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4.3 PERCEPÇÃO DAS MULHERES SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS

4.3.2 Desvelando a violência contra as mulheres

4.3.2.2 Denunciando as agressões

Embora todas as mulheres reconheçam que foram dominadas e humilhadas no momento da agressão, a maioria não demonstrou ter tido consciência de injustiça, em um primeiro momento. Na grande maioria dos casos, as agressões se repetiram por anos até a mulher criar consciência da sua situação de desigualdade e procurar ajuda.

Ao tomar esta consciência, precisou criar coragem e enfrentar o medo de uma provável reação do agressor, o que, segundo relatos, foi a parte mais difícil do ato de denunciar.

Duas das entrevistadas precisaram fugir de casa para conseguir realizar a denúncia.

“Quando eu já não aguentava mais aquela vida e criei coragem para denunciar meu marido, tive que sair de casa escondida para ele não desconfiar porque senão ele iria me matar. Ainda bem que eu tive algumas pessoas que me ajudaram e também fui muito bem atendida, senão eu estaria perdida” (CAP SR 1).

“Eu resolvi denunciar meu companheiro porque eu vi que não ia ter outro jeito. Ou eu fazia isso ou ele iria acabar me matando e matando um dos meus filhos. Esperei até que ele saiu de casa e pedi ajuda. Vieram nos buscar e quando ele voltou já não estávamos mais lá. Só assim mesmo para mim conseguir sair dessa situação, porque eu não tinha como sair lá do interior sozinha com 5 crianças” (CMM 1).

As participantes do estudo, em algum momento, reagiram à agressão, utilizando a arma disponível: denunciá-lo ao organismo competente. Várias fizeram esta trajetória mais de uma vez, 16 das 21 entrevistadas, algumas relatando que houve bons resultados imediatos, mas a maioria disse não ter tido sucesso. O que ocorreu na grande parte dos casos é que, ao voltar à realidade, provavelmente sob a pressão externa dos familiares, do marido, dos filhos, ou mesmo tomar consciência de que eram dependentes do marido, voltaram atrás e retomam a sua posição de mulher dentro da família tradicional (JONG, 2008).

“Meu companheiro nunca acreditava em mim, sempre teve muito ciúmes e por isso me agredia muito verbalmente, todos os dias eu tinha que ouvir ele me chamando de

vadia e dali pra cima. Nunca me bateu, mas as palavras doíam muito mais que um tapa. Chegou ao ponto que eu fui registrar um BO contra ele, mas daí, na audiência de separação a gente conversou bastante e se entendeu de novo, principalmente por causa do nosso filho” (PMP 2).

Apesar de terem feito a denúncia, foi muito difícil para elas reconhecerem que a pessoa que esteve ao seu lado por tantos anos, pai dos seus filhos agora estava sendo denunciado por agressão e que poderia ser preso por isso. O relato de que sentiram pena do agressor foi repetido várias vezes.

“Depois que fui na DEAM registrar o BO contra meu ex-marido, cheguei em casa e fiquei com receio de que iriam vir aqui e prender ele. Tinha raiva e pena ao mesmo tempo porque não queria que meus filhos vissem o pai deles ser preso ou jogado na rua” (PMP SA1).

Outra disse ainda, “Como a mulher é boba né, apanha por anos e quando vai fazer a denúncia, ainda fica com pena. Mas eu acho que é por causa do instinto que a gente tem de cuidar e proteger todo mundo” (CMM 3).

Percebe-se que a mulher busca uma justificativa para ela mesma ao fazer a denúncia, muitas vezes não basta a consciência da restrição de direitos, da subordinação, da dependência e do medo, na grande maioria dos relatos observou-se a necessidade de uma motivação mais concreta que a impulsionasse a procurar ajuda. Das 21 mulheres que sofreram violência, para 17, as ameaças contra a vida foram as grandes impulsionadoras da denúncia.

Outras entrevistadas afirmaram terem realizado a queixa tão somente para evitar outras agressões (JONG, 2010), pela intimidação na figura da autoridade legal, mantendo assim, sua relação conjugal. Para estas, há a avaliação de que a denúncia colocou limites ao comportamento de violência.

O relato de CAP SR 1 ilustra bem isso.

“Meu marido era muito violento comigo, ele nunca achou que eu teria coragem de denuncia ele, mas eu tive. Ainda bem, porque agora ele é um doce, morre de medo que eu vá fazer isso de novo. Agora eu sei onde procurar ajuda e se ele fizer qualquer coisa, eu sei para onde correr” (CAP SR 1).

Essa fala também demonstra que há uma segunda intenção, pois além de denunciar o marido e acabar com as agressões, a mulher também quer manter a sua relação conjugal e familiar, porém sem violência (JONG, 2010).

Para algumas, há a percepção de viver sob a ameaça constante: a convicção de que a agressão poderá ocorrer, a qualquer momento, de forma definitiva.

“Quando meu marido me cortou toda e me ameaçou de morte com uma faca, percebi que eu já não poderia mais viver naquela situação. Da próxima vez poderia ser que eu não conseguiria mais fugir, ou que não tivesse algum filho ali por perto para me salvar, ou pior, talvez ele matasse um dos nossos filhos. Não aguentei mais e fui prestar queixa contra ele” (CRRAM 2).

A vida dessas mulheres fica permeada por doenças físicas e emocionais, apresentando- se sob a forma de múltiplas queixas. Debilitadas fisicamente, vulneráveis psicologicamente, as mulheres vítimas de violência podem desencadear comportamentos agressivos ou depressivos, além de doenças psicossomáticas (PARENTE; NASCIMENTO; VIEIRA, 2009). No decorrer das entrevistas, todas as mulheres manifestaram algum sintoma associado ao impacto emocional devido às agressões sofridas. Foram citadas a insônia, a depressão, o nervosismo e o estresse.

Devido a esses fatores e a todos os outros já elencados anteriormente é que as mulheres procuraram ajuda junto aos organismos de políticas públicas para as mulheres, no intuito de mudarem a sua situação de vida.

Na próxima seção será discutido o papel das políticas públicas na vida dessas mulheres.