual, pauta-se nas responsabilidades individuais do administrador. As práticas seguem a mesma linha e estão divididas em avaliação do ambiente, gestão de stakeholders e administração das demandas sociais. Ainda com a mesma ideologia, a autora propõe a avaliação de resultados por meio de análise das políticas sociais, dos programas sociais e dos impactos causados pelo comportamento organizacional. A proposta de avaliação de resultados é a parte inovadora do modelo proposto por Wood (1991).

Já no modelo de Enderle e Tavis (1998), a inovação está em focar resultados de longo prazo. Os autores defendem que o equilíbrio entre as responsabilidades econômica, ambiental e social acontece quando existe busca da maximização do valor de longo prazo da companhia.

RESPONSABILIDADE ÉTICA

Ser ética.

Obrigação de fazer o que é correto, justo e bom. Evitar danos.

RESPONSABILIDADE ECONÔMICA

Ser lucrativa.

A base sobre a qual todas as outras se apoiam. RESPONSABILIDADE

FILANTRÓPICA

Ter boa cidadania corporativa.

Contribuir com recursos para comunidade; melhorar a qualidade

de vida.

RESPONSABILIDADE LEGAL

Obedecer à Lei.

Lei é a codificação da sociedade de certo e errado. Jogar conforme as regras do jogo.

A ênfase maior nesse texto está na avaliação de resultados e no necessário desenvolvimento de indicadores capazes de mensurar o impacto de longo prazo das ações sociais e ambientais.

Quazi e O’Brien (2000) propõem um modelo bidimensional de RSC em que uma das dimensões é a amplitude da responsabilidade corporativa (de ampla a restrita) e a outra, a variação da relação custo-benefício da ação social (de custo a benefício líquido). A proposta classifica diferentes visões de responsabilidade social, conforme o posicionamento no modelo (Ilustração 3).

Ilustração 3 – Comparação do modelo tradicional da empresa com o modelo dos stakeholders

FONTE: Quazi e O’Brien (2000, p. 36)

Pereira e Campos Filho (2006) estudaram similaridades entre modelos teóricos de RSC. Os autores analisaram quatro modelos conceituais: Carroll (1979 e 1991), Enderle e Tavis (1998), Quazi e O’Brien (2000) e Wood (1991). Quanto às similaridades, os autores destacam:

a convergência das dimensões Econômica e Legal preconizadas por Carroll (1979, 1991) com a dimensão Econômica de Enderle e Tavis (1998) e a Visão Clássica defendida por Quazi e O’Brien (2000);

a convergência do modelo de Wood (1991) com a dimensão Social de Enderle e Tavis (1998) e a Visão Sócioeconômica defendida por Quazi e O’Brien (2000);

Ações sociais geram benefícios Responsabilidade restrita Ampla responsabilidade Ações sociais geram custos Visão Moderna Visão filantrópica Visão Clássica Visão Socioeconômica

a convergência da dimensão ética do modelo de Carroll (1979,1991) com a dimensão Ambiental de Enderle e Tavis (1998) e a Visão Moderna apresentada por Quazi e O’Brien (2000) e

a convergência da dimensão discricionária do modelo de Carroll (1979, 1991) com a Visão Filantrópica preconizada por Quazi e O’Brien (2000).

Esse grupo de teorias mostrou a necessidade de a empresa se relacionar com a sociedade. Esse é o grupo que considera as relações sociais da empresa como essenciais para alcançar o objetivo principal do negócio. É importante ressaltar que nenhuma das abordagens deixa de lado a necessidade de lucro nos negócios, mesmo alguns autores apresentando visões mais ideológicas. Deve-se atentar para não perder o foco do negócio quando se observa esse grupo de teorias, por isso, o ponto crítico é definir os limites da RSC, isto é, até que ponto a empresa pode/precisa se envolver com as questões sociais filantrópicas sem perder seu foco.