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Demonstração Matemática Versus Demonstração Matemática no Sistema Educativo

PARTE II – INVESTIGAÇÃO

3. Revisão de Literatura

3.2 Demonstração Matemática Versus Demonstração Matemática no Sistema Educativo

Em termos gerais admite-se que uma demonstração matemática é o processo pelo qual se prova determinada conjetura. Especificamente em sala de aula o que deve ou não ser aceite como uma demonstração? Qual o rigor matemático que deve ser exigido no processo demonstrativo? Como se deve adaptar os critérios de aceitação de uma demonstração de acordo com o ano de escolaridade dos alunos?

Estas e muitas outras questões têm sido objeto de estudo pela comunidade científica. Autores como De Villiers e Hanna (2012), Brown (2014) e Freitas (2011) dedicaram-se nas últimas décadas a pesquisar esta temática sem, contudo, encontrarem uma ‘linha orientadora’ comum.

Para Stewart (2006, p.90) uma demonstração é uma “história contada por um matemático para outros matemáticos, expressa em linguagem matemática. Como qualquer história tem um início (hipótese) e um fim (conclusão)”. Devlin (2014) publicou no seu blogg um artigo no qual fornece uma definição formal de demonstração matemática que lhe foi apresentada quando era estudante universitário:

Uma demonstração da proposição S é uma sequência finita de afirmações S(1), S(2),… S(n) tal que S(n)=S e cada S(i) é um axioma ou teorema seguido por uma ou mais

12 afirmações S(i),…, S(i-1) que se traduzem na aplicação direta de uma regra valida de inferência.

Como forma de simplificar esta definição, o autor propõe, no mesmo artigo, que demonstração matemática é “uma sequência finita de afirmações em articulação umas com as outras que no seu todo formam uma estrutura formal” ou ainda que “demonstrações são histórias que convencem pessoas qualificadas para tal, que determinada afirmação é verdadeira”.

Torna-se relevante questionar se os critérios globalmente aceites para definir demonstração matemática devem aplicar-se à matemática desenvolvida em contexto de sala de aula. Em caso negativo, quais os critérios que devem ser considerados para que um processo de verificação seja considerado uma demonstração?

A matemática da educação matemática (…) é uma outra matemática, radicalmente distinta daquela vista sob a perspetiva da prática profissional dos matemáticos. Distintos regimes de verdade falam de distintas matemáticas, não de uma única, plena, onipresente, onipotente, onisciente, que pode ser atingida de diferentes formas (Garnica, 2002, p.8).

Brown (2014) investigou a dicotomia demonstração matemática/demonstração matemática em sala de aula com o objetivo de concluir sobre se os critérios de validação de uma demonstração em contexto educativo, deveriam coincidir com os critérios exigidos pela comunidade científica, distinguindo duas situações passíveis de ocorrer:

(1) O aluno explora um conjunto de dados e produz uma conclusão (talvez implícita) e utiliza esses dados para validar a conclusão. Neste caso o aluno fundamentou empiricamente a demonstração; (2) O aluno consegue deduzir a conclusão (não seguiu uma via empírica).

Já para Freitas (2011, p.1) a demonstração matemática “permanece como o único meio de estabelecer a veracidade matemática de uma afirmação (…) Sem deduções a matemática pode tornar-se uma simples coleção de resultados interessantes e úteis, mas desconexos”, não sendo possível provar a generalidade dos casos partindo de casos particulares, por muito numerosos que eles sejam. Sem a vertente demonstrativa da matemática corremos o risco de ter alunos que não sabem “a diferença entre uma ‘certeza’ obtida com observação de casos e uma demonstração” (Freitas, 2011, p.5). No entanto, e ainda de acordo com o autor, explicar tudo no geral e depois particularizar pode levar a um “nível de abstração e fundamentação exagerados” (p.5). É necessário encontrar uma relação equilibrada entre os conteúdos que devem ser demonstrados e os que não devem, propondo o método da “descoberta dirigida” que consiste na apresentação por parte do professor do material necessário para chegar a uma conclusão. Não se espera que o aluno desenvolva o processo sozinho, mas que acompanhe e entenda a explicação do professor (Freitas, 2011). Encontramos esta ideia claramente explícita em Boavida (2001, p.11) que entende que tradicionalmente no ensino da matemática em Portugal “aos alunos competia seguir as demonstrações apresentadas pelo professor, ou incluídas no manual, e ser capaz de as reproduzir, se necessário”. De acordo com a autora, o ensino das demonstrações estava basicamente ligado ao conteúdo de Geometria, pois acreditava-se que este era o conteúdo por excelência que permitia aos alunos aprender a “raciocinar dedutivamente”. De Villiers e Hanna (2012, p.31) realçam que “o estudo da Geometria Euclidiana na escola tem muitas vezes sido considerada como uma base necessária para o estudo da noção formal de demonstração e, em particular, para a construção de uma série de teoremas deduzidos de proposições simples”.

13 as demonstrações que os alunos faziam/reproduziam constituíam, antes de mais, uma prova do seu saber e não a prova da veracidade dos enunciados matemáticos com que lidavam pois esta estava já estabelecida (…) a observação, experimentação e formulação de conjeturas eram, na grande maioria dos casos, inexistentes.

Atualmente, e ainda de acordo com a autora, o sistema de ensino português valoriza um duplo papel da demonstração em sala de aula. Se por um lado esta serve como um instrumento para que os alunos se convençam da veracidade de uma afirmação, também funciona como um meio de melhorar a compreensão das tarefas.

Uma boa demonstração é aquela que, para lá de convencer, explica e faz avançar na compreensão de uma ideia, problema ou resultado matemático, que clarifica porque é que uma relação funciona ou não. (…) Quando consideramos a demonstração de um ponto de vista educativo talvez o seu papel fundamental seja precisamente (…) o de promover a compreensão (Boavida, 2001, p.13).

O nível de rigor que deve ser exigido no processo demonstrativo em ambiente educativo é outro aspeto em discussão na comunidade científica. De Villiers e Hanna (2012, p.171) referem que “crescer na capacidade de utilizar a linguagem simbólica da matemática é uma condição indispensável para que o aluno consiga desenvolver e perceber as demonstrações.” Já Boavida (2001, pp.14-15) defende que o formato da demonstração tem de ser adaptado ao nível de ensino do aluno e

mais importante que a demonstração é a atividade de a produzir, é a sensibilidade ao seu interesse e necessidade, é a comunicação clara e correta das ideias matemáticas que estão em jogo (…) o que é fundamental é que ela constitua, para o aluno, não um objeto matemático a estudar mas um instrumento que ele pode usar para fazer matemática (…) A necessidade de criar na sala de aula uma cultura que veicule a ideia de que a matemática é uma atividade de construção de sentido, onde sejam estimuladas e valorizadas as tentativas de justificação, exploração e argumentação feitas pelos alunos e em que a validade de uma justificação não se baseie numa autoridade exterior, seja ela a do professor ou a do manual, mas na consistência lógica da argumentação apresentada.

Stewart (2006, p.90) partilha da opinião da autora ao defender que “a essência da demonstração não é a sua ‘gramática’, mas o seu significado”, e mesmo que os alunos não utilizem linguagem simbólica, não formalizem o processo em termos de hipótese, tese e demonstração, mas tenham utilizado factos aceites como verdadeiros; encadeado as justificações de forma que cada afirmação surgiu da anterior numa sequência lógica e sem contradições; e deduzido uma conclusão. Então os alunos fizeram uma demonstração (Boavida, 2001).

Outro aspeto revelante nesta problemática é o tipo de raciocínio abstrato que deve ser exigido, isto é, o processo demonstrativo deve aplicar-se à generalidade ou é suficiente quantificar os casos em que a conjetura deve ser testada? A maioria dos autores está de acordo que, mesmo em contexto de sala de aula, não pode ser considerada uma demonstração um processo que se aplica apenas a casos particulares, por muito numerosos que sejam. Como afirma Boavida (2001, p.13) “não é por, experimentalmente, se verificar que uma propriedade é válida para um certo número de casos que se pode afirmar que ela é valida para todos. (…) a apresentação de muitos exemplos não constitui uma demonstração.”

Na presente investigação defendemos que sem o desenvolvimento do raciocínio dedutivo, o aluno não poderá entender a real essência da matemática, e adotamos a perspetiva de Boavida (2001) considerando que uma demonstração matemática em contexto de sala de aula tem necessariamente que caraterizar-se do seguinte modo:

14  Aplicar-se à generalidade dos casos. O aluno pode desenvolver a demonstração por dedução ou

deduzir a conjetura por analogia com uma situação concreta.

O raciocínio indutivo em que o aluno observa a existência de um padrão em situações concretas que posteriormente generaliza, não é considerado uma demonstração matemática.

 Mais importante que o rigor matemático no processo demonstrativo é a evolução de um raciocínio sequencial lógico e coerente e a capacidade que o aluno mostra em expor esse raciocínio por escrito ou oralmente.

 A demonstração matemática é um instrumento que auxilia o aluno a compreender o âmago da disciplina.

 Para demonstrar que determinada conjetura não é válida, é necessário encontrar um único elemento do conjunto ao qual ela não se aplica: O contra exemplo.